Vanguarda feminina
13 de novembro de 2011Ela se chamava Claude Cahun e era uma das artistas mais brilhantes de seu tempo, tendo circulado pelos salões parisienses dos anos 1920, como escritora e filósofa. Suas experiências com a fotografia pareciam, a princípio, uma atividade secundária.
Hoje, no entanto, os autorretratos feitos pela artista naquela época contam entre as representações mais significativas e radicais da identidade feminina e dos primórdios do Surrealismo. As fotografias expõem desde uma cabeleira farta e despenteada até uma cabeça careca; figurinos fabulosos alternam-se com representações que deixam a dúvida se a imagem é de um homem ou de uma mulher. Mas quem era essa Claude Cahun?
Rede internacional
Nascida em Nantes, em 1894, filha de comerciantes judeus bem estabelecidos, ela conheceu cedo o universo literário e teatral, e em breve dirigia seu próprio salão de artes em Paris, onde conheceu Germaine Dulac. Nos anos 1920, Cahun já era considerada uma excelente artista surrealista. Como diretora, produziu em 1928 o primeiro filme de Dulac: La coquille et le clergyman.
Outro nome da época é Dora Maar: pintora, fotógrafa e futura companheira de Pablo Picasso, que se tornou conhecida por suas fotografias de meninos de rua e desabrigados.
As ligações entre essas artistas no mundo da arte ultrapassavam as fronteiras de Paris. Num momento em que viajar se tornava uma atividade popular, as artistas mantinham contatos fora do país e trocavam informações com frequência, dentro de uma rede de artes que incluía metrópoles como Berlim, Paris, Zurique, Amsterdã, Varsóvia e Moscou.
Da Alemanha vinha Hannah Höch, artista gráfica conhecida por suas colagens; da Suíça, a pintora e escultora Sophie Taeuber-Arp. Ambas mantinham contato com artistas do Leste Europeu: a designer Sonia Delaunay, cujos tecidos luxuosos se tornariam mais tarde famosos em todo o mundo, e a escultora polonesa Katarzyna Kobro, integravam também essa rede europeia de artistas, cujo centro era Paris.
Na metrópole à beira do Sena, encontravam-se três correntes artísticas: ao Surrealismo das francesas, que tematizava sobretudo o inconsciente, vinha o Dadaísmo expressamente radical, marcado por aparentes acasos e nonsense. Além disso, as artistas no Leste Europeu trabalhavam com uma forma de expressão também nova, o Construtivistmo, criando um novo e rígido estilo através de figuras geométricas.
Arte em formato para viagem
Apesar do reconhecimento que essas artistas recebiam por onde circulavam, elas enfrentavam grandes dificuldades para divulgar sua arte entre um público maior. Susanne Meyer-Büser, curadora da exposição "O outro lado da Lua" em Düsseldorf, explica por que essas peças despertavam tão pouco interesse dos diretores de museus da época: seu formato primordialmente pequeno parecia pouco representativo na imponente arquitetura dos museus.
Também na mostra de Düsseldorf procura-se em vão por obras de grande formato. Ela reúne, antes, pequenos quadros, retratos, marionetes e peças de roupa sofisticadamente confeccionadas. Tudo é apresentado num clima intimista, não há lugar para o exibicionismo, para o estridente e o chamativo. As paredes têm cores suaves e a disposição das obras sugere associações entre as artistas. Motivos como espelhos, mãos, conchas e máscaras repetem-se ao longo da mostra.
"Há uma relativa proximidade entre as artistas cujas obras estão expostas aqui e a arte aplicada", diz a curadora, ao explicar que uma das razões disso está na formação das mulheres da época. Pelo menos na Alemanha, não lhes era permitido, até o ano de 1919, estudar em escolas superiores. Elas frequentavam escolas de trabalhos manuais, o que as levava a usar os mais diversos materiais e técnicas para expressar sua arte. A mostra em Düsseldorf expõe esculturas, artes gráficas, bordados, tecelagens e marionetes, mas também fotografias e o filme La Coquille, de Germaine Dulac.
Vanguardistas no museu
A exposição "O outro lado da Lua" apresenta mais de 230 peças de uma das épocas mais significativas da história da arte europeia. Reunir essas obras não foi, todavia, uma tarefa fácil, já que essas mulheres se locomoviam muito entre diversos locais ligados à arte, na primeira metade do século 20. Depois da Segunda Guerra Mundial, suas obras ficaram esquecidas, só sendo redescobertas, aos poucos e com muita dificuldade, por volta da década de 70.
Marion Ackermann, diretora da Coleção de Artes da Renânia do Norte-Vestfália, não se surpreende com isso. "Os homens definem, há muito, a história da arte. Para tal contribuíram bastante os diretores de museus, com sua política de aquisições", acusa.
Ela tem esperanças, contudo, de que a proporção de obras de homens e mulheres nas coleções públicas tenda a se tornar mais igualitária. Sua meta pessoal é continuar dando espaço a artistas ainda pouco conhecidas, e talvez de corrigir, aqui e ali, o olhar sobre a história da arte.
Autora: Gudrun Stegen (sv)
Revisão: Augusto Valente