Mercados de Natal alemães enfrentam incerteza na pandemia
23 de novembro de 2021Na praça central de Munique, a Marienplatz, uma conhecida melodia de uma canção popular bávara pode ser ouvida. Os turistas pegam seus celulares em um dia de novembro de céu límpido para fotografar o famoso relógio Glockenspiel, que fica no prédio da prefeitura da capital da Baviera.
O brasileiro Matheus Couto, de 29 anos, é um dos que tentam registrar uma boa imagem. Ele é estudante de pós-graduação na cidade de Göttingen, que fica na região central da Alemanha. "Fiquei cinco horas no trem para chegar aqui. E adoraria ter visto o maravilhoso Christkindlmarkt de Munique", afirmou.
Infelizmente, Couto terá que voltar uma outra vez. Neste ano, o tradicional mercado de Natal foi cancelado por causa da pandemia de covid-19. Tudo o que resta para ele ver são peças de madeira do mercado, que agora aguardam para ser retiradas até tempos mais felizes. Algumas ainda estão decoradas com bolas de Natal vermelhas ou ramos de pinheiro solitários. Em anos normais, até 3 milhões de pessoas visitam o mercado para comprar presentes e aquecer as mãos com um delicioso vinho quente.
"Me pergunto por que eles não cercaram a área para as pessoas que podem provar que estão totalmente vacinadas", disse Couto. Mas isso não irá acontecer. Não em Munique. Nem em outras cidades da Baviera, incluindo Nuremberg, que também ostenta seu famoso Christkindlmarkt, que normalmente atrai visitantes de locais tão distantes como o Japão.
Trabalhadores de temporada temem por seu sustento
A Baviera e a vizinha Saxônia são os estados alemães mais afetados pela atual onda da pandemia. As taxas de infecção em algumas áreas dispararam, levando à imposição de lockdowns. "Concluímos que haveria muito contato entre as pessoas, não importa como você tentasse controlar", disse Markus Söder, governador da Baviera, após o anúncio de que os mercados seriam fechados. Söder afirmou que, com os clubes e bares também fechados, ainda mais pessoas se juntariam às multidões que se reúnem nos mercados de Natal: "Sentimos muito. Especialmente por aqueles que trabalham nas bancas".
Figuras de anjos, estrelas e pequenas árvores são normalmente as principais atrações oferecidas na banca de Christian Schöttl no Christkindlmarkt de Munique. Mas não desta vez. Ele diz à DW que tinha acabado de começar a montar o estande quando soube que era hora de desmontá-lo.
"Quando a ordem de cancelamento foi anunciada, estávamos todos juntos na praça do mercado, esperando e orando", disse. "E mesmo alguns dos homens que operam nossos veículos de transporte pesado tinham lágrimas nos olhos. Afinal, a maioria deles não tem a menor ideia de como vão sustentar suas famílias".
Schöttl vem de uma família com longa tradição de trabalhar nas bancas do mercado de Natal. "Minha avó costumava dizer: 'Sempre poupe algo'", afirmou. "E tenho que dizer, desta vez as coisas estão ficando muito apertadas. Muito apertadas, mesmo." Não há muita procura na internet para comprar decorações de Natal. "É uma sensação muito diferente quando você compra essas coisas em um mercado de Natal", disse, "onde as bancas estão brilhando e você pode sentir o cheiro do vinho quente". Quando o mercado de Natal do ano passado foi cancelado, Schöttl tentou a sorte na internet. Seu faturamento com as vendas foi de 1.100 euros (R$ 7 mil).
Agora, ele se pergunta como irá sobreviver. "Porque você também tem que considerar que não haverá Oktoberfest no ano que vem. E talvez haja outras novas variantes do coronavírus. Então, quando veremos o dinheiro entrando? Estamos realmente com medo."
Pesadelo logístico
Enquanto os mercados de Natal estão sendo cancelados em algumas partes da Alemanha, em outros lugares os eventos festivos foram mantidos, embora com restrições. Haverá controles sobre quem pode entrar nos mercados. O acesso em geral só será permitido sob a regra 2G (em alemão, geimpft ou genesen: vacinados ou recuperados), o que significa que todos os adultos devem apresentar comprovante de vacinação completa ou de ter se recuperado da covid.
