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EducaçãoBrasil

Medo e ansiedade: como o jovem da rede pública vê o Enem

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
10 de novembro de 2022

Falta de incentivo, pressão para trabalhar em vez de estudar e desconexão entre conteúdos aprendidos em sala de aula e cobrados no exame estão entre os obstáculos enfrentados. Então por que a maioria resiste?

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Alunos diante de palco com os dizeres "mega revisão Enem"
"O Enem poderá significar o ingresso ou não no curso e na universidade dos sonhos, e este ingresso poderá significar a mudança de todo um ciclo na vida pessoal e profissional do estudante e de toda a sua família"Foto: Joacy Souza/PantherMedia/IMAGO

"Eu sinto muito medo, ainda mais por estar no último ano de escola. Não me sinto nada preparada, por falta de tempo e motivação para estudar. Sei muito bem que irei fracassar, por mais que eu não queira. Não consigo ter nenhuma expectativa."

Essa é a forma como Maria Eduarda, estudante da rede pública da Bahia, está se sentindo em relação ao Enem atual, que será aplicado nos próximos dois domingos, 13 e 20 de novembro.

Também falei com outros 53 jovens da rede pública de 14 estados brasileiros, e a maioria, assim como Maria, disseram que sentem muito medo e ansiedade em relação ao exame.

Quais são as possíveis causas para tamanho temor diante de uma prova? Bom, primeiramente acredito que é delicado caracterizar o Enem como sendo apenas uma prova, pois, querendo ou não, o exame se tornou o maior do país, e tenho uma teoria pessoal de que há, inclusive, uma tendência para que ele monopolize o ingresso ao ensino superior brasileiro.

Portanto, é sim uma prova, mas não apenas: o Enem poderá significar o ingresso ou não no curso e na universidade dos sonhos, e este ingresso poderá significar a mudança de todo um ciclo na vida pessoal e profissional do estudante e de toda a sua família.

"A meritocracia não é uma realidade para nós"

Voltando então à questão: o que pode causar tanto medo e ansiedade? Senti que os alunos responderam à pergunta quando fiz outra: "O que você gostaria que soubessem sobre os alunos da rede pública?"

Francisca, ainda está no segundo ano do ensino médio da rede cearense, mas sintetizou bem o que muitos outros disseram: "Nós estamos todos os dias atravessando milhares de obstáculos, seja com falta de estrutura, seja com cortes na educação ou até mesmo falta de incentivo familiar. A meritocracia não é uma realidade para nós."

Adriana, estudante do Maranhão, complementa: "Muitas vezes, existe uma desvalorização dos alunos da rede pública, e são colocados na margem em comparação com os alunos da rede privada. A sociedade deve se conscientizar de que nós somos altamente capazes de conquistar nossos sonhos e realizar ações que possam melhorar este mundo. O que nos falta, inúmeras vezes, são ferramentas para isso, meios e apoio. Nós merecemos melhorias no ensino e mais apoio das intuições públicas. Já que, quando se investe na educação, está se investindo em inúmeras questões essenciais ao homem, como saúde, união, respeito e ações que possibilitem melhorias em níveis universais."

A maioria acredita que há sim uma discrepância entre as redes pública e privada de ensino, e o maior símbolo disso é não verem muita conexão, ou às vezes nenhuma, entre os conteúdos que aprendem em sala de aula e os que serão cobrados no Enem. Nesse contexto, em algum nível e infelizmente, o colégio perde um pouco a credibilidade como uma instituição que poderá auxiliar com o tão temido e distante exame. A consequência é os jovens se sentirem sozinhos e ainda mais despreparados e desmotivados.

Estudar x trabalhar

"Existe uma pressão muito grande na nossa mente por parte de todos: escola, família e amigos", diz Joilda, estudante baiana.

