Médicos alemães relatam ameaças de negacionistas antivacinas
15 de novembro de 2021Organizações de médicos na Alemanha contatadas pela DW na última semana relataram que muitas clínicas têm enfrentado uma atmosfera agressiva por conta de ameaças de negacionistas antivacinas e tensão entre funcionários e pacientes, enquanto a pandemia de covid-19 atinge taxas de infecção inéditas no país.
Nesta segunda-feira (15/11), a Alemanha bateu seu recorde da taxa de incidência da doença desde o início da pandemia, com 303 novos casos por 100 mil pessoas nos último sete dias. Na quinta-feira passada, o país registrou o maior número de novos casos em todo o mundo, com 50.377 pessoas com teste positivo.
Um dos cenários mais preocupantes está no estado da Saxônia, no leste alemão, que tem a maior taxa de incidência do país, de 754 por 100 mil habitantes, e a menor taxa de vacinação, com apenas 57,5% da população do estado totalmente vacinada. Em toda a Alemanha, 67,5% da população está atualmente vacinada.
"A agressividade e o extremismo entre as pessoas piorou significativamente", disse o clínico geral Erik Bodendieck, presidente da Associação Médica da Saxônia. "Alguns médicos chegaram a receber ameaças de morte."
Bodendieck disse que ele próprio acostumou-se a receber ameaças por conta de seu papel público como presidente da associação. "São e-mails nos quais sou atacado pessoalmente, nos quais sou ameaçado de sofrer processos", disse ele à DW. "E há cartas que dizem coisas como: 'Vocês todos deveriam estar na frente de um pelotão de fuzilamento'. Esse tipo de coisa."
"Ontem defendi a vacinação obrigatória e, apesar de todo o apoio em redes sociais, tenho certeza de que os opositores da vacina irão atacar novamente", acrescentou. Ele teme que alguns médicos da Saxônia possam até decidir não aplicar vacinas contra a covid-19 em parte por causa dessas ameaças.
Pacientes ríspidos, funcionários desgastados
Ulrike Schramm-Häder, porta-voz da Associação Médica da Turíngia, disse que 25 médicos relataram ter recebido cartas com ameaças. "As cartas dizem principalmente que as vacinas são perigosas e acusam os médicos de realizar experimentos humanos", disse ela à DW.
Schramm-Häder, que recebeu ela mesma uma dessas cartas apesar de não aplicar vacinas, disse que os remetentes vez ou outra enveredam em teorias da conspiração e falam de forças ocultas que controlariam o governo federal. "Mas também há pessoas que apenas rejeitam todas as medidas destinadas a proteger contra o coronavírus. E elas fazem algum esforço, pesquisam os nomes e endereços dos médicos."
Não se trata apenas de cartas de ódio anônimas. A atmosfera do cotidiano em muitas clínicas ficou mais tensa. A Associação Médica da Turíngia realizou uma conferência em setembro, na qual vários médicos relataram ter recebido pacientes agressivos em seus consultórios. "Às vezes os pacientes reagem muito agressivamente a perguntas normais, como sobre seu estado de vacinação. Isso é apenas algo que os médicos precisam saber", disse Schramm-Häder.
Alguns médicos decidem mover processos ou entregar as cartas ameaçadoras à polícia, e outros simplesmente descartam as mensagens. Como muitas associações médicas na Alemanha, a entidade da Turíngia divulgou uma declaração que condena esse comportamento, enfatiza a importância de medidas contra o coronavírus e diz que os médicos são responsáveis pela saúde de seus funcionários e de outros pacientes que aguardam na sala de espera.
Motivação apesar de agressões e ameaças
Poucas associações médicas contatadas pela DW tinham dados concretos sobre o número de ameaças, mas muitas, como as de Berlim e da Baixa Saxônia, notaram um tom mais duro por parte de pacientes. O cansaço com a pandemia, tanto entre os pacientes quanto entre os funcionários, está se instalando, disse um porta-voz da Associação Médica do Estado de Berlim: "Os nervos estão desgastados em ambos os lados."
Berlim é onde ocorreu, em outubro, um dos casos mais drásticos. Uma clínica que aplica vacinas foi forçada a fechar as portas por vários dias e contratar segurança privada porque as ameaças anônimas eram consideradas graves. A associação disse que a identidade da clínica estava sob sigilo e que os médicos não queriam fazer comentários públicos para evitar uma nova escalada de tensões.
As ameaças tornaram-se rotina, especialmente para médicos que usam redes sociais para apoiar ativamente as vacinas. Thomas Spieker, porta-voz da Associação Médica da Baixa Saxônia, diz que a equipe médica da linha de frente tem que suportar o peso de um debate público cada vez mais emotivo sobre medidas e vacinas contra o coronavírus, e isso está pressionando o sistema de saúde como um todo.
"Às vezes as pessoas parecem confundir o médico com uma autoridade que define políticas públicas", disse ele à DW. "Todos os dias, desde o início da pandemia, os médicos e seus funcionários estão no fogo cruzado, arriscando a sua própria saúde. Claro que isso também atrapalha a forma como outras doenças estão sendo tratadas."
Mas Wolfgang Kreischer, presidente da associação de clínicos gerais de Berlim e Brandemburgo, não se deixa intimidar. Ele também recebeu cartas ameaçadoras anônimas e teve experiências desagradáveis no trabalho, e uma paciente chegou a dizer que "ela esperava que todos nós fossemos punidos" por oferecer vacinas.
Kreischer também notou pacientes que chegam para se vacinar porque sentem que são forçados a fazer isso e estão irritados. "Eles não querem nenhuma informação sobre as vacinas, só querem ser vacinados e ir embora, e você pode ver que eles só estão fazendo isso agora por causa da pressão", disse.
Ele menciona ainda o caso de uma médica que deixou de aplicar vacinas porque o carimbo de seu consultório foi falsificado e usado de forma fraudulenta em comprovantes de vacinação. "Toda vez que ela recebe um informe de que o carimbo está sendo usado, ela tem que enviar uma declaração à polícia", disse. "Isso se tornou muito trabalhoso para ela."
Mas, apesar das ameaças, Kreischer insiste que ele e sua equipe permanecem "muito motivados" e planejam continuar aplicando vacinas. "A maioria dos pacientes está muito agradecida por ter sido vacinada", disse.