Migração domina campanha eleitoral na Áustria
13 de outubro de 2017Todos os dias, Hakima R. leva o filho Tariq para a escola. O caminho deles passa por uma longa aleia de castanheiras, que brilha sob o sol do outono. É uma caminhada agradável, mas já há algumas semanas a via exibe também diversos cartazes eleitorais, incluindo os da legenda populista de direita Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ). Os pôsteres afirmam que "a imigração e a islamização devem ser interrompidas". Hakima diz que esse tipo de propaganda lhe faz perder o humor, mesmo num dia bonito. "Bem, viemos da Síria e somos muçulmanos. Sinto como se estivessem falando de nós."
Hakima vive há três anos com a família na Áustria. O filho dela está no primeiro ano da escola no 12° distrito de Viena, uma região onde há muitos apartamentos subvencionados para pessoas de baixa renda e onde vivem muitos imigrantes – e onde há, também, muito mais cartazes do FPÖ do que em outras áreas da cidade. "Estou surpresa. Viemos para a Europa porque pensávamos que a Áustria é uma democracia tolerante. E quando vejo esses cartazes, não me sinto muito bem", diz Hakima.
Direita contra a direita
A campanha eleitoral na Áustria está na reta final, e os principais temas são imigração, islamização, refugiados e proteção das fronteiras. Em especial os partidos de direita Partido Popular Austríaco (ÖVP) – integrante da coalizão de governo – e o oposicionista FPÖ trocam acusações. O candidato a chanceler do ÖVP e atual ministro do Exterior, Sebastian Kurz, promete proteger melhor as fronteiras do país, combater o islamismo político e restringir a imigração. O FPÖ defende basicamente o mesmo e afirma que suas propostas foram roubadas pelo adversário. Por isso, a campanha eleitoral do candidato de ponta do FPÖ, Heinz-Christian Strache, concentra-se em ataques a Kurz, que só agora, muito anos depois do FPÖ, teria reconhecido a importância dos temas islamismo e migração.
Os dois partidos adotaram uma plataforma populista, observa o assistente social Mohammad Amini, ele próprio um migrante do Irã. O que mais o incomoda no atual debate é que o termo islamização é associado apenas aos refugiados e às pessoas que chegaram ao país nos últimos anos, comenta. "Os populistas precisam de um inimigo, e agora é o islã. 'Islamização' se refere apenas aos refugiados, mas a radicalização de fundo religioso é muito mais comum entre pessoas que vivem há muito tempo no país, que são discriminadas no mercado de trabalho ou quando procuram uma residência e que, apesar de todos os esforços, não conseguem alcançar nada", diz Amini.
Generalizações populistas
Na campanha eleitoral, o tema é tratado de forma superficial e populista. Na semana passada foi divulgado um estudo que afirma que uma de cada três mesquitas em Viena trabalha ativamente contra uma integração bem-sucedida. Detalhe: das 400 mesquitas que existem em Viena, apenas 16 foram analisadas. O levantamento fora encomendado por Kurz, o candidato do ÖVP. A comunidade islâmica IGGiÖ respondeu prontamente e de forma especialmente crítica à sondagem. "Acreditamos que esse estudo persegue objetivos políticos: a denúncia de instituições muçulmanas e o questionamento da credibilidade de seus ensinamentos. A ética científica não tem nada em comum com essa pesquisa."
Generalizações também incomodam a professora Vildana Arnautovic, originária da Bósnia e Herzegovina e que trabalha numa escola superior profissionalizante em Viena. Alguns anos atrás, ela fez parte da equipe de Kurz, tendo participado da campanha Juntos Áustria como embaixadora da integração. A iniciativa levava imigrantes bem-sucedidos e bem integrados a escolas vienenses, onde eles se apresentavam como um exemplo para crianças imigrantes. Mas Arnautovic abandonou o projeto. "Sebastian Kurz não tem legitimidade para representar esse projeto. Antes ele dizia: integração pelo desempenho profissional, o islã faz parte da Áustria, não se deve discriminar pessoas pela cor ou religião. Hoje ele tem um discurso bem diferente, afirma que os muçulmanos não querem se integrar, diz que refugiados são intrusos", lamenta Arnautovic. "Claro que há problemas e é preciso abordá-los, sem dúvida, mas não se pode dizer que todos os que vêm para a Áustria são selvagens e devem aprender como se vive civilizadamente."
Kurz lidera as pesquisas de intenção de voto com cerca de 30% e poderá fazer com que muitos antigos eleitores do FPÖ votem no ÖVP, possibilitando a seu partido continuar no poder. Todos em Viena concordam que temas como impostos, crescimento econômico e investimento em educação desempenham um papel secundário na campanha. O tom ridículo que a disputa assumiu pode ser ilustrado pelo comentário que Peter Filzmaier, um dos mais conhecidos analistas de política do país, fez sobre o desempenho do candidato do ÖVP num debate televisivo. "Kurz teve a sorte de que a política de transportes não foi tema. Senão ele provavelmente teria argumentado que os problemas no tráfego são causados pelas motoristas que usam burcas e estacionam em fila dupla diante dos jardins de infância muçulmanos."
Mas, para quem fugiu dos horrores da guerra, a situação não é nem um pouco engraçada, afirma Amini. "As pessoas percebem logo que não são de fato bem-vindas aqui, não é necessário reforçar isso", comenta. E Hakima, será que ela acha graça ou tem medo da atual situação? "Não tenho medo, mas me pergunto aonde isso vai nos levar e se não é melhor eu me mudar logo para que minha família possa ter uma vida sem discriminação."