A cidade de Aachen, por exemplo, fica próxima às fronteiras da Alemanha com a Holanda e a Bélgica, e também atrai visitantes do exterior. Aqui fica claro por que qualquer regra de entrada controlada é quase impossível de ser aplicada. Para começar, há nada menos do que 115 bancas de madeira espalhadas pelo grande centro histórico da cidade. São acessíveis por todos os lados e atraem até 1,5 milhões de visitantes em um ano normal.
A regra 2G está em vigor no mercado de Natal de Aachen, mas como ele não é realizado em um único lugar com portões de entrada e há exceções (especialmente para crianças e adolescentes), as autoridades só podem realizar verificações no local de forma aleatória. A polícia e outros funcionários de segurança podem vistoriar as áreas entre as bancas, mas o objetivo dos organizadores é manter o máximo possível do clima tradicional. Claro, ainda haverá o aroma doce do vinho quente, com canela e amêndoas torradas. E os visitantes poderão passear entre os estandes.
Na área dos restaurantes, onde as pessoas podem se sentar em mesas e comer juntas, os procedimentos serão muito mais rígidos. Aqui, os visitantes terão que apresentar sua identidade e comprovante de vacinação ou recuperação. "Eles receberão uma pulseira branca, que permitirá a entrada em todas as zonas de restaurantes do mercado", diz um dos seguranças. "Mas não estou autorizado a ajudá-los a colocá-la", acrescenta ele, antes de atender outro visitante. Os seguranças também não irão verificar se as pulseiras possam ter sido talvez repassadas a outros que talvez não estejam vacinados.
Regras incertas, futuros incertos
"Tenho que colocar minha máscara de novo agora?", pergunta uma mulher ao marido depois que cada um deles terminou de comer uma Bratwurst. Nenhum deles tem certeza, e as placas que esclarecem os regulamentos não estão facilmente visíveis.
As placas originais foram impressas em alemão, inglês, francês e holandês para garantir a clareza e o cumprimento das normas. Mas assim que foram afixadas já estavam desatualizadas, porque as autoridades de Aachen decidiram aliviar as restrições para os menores de 18 anos, o que significava que toda a sinalização tinha que ser atualizada e reimpressa.
Esse monte de regras irá funcionar? "A maioria das pessoas que trabalham nas bancas estão preocupadas que elas não ficarão abertas até a véspera do Natal", diz Rolf Gerrards, que comanda o Hütte 16, um grande e popular restaurante entre as bancas do mercado. "As taxas de infecção estão subindo e subindo", diz ele com um tom ansioso.
Em anos normais, o Hütte 16 pode atender cerca de 170 pessoas, e três vezes mais pessoas tentam comer no local, onde as principais atrações são o goulash de carne marinada e, é claro, o vinho quente. Nesta temporada, os clientes só podem entrar no restaurante depois de esperar em uma longa fila. Parece que muitas pessoas já estão tentando aproveitar a atmosfera natalina, porque ela pode não durar.
Pouca tolerância com os anti-vacina
De volta à praça Marienplatz em Munique, os sinos do famoso relógio Glockenspiel estão badalando. Na torre dos sinos, figuras de homens vestindo jaquetas vermelhas e bonés verdes podem ser vistas executando a Schäfflertanz, uma dança tradicional bávara. Diz a lenda que essa dança teve origem em tanoeiros locais, que usavam vestidos festivos e dançavam nas ruas para trazer a animação de volta à cidade depois de ela ter sido dizimada pela peste no século 16.
Enquanto isso, longe das bancas agora vazias, uma longa fila se forma. Dezenas de pessoas estão tentando entrar no centro de vacinação que fica no prédio da prefeitura. Erika Aigner, de 82 anos, disse que estava esperando há duas horas. "Recebi a segunda dose da vacina em março", afirmou. "Isso foi há oito meses. E está na hora de um reforço. Mas meu médico não pôde me oferecer um horário até o início de dezembro."
Levará mais uma hora até chegar a sua vez. Com as taxas de infecção subindo, ela disse que a decisão de cancelar o mercado de Natal não era uma surpresa. "Mas o que não entendo são todas essas pessoas que se recusam a se vacinar. Chega uma hora que basta."