Museu Britânico traz raro olhar sobre Alemanha dividida
7 de fevereiro de 2014Ralf Winkler tinha 29 anos quando, em 1968, decidiu mudar de nome. Pintor, ele temia as autoridades da antiga Alemanha Oriental devido às suas atividades no Ocidente e suas críticas ao regime. Passou a se chamar AR Penck, uma homenagem ao geólogo Albrecht Penck, que viveu no século 19 e pesquisava sobre a era glacial.
A escolha não foi aleatória. Winkler sentia estar vivendo num período gélido, isolado de seus companheiros no Ocidente. Ele se dizia destinado a criar uma arte em conformidade com o Realismo Socialista da Alemanha Oriental.
Na pintura Descongele por mais tempo, o pintor Jörg Immendorf viria mais tarde a retratar seu amigo Penck. Na imagem, o jovem bate descontroladamente num conjunto de tambores, numa ação furiosa para derreter o gelo que o cercava.
Olhar critico sobre o passado da Alemanha
A partir desta sexta-feira (07/02), estará aberta ao público a exposição Germany Divided: Baselitz and his Generation (A Alemanha dividida: Baselitz e a sua geração), com trabalhos de seis importantes artistas alemães das décadas de 1960 e 1970. A exposição poderá ser vista no Museu Britânico até o dia 31 de agosto de 2014.
A exposição ilustra por que Penck estava tão frustrado em viver num país dividido. Havia algo novo e extraordinário acontecendo na arte alemã daquele período. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, uma jovem geração de artistas, que não havia se envolvido no Terceiro Reich, lançava um olhar duro e crítico sobre o passado recente e atribulado da Alemanha.
A mostra inclui desenhos, aquarelas, guaches e gravuras de Georg Baselitz, Gerhard Richter, Sigmar Polke, AR Penck, Blinky Palermo e Markus Lüpertz. Os trabalhos foram emprestados da coleção do conde Christian Dürckheim, um empresário que fez amizade com Baselitz em meados da década de 1970.
Dürckheim teve a inteligência de colecionar trabalhos de Baselitz e seus contemporâneos antes de eles se tornarem famosos, e conseguiu comprá-los a um bom preço. Todos os seis artistas nasceram na antiga Alemanha Oriental e emigraram para o Ocidente em diferentes momentos.
A maioria deles veio antes de as fronteiras terem sido fechadas em 1961. Penck cruzou a fronteira depois que sua situação ficou insustentável, e as autoridades alemãs orientais lhe deram autorização de sair do país.
Reunificação parecia inconcebível
"Quando estes trabalhos foram executados em plena Guerra Fria, para todos, parecia que a situação iria durar por gerações – um pouco como Coreia do Norte e do Sul", disse o curador da exposição Stephen Coppell. "A ideia de que as duas metades pudessem ser reunidas novamente parecia totalmente inconcebível."
Algo comum a todos os artistas em exibição é o fato de que seu trabalho, de uma forma ou de outra, é sobre a história alemã, disse à Deutsche Welle o crítico de arte John-Paul Stonard, que redigiu o catálogo da mostra.
Por exemplo, as gravuras de Markus Lupertz mostram capacetes alemães e usam o imaginário nazista como forma de forçar o espectador a pensar sobre os horrores do passado de seu país.
"Antes da guerra, era muito mais importante ter uma presença internacional e fazer parte de uma esfera mais ampla, como o movimento Bauhaus. Depois da guerra, tudo o que se deveria evitar na Alemanha em 1960 era ser alemão. Havia essa ideia de que essa tradição havia sido corrompida", declarou o crítico de arte.
Apostando na tradição
Mas Baselitz – junto a Richter, talvez o mais conhecido internacionalmente entre os seis – foi bastante influenciado por exemplos mais antigos da arte alemã.
"Baselitz queria criar uma vanguarda artística provocadora em meio a essa terrível situação de pós-guerra", explicou Stonard. "Ele sentiu que uma forma de fazê-lo era simplesmente ser superalemão, tornar-se ultra-alemão. Ele olha para trás e observa as técnicas tradicionais e xilogravuras. As suas gravuras mostram lenhadores, caçadores, pastores, soldados – ícones na história germânica."
Em exposição também estão gravuras extraordinárias da série Heróis, de Baselitz, mostrando uma única figura de soldado com aparência derrotada numa paisagem maltratada do pós-guerra, com os pés frequentemente presos em armadilhas de animais. A série Heróis tornou-se o grande momento de Baselitz, algo a que ele constantemente se referia em sua carreira posterior.
Rivais do futebol à tela
Enquanto os trabalhos de Baselitz e Richter se tornaram icônicos e altamente influentes, o público britânico não teve muita abertura para a arte alemã daquela época. Então por que esses seis artistas foram largamente ignorados no Reino Unido, enquanto tinham sucesso internacional?
"No Reino Unido, houve uma longa resistência à arte alemã. Isso remonta à obsessão britânica por Cézanne e pela arte francesa do início do século 20. A Alemanha era vista como algo torturado, feio, por demais cerebral, por demais intelectual", disse Stonard. "Essa resistência também tem um elemento político", acresceu o crítico. "Travamos duas guerras mundiais e perdemos várias Copas do Mundo para os alemães. Havia simplesmente uma resistência cultural frente à Alemanha."
Mas tais atitudes parecem finalmente estar mudando no Reino Unido. O ano de 2014 marca o centenário da Primeira Guerra Mundial e 25 anos da queda do Muro de Berlim. Não existe um festival oficial de arte alemã, mas a Galeria Whitechapel está mostrando uma retrospectiva da artista dadaísta berlinense Hannah Höch, e existem muitas exposições planejadas de Baselitz.
"Tudo está acontecendo extraoficialmente, o que é muito melhor", comentou Stonard. "Seria muito raro encontrar uma pessoa jovem no Reino Unido atualmente dizendo: 'os alemães não sabem fazer arte.' Mesmo assim, há uma lacuna de conhecimento por aqui – e uma importante história a contar."