Milhões de mulheres não têm autonomia sobre o próprio corpo
14 de abril de 2021Tomar decisões sobre seu próprio corpo segue sendo um sonho para centenas de milhares de mulheres em todo o mundo, denunciou nesta quarta-feira (14/04) o Fundo da População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês).
Em seu informe anual, a agência da ONU encarregada da saúde sexual e reprodutiva analisou pela primeira vez em profundidade a situação do direito à autonomia sobre o próprio corpo e concluiu que, em boa parte do planeta, quase a metade das mulheres continuam sem exercê-la, seja para decidir com quem têm relações sexuais, se usam anticonceptivos ou se consultam um médico.
"Em todo o mundo há mulheres e meninas a quem não é permitido que assumam o controle sobre seus corpos e de suas vidas", ressaltou a diretora executiva do UNFPA, Natalia Kanem.
"O direito à autonomia sobre o corpo é violado quando uma menina é submetida à mutilação genital, quando uma mulher é forçada a fazer um aborto, quando um homem a engravida contra sua vontade, quando ela é estuprada ou quando é submetida a um chamado teste de virgindade", enumerou Kanem.
Dados de 57 países
O estudo do UNFPA, entretanto, analisa principalmente três questões: se a mulher pode dizer não à relação sexual, se ela decidir sobre contraceptivos e se pode decidir sobre cuidados médicos.
De acordo com o relatório, que se baseia em dados de 57 países em desenvolvimento (representando um quarto da população mundial), apenas 55% das mulheres estão totalmente habilitadas para tomar suas próprias decisões nessas três áreas.
Essa parcela, no entanto, varia significativamente entre as regiões, pois enquanto na América Latina e Caribe e no Leste e Sudeste Asiático cerca de 75% das mulheres veem seu direito à autonomia corporal ser respeitado, na África Central e Ocidental são menos de 40%.
Em três países da África Subsaariana – Mali, Níger e Senegal – menos de 10% das mulheres podem tomar todos os tipos de decisões autônomas sobre seus corpos, de acordo com o estudo. Em alguns países, como Mali, o relatório mostra que uma clara maioria das mulheres decide sobre contraceptivos, mas apenas 22% podem fazê-lo quando procuram atendimento médico e uma em cada três pode recusar relações sexuais, o que faz com que sejam muito poucas aquelas que têm seus direitos respeitados nas três áreas.
O UNFPA, entretanto, reconhece que os dados coletados são incompletos e podem não refletir com precisão a realidade, embora ofereçam ideia aproximada do problema.
Situação piorou com pandemia
A situação, segundo o UNFPA, também piorou durante a pandemia de covid-19, devido aos confinamentos e às dificuldades de acesso aos serviços de saúde e planejamento familiar.
De acordo com o relatório, na pandemia, mais mulheres e meninas do que nunca sofreram ameaças de violência de gênero e práticas prejudiciais, como casamento precoce.
Os autores do relatório também registraram um aumento dramático na mutilação genital feminina: de acordo com estimativas do UNFPA, a pandemia de coronavírus pode levar a até dois milhões de casos adicionais de mutilação genital feminina. O sucesso na eliminação dessa prática poderia, portanto, ser reduzido em um terço até 2030.
O relatório também analisa as políticas em vigor nesses países e destaca que 25% deles não garantem legalmente a igualdade de acesso a anticoncepcionais e que 20% não possuem normas de apoio à saúde sexual.
Além disso, destaca a existência de leis que continuam a infringir os direitos das mulheres, incluindo as leis conhecidas como "casar com seu estuprador", em vigor em 20 países ou territórios e que estabelecem que um homem pode evitar ser processado por uma violação caso se case com a vítima.
Também lembra que existem 43 países que não possuem legislação contra o estupro conjugal e que existem mais de 30 Estados que restringem a liberdade das mulheres de se deslocarem fora de casa.
Pouca educação freia autodeterminação
Os autores do documento identificam uma conexão estreita entre a autodeterminação sexual e o nível educacional das mulheres. De acordo com o relatório, as mulheres com menos escolaridade do que seus maridos ou parceiros têm maior probabilidade de sofrer violência sexual do que as mulheres cujo nível de escolaridade é mais ou menos igual ao de seus cônjuges.
Muitas meninas e mulheres não sabem que têm o direito de recusar relações sexuais, conforme o relatório. Um estudo na Índia mostrou que as mulheres recém-casadas no país têm menor probabilidade de descrever seu primeiro sexo como forçado ou "contra sua vontade" porque o sexo seria esperado dentro do casamento.
De acordo com o relatório, tais normas e atitudes frequentemente impedem as mulheres de tomarem decisões autodeterminadas sobre contracepção – também porque os homens em muitos países consideram ser seu direito tomar decisões sobre o tamanho da família.
md (EFE, DPA, AFP)