#MeToo em Munique: o lado obscuro da Oktoberfest
5 de outubro de 2019Meu dia de trabalho na Oktoberfest começa com o mesmo ritual que o de tantas outras colegas da festa anual: me fazer bonita. Primeiro, esconder as olheiras cada dia maiores, depois aplicar todo um arsenal de maquiagem, retocar os lábios, vestir a blusa e a meia-calça, entrar no dirndl, o traje bávaro, amarrar o avental para a esquerda ou para a direita, ajeitar o decote, acertar o xale típico sobre os ombros, e, por fim, colocar o short de ciclista.
Um momento: para que o calção debaixo do dirndl? Para quem trabalha ao ar livre, ele é útil contra o frio, mas para as garçonetes nas tendas, pode servir de barreira protetora contra os bolinadores. O short de ciclista debaixo da saia é acolchoado nas partes sensíveis, e ao mesmo tempo é tão justo que fica invisível. Caso uma mão masculina se perca lá por baixo, a mensagem imediata a seu dono é: acesso proibido.
Assim equipadas, garçonetes e vendedoras de flores e pretzels vão trabalhar na Oktoberfest de Munique, dia após dia, ao longo de duas semanas – em 2019, até este domingo, 6 de outubro. Ainda antes do meio-dia, visitantes, servidores, cozinheiros e vendedores já percorrem a Theresienwiese. Tudo o que cozinhas e barris tenham a oferecer é consumido avidamente.
O clima se descontrai, e estranhos se transformam em amigos, turistas de todo o mundo se abraçam. Na confraternização movida a álcool, as distâncias interpessoais se reduzem, vai ficando mais apertado entre os frequentadores, e alguns dedos saem em missão de exploração. Não só furtos, mas também agressões sexuais são infelizmente rotina na festa bávara da cerveja, conhecida como "Wiesn" pelos locais.
Quer colaboradora, quer visitante, nenhuma mulher está a salvo de assédio: ainda na primeira metade desta 186ª edição, a delegacia municipal da capital da Baviera já registrava 25 delitos sexuais, entre os quais três estupros. Ao todo, cometeram-se em oito dias 465 atos criminosos, incluindo furto, vandalismo e outros.
O dado positivo é que, desde o recorde absoluto de 2017, com 67 agressões, os delitos sexuais vêm diminuindo, tendo sido registrado um total de 45 no ano seguinte, relata à DW a porta-voz da polícia muniquense Claudia Künzel. Independente dos números, porém, cada incidente que possa atingir uma turista ou empregada da Oktoberfest é um incidente que nunca deveria ter acontecido.
No passado, atentados à moral e bons costumes eram "tolerados" como "pecadilhos entre cavalheiros", ou simplesmente silenciados, muitas vezes por vergonha. Desde o debate #MeToo, contudo, a conversa é outra: as vítimas de agressões sexuais estão mais corajosas e seguras de si. Mulheres – e, em casos isolados, também homens – não aceitam mais passivamente a ofensa, mas sim denunciam os agressores à polícia.
Apalpar o traseiro da garçonete, afagar o rosto da vendedora de flores ou dar um beijinho na desconhecida à esquerda, no banco de cervejaria: há muito esses não são mais atos que fiquem sem consequências, pois neste meio-tempo a opinião pública avalia tais intimidades de forma totalmente diferente.
O resultado são antes questões complexas do que respostas simples: o que um homem pode se permitir? E uma mulher? Quão perto se pode chegar delas, em geral, e quais são seus limites? Diretores de empresas ainda podem dar flores a suas empregadas? Sinais supostamente inocentes de afeição estarão sendo cada vez mais interpretados de forma equivocada? Estarei infringindo um código de comportamento ao emitir sinais que o outro possa entender como "cantada" ou erótico?
Alguns frequentadores da Oktoberfest, de fato, estão mais sensíveis, e preferem pensar duas vezes antes de engatar no braço da vizinha para se balançar ao som da música. A maioria dos visitantes, porém, continua aproveitando a jovial atmosfera de cervejaria para paquerar impiedosamente.
Um grupo entre incorrigíveis até tem um apelido próprio: Kussjäger, "caçadores de beijos" que fazem questão de chegar ao fim do dia com o rosto coberto do batom das mais variadas beldades da Wiesn. Contra eles, as garçonetes da Oktoberfest desenvolveram uma arma simples: usar batom vermelho-escuro, o qual, consta, tem a propriedade de intimidar os homens.
É isso o que eu faço como vendedora de rosas – e até agora tenho me saído muito bem.