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Marx, a crença capitalista e os fundamentalismos de hoje

5 de maio de 2018

No "Manifesto Comunista" de 1848, Karl Marx e Friedrich Engels predisseram com precisão a evolução global do capitalismo e suas consequências culturais. Para quem tenta combatê-lo hoje, as perspectivas são pessimistas.

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Marx na parede de um prédio em Halle, na Alemanha
Marx na parede de um prédio em Halle, na AlemanhaFoto: picture-alliance/ZB/H. Schmid

Não se pode precisar quando a figura do burguês pisou o palco da história mundial. Mas em algum momento lá estava ele, e partiu imediatamente para a ação: mal se livrara do "lixo medieval" – privilégios de nobreza e locais, monopólios corporativos, leis provinciais –, e já erigia em escala global uma totalmente nova ordem burguesa, que já na época não conhecia fronteiras.

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"A grande indústria estabeleceu o mercado mundial que o descobrimento da América preparara. O mercado mundial deu ao comércio, à navegação, às comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável. Este, por sua vez, reagiu sobre a extensão da indústria, e na mesma medida em que a indústria, o comércio, a navegação, os caminhos-de-ferro se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais, empurrou todas as classes transmitidas da Idade Média para segundo plano."

Assim Karl Marx e Friedrich Engels descreviam num de seus mais famosos escritos, o Manifesto do Partido Comunista, a dinâmica com que a nova classe, a burguesia, adentrou o palco da história mundial.

"A greve", de Robert Koehler, ilustra revolta proletária em 1886
"A greve", de Robert Koehler, ilustra revolta proletária em 1886Foto: picture-alliance/akg-images

Publicado no ano revolucionário de 1848, o Manifesto causa admiração até hoje pela perspicácia com que seus autores descrevem a globalização nascente. Uma globalização tecnológica, mas que desde o início é também cultural, colocando de ponta-cabeça as sociedades de todo o mundo.

No princípio dessa transformação está a revolução tecnológica. A propulsão a vapor fora inventada algumas décadas antes, e logo passaria a movimentar também locomotivas e navios. Agora trilhos atravessam as paisagens, os horários das grandes sociedades náuticas obrigam os relógios de todo o mundo a bater no mesmo ritmo. A partir de então, tempo é, acima de tudo, dinheiro.

Em 1869, com a abertura do Canal de Suez, inaugurava-se aquela que, até hoje, é uma das principais rotas comerciais e de trânsito. Mais algumas décadas adiante, em 1914, navios estarão cortando o duplo continente através do Canal do Panamá.

Os autores do Manifesto Comunista veem com toda nitidez as mudanças não apenas econômicas, mas também culturais e psicológicas que gera a nova forma de economia.

"A burguesia, lá onde chegou à dominação, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem misericórdia todos os variegados laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não deixou outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível 'pagamento em espécie'."

"Manifesto do Partido Comunista" foi publicado no ano revolucionário de 1848
"Manifesto do Partido Comunista" foi publicado no ano revolucionário de 1848

Esse "pagamento em espécie" significa, acima de tudo, que é possível calcular negócios e liquidações até o último centavo, o dinheiro permite e simultaneamente obriga a posicionar o próprio trabalho no mercado da forma mais eficiente possível. Poucas outras invenções modificaram a vida humana como o pagamento em dinheiro vivo.

"Ele afogou o frêmito sagrado da exaltação pia, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia pequeno-burguesa, na água gelada do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem escrúpulos, de comércio. Numa palavra, no lugar da exploração encoberta com ilusões políticas e religiosas, pôs a exploração seca, direta, despudorada, aberta."

Mundo sem transcendência

Foram-se as ilusões. E portanto tão mais dura aparece a careta do mercado sem quase nenhum controle pelo Estado social, da concorrência nua e fria. "Deus está morto", dirá 34 anos mais tarde o filósofo Friedrich Nietzsche em sua A gaia ciência; e sem Deus, foi-se toda forma de transcendência. A única força relevante, evidente, é o dinheiro. Tudo o mais, dá Marx a entender, são ilusões.

"Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que ditavam as ordens sociais e era estável se volatiliza, