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"Mercúrio contamina a natureza por tempo indeterminado"

16 de fevereiro de 2023

Especialista aponta que yanomami são duplamente vulneráveis à intoxicação pelo metal e que a única maneira de combater a contaminação do meio ambiente e dos indígenas é agir contra o garimpo ilegal.

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Aviões do Ibama sobrevoam área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em 11 de fevereiro
Aviões do Ibama sobrevoam área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em 11 de fevereiroFoto: Edmar Barros/AP Photo/picture alliance

A atual crise vivida pelos yanomami evidenciou os impactos do garimpo ilegal sobre o povo indígena. Estima-se que mais de 20 mil invasores tenham se acumulado no território yanomamii nos últimos anos, trazendo consigo violência, doenças e mortes.

Os garimpeiros utilizam mercúrio líquido para encontrar ouro no sedimento escavado dos rios da Amazônia. O depósito desse mercúrio no ambiente natural polui as áreas normalmente utilizadas pelos yanomami para caçar, pescar e colher, além de resultar na devastação de amplas regiões de floresta.

A DW ouviu Rodrigo Castro, doutor em ecologia e recursos naturais, sobre o impacto do derramamento de mercúrio no meio ambiente e em populações indígenas. Membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor da Fundação Solidaridad no Brasil, ele explica que o metal fica na natureza por tempo indeterminado.

"Para combater a contaminação, se não for 'direto na fonte' — os garimpos ilegais —, não se consegue tirar o mercúrio da cadeia alimentar", afirma.

O especialista aponta que o efeito do metal no corpo humano é "devastador". "O corpo não consegue lidar com o acúmulo nem expelir o mercúrio. Em casos extremos, tem levado à morte."

DW: Quão prejudicial é a poluição de mercúrio nos rios?

Rodrigo Castro: O mercúrio é altamente tóxico e afeta o metabolismo humano de forma severa. Ele ataca o sistema nervoso, afeta o sistema motor e todos os órgãos internos. Nos rins e pulmões, seu impacto é devastador.

No caso dos indígenas yanomami, ogarimpo clandestino fez com que a contaminação aumentasse nos últimos anos. O processo para encontrar ouro ocorre nas margens de rios, e o mercúrio usado na extração é despejado nelas. 

Até onde essa contaminação pode chegar?

Esses rios onde garimpeiros despejam mercúrio são afluentes de outros rios maiores, e em algum momento isso também pode chegar ao mar. Esse mercúrio vai para rios maiores, caudalosos, e deixa um rastro de poluição pelo caminho. O resultado é devastador, e o grau de contaminação, gravíssimo.

Rodrigo Castro está de camisa listrada olhando fixamente para camera com folhagens ao seu redor
Rodrigo Castro: "Tem que proibir e combater de imediato os garimpos ilegais, com toda a força disponível"Foto: Fellipe Abreu/Fundação Solidaridad

Por quanto tempo o mercúrio fica no leito do rio e em sua extensão?

Quando o mercúrio entra na cadeia alimentar do rio, ele fica ali por tempo indeterminado. Ele segue na natureza e vai se acumulando nos organismos dos animais. Por exemplo, peixes menores acabam consumindo o elemento químico, que se acumula em seus organismos. Sucessivamente, peixes maiores, também se contaminam. O mercúrio fica no ambiente até que esses animais estejam lá. Por isso, para combater a contaminação, se não for "direto na fonte" — os garimpos ilegais —, não se consegue tirar o mercúrio da cadeia alimentar.

Como o mercúrio entra e age no corpo humano?

A partir de ingestão de água ou peixe contaminado já há sintomas leves. A alimentação dos indígenas depende da pesca e da água dos rios. Por isso, essa população é duplamente vulnerável.

O corpo não consegue lidar com o acúmulo nem expelir o mercúrio. O metal causa tremores e, em casos extremos, tem levado à morte.

Quando o mercúrio entra no sangue das crianças, o efeito é avassalador, com a concentração do metal gerando um impacto muito maior do que em adultos. Elas são menores, estão em fase de desenvolvimento. Após a contaminação, seu crescimento ósseo e físico e seus órgãos ficam comprometidos, e elas não se desenvolvem normalmente.

Um estudo coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Socioambiental (ISA) realizado na reserva yanomami, em Roraima, confirmou o alto grau de contaminação. O levantamento, feito em 2016, mostrou que em algumas aldeias mais de 92% da população estava contaminada por mercúrio.

A atual crise yanomami evidencia como o povo foi tratado. O apoio de órgãos de saúde foi reduzido ou descontinuado, e o resultado foi o agravamento do envenenamento da população indígena.

Existem ações que podem ser adotadas de imediato para conter a contaminação?

Tem que proibir e combater de imediato os garimpos, com toda a força disponível. A omissão, o apoio e o incentivo à ilegalidade levou a esse quadro que vivemos hoje.

A grilagem de terra não foi combatida fortemente nos últimos quatro anos, e isso contribuiu para que os garimpos crescessem no território amazônico, numa situação descontrolada e desorganizada. Não só a grilagem e o garimpo, mas também o comércio ilegal de madeira cresceu. Esse conjunto de atividades ilegais tem afetado e muito o meio ambiente, e o impacto social ficou muito visível [com a crise yanomami].

É difícil reverter a calamidade causada. Só no caso da Terra Indígena Yanomami, são mais de 90 mil km² de área. É um território gigantesco, com 300 aldeias e 27 mil indígenas, por isso é essencial o acompanhamento remoto por satélite — que já está implantado. O governo federal tem as ferramentas necessárias para o monitoramento.

É um desafio permanente. Tem que acabar com a ocupação ilegal de todas as terras indígenas, principalmente quando ela ocorre devido à mineração.