Faz um ano e meio que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência e, nesse período, nenhuma outra instituição mudou tanto quanto os militares. O ministro da Defesa já costumava ser um membro importante do governo, mas se continha, discretamente.
Raramente, o líder dessa pasta dava entrevistas. Os contatos com os outros Poderes – Judiciário e Legislativo – se restringia ao protocolo oficial. Nas últimas duas décadas, os militares ficaram claramente subordinados ao controle civil. Nenhum ministro da Defesa teria ousado criticar publicamente o Congresso ou a Justiça.
Isso mudou no governo Bolsonaro: os militares ocupam quase todos os postos-chave do Executivo – dos 22 ministros, oito são oriundos das fileiras uniformizadas do Exército, incluindo generais na ativa. Além disso, há 2.500 fardados distribuídos em cargos administrativos e empresas estatais – onde, cada vez mais, ditam as regras. Dois generais foram nomeados com o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, e controlam a pasta. Teich não tem poder executivo.
Por isso, não é exagero afirmar que, atualmente, o Brasil já tem um governo militar. Isso vale para o número de cargos ocupados, mas também para a crescente influência exercida pelos militares sob Bolsonaro e para a maneira como assumem cada vez mais áreas de responsabilidade – a exemplo do Ministério da Saúde e, cada vez mais, da economia.
O presidente e os militares são dependentes uns dos outros. Bolsonaro precisa de comandados para governar porque a maior parte de seus "especialistas" civis se revelam incapazes. Já os uniformizados sabem exatamente que nunca teriam chegado ao centro do poder sem Bolsonaro.
Essa coalizão de interesses, porém, já começou apoiada num alicerce torto: na hierarquia militar, o ex-capitão e professor formado na escola de Educação Física do Exército se situa bem abaixo de seus ministros. Ao final de sua curta carreira militar, foi apenas por pouco que Bolsonaro conseguiu evitar uma demissão degradante. Depois de um suposto plano de explodir bombas para pressionar por maiores soldos no Exército (Bolsonaro negou participação e foi absolvido após um processo disciplinar), passou a ser visto como insurgente e causador de confusão.
O penúltimo presidente do regime militar, Ernesto Geisel, chegou a dizer em entrevista que Bolsonaro era um "mau militar". O atual mandatário se vinga dessa desonra até hoje, tratando generais de quatro estrelas como garotos insubordinados ou demitindo funcionários de alta patente quando um de seus filhos aponta o dedão para baixo.
Ainda assim, o destino e a futura credibilidade dos militares têm ligação estreita com a sorte do governo Bolsonaro. Por enquanto, nas pesquisas de opinião, as Forças Armadas têm boa reputação no país. Mas isso vai mudar.
É que o presidente não deixa dúvidas de que quer invalidar a divisão de Poderes. Desta maneira, surge a questão existencial sobre o posicionamento dos militares nesses ataques crescentes contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso.
Até agora, os militares mal criticaram Bolsonaro pela sua gestão irresponsável da pandemia do novo coronavírus ou pelos seus ataques aos outros Poderes. As declarações suavizadas de membros do Exército chegam atrasadas – e isso depois de o presidente ter aparecido diante de manifestantes que pediram de volta a ditadura pela segunda vez.
Repetidamente, porém, representantes das Forças Armadas legitimam as aparições de Bolsonaro com a liberdade de expressão. Atualmente, parece que foi o setor linha-dura que assumiu o comando da opinião entre os militares.
Por diversos motivos, generais não ousam demonstrar opiniões claras. De um lado, isso se deve ao fato de serem militares, que não contestam ordens. De outro, obviamente eles apreciam os privilégios e o acesso ao poder.
Mas há um motivo muito mais dramático: eles temem perder o controle sobre as próprias tropas. Bolsonaro goza de altíssima popularidade entre os soldados de baixa e média patente. Isso fica evidente quando o ex-capitão visita um quartel do Exército, onde seus fãs se concentram especialmente entre os soldados, e não no comando.
Especialmente no Brasil, o Exército é reflexo da sociedade desigual: as fileiras superiores têm altos privilégios, só comparáveis aos de juízes ou promotores públicos. Já a maioria dos soldados recebe soldos baixos, vive em quartéis degradados e tem equipamentos catastróficos à disposição.
Por isso, os militares precisarão decidir logo se vão continuar apoiando Bolsonaro em seu curso autoritário. É que, em algum momento, pode ser que eles não consigam mais impedir esse processo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele próprio filho de um general, disse há pouco com clarividência: "As Forças Armadas não preparam golpe, mas podem ser levadas a isso."