A fala da Joilda traz um ponto muito importante: a pressão por estudar, por resultados e por ser bem-sucedido. Essa pressão sozinha já seria um problema, mas ela é somada a um outro extremo que me foi apontado recentemente por uma estudante: quando estão estudando e focando na preparação, os alunos acabam escutando, muitas vezes das mesmas pessoas que os incentivaram, que não estão fazendo nada e que deveriam estar trabalhando.

Marina, estudante de São Paulo, conhece bem essa situação: "Estudo todas as noites focada no Enem e às vezes à tarde para materiais escolares. Muitas vezes deixo de fazer coisas que faria em meu tempo livre, e minha família acha que deixo de fazer para 'não fazer nada'. É exaustivo ter que provar a alguém o seu esforço."

O mesmo acontece com a catarinense Larissa: "Alguns parentes já falaram que era mais vantagem eu trabalhar do que continuar estudando, principalmente porque estudo em período integral e fica mais difícil arranjar emprego por conta dos horários. Me senti péssima, pois isso desmotiva a gente e nos faz pensar que estamos desperdiçando nosso tempo."

Acredito que a fala das duas ilustra, pelo menos um pouco, o quanto de confusão na mente desses jovens essas pressões extremas, talvez até paradoxais, podem causar. É muito natural que os deixem ainda mais ansiosos e façam com que duvidem muito do caminho que estão seguindo.

Nem todos terão a possibilidade de passar anos tentando

Em meio a tantos gatilhos para medo e ansiedade, os adolescentes ainda precisam lidar com algumas romantizações.

"Sempre falam sobre as pessoas que vão bem no Enem, mas nunca ouvi falar das pessoas que não foram. Poderiam mostrar que até essas podem ter um futuro. Sempre vejo as pessoas postando seus resultados e falando como estudaram, mas elas nunca falam quantas vezes falharam", diz Vivian, aluna paulista.

Ela trouxe um ponto muito importante e que foi corroborado por muitos através do termo "realidade": é necessário que estudantes reais e com trajetórias comuns sejam mostrados, especialmente na mídia. Tudo bem pautar o jovem de periferia que estudava 20 horas por dia e passou em medicina em 25 universidades, mas a menos que mostre quantas vezes ele falhou, como aprendeu matemática básica ou mostre o caminho real que ele percorreu, tudo o que a matéria fará será desmotivar ainda mais os jovens que assistirem ou lerem.

Além disso, a fala "tente quantas vezes for necessário" desconsidera algumas realidades. É uma pena, mas nem todos terão a possibilidade de passar anos tentando. A cada tentativa falha, aumenta significativamente a pressão familiar e pessoal para trabalhar. Segurar as pontas e tentar novamente talvez nem sempre seja uma opção.

Esperança de um futuro melhor

Para um jovem da rede pública brasileira, o caminho rumo à universidade é repleto de mais desafios do que deveria ser, e a maioria disse que pensa ou já pensou em desistir, mas todos seguem resistindo. Por quê?

João, aluno paulista, é motivado por uma filosofia: "Porque até hoje eu tenho sonhos. Eu tenho uma filosofia própria: se eu tenho sonhos, tenho esperança. E se eu tenho esperança, tenho algo em que me agarrar.  É uma luta constante, com certeza, mas ninguém nunca disse que seria fácil entrar na vida e já sair ganhando, a questão é você encontrar forças para continuar  Eu também recebi motivação de amigos e professores, pelo menos, para tentar. Não preciso conseguir de primeira, mas pelo menos tentar."

Já para Fábio, outro estudante paulista, a motivação é: "Honrar a oportunidade que a vida está me oferecendo, pois muitos precisam dividir a responsabilidade dos estudos com outros compromissos, e outros sequer têm a oportunidade de estudar."

Os outros alunos que ouvi concordam com os dois e, como motivação para resistir, ainda apontam: a esperança de um futuro melhor e com mais possibilidades, o sonho de se tornar um profissional na carreira almejada e a vontade de orgulhar a família e pessoas que ajudaram.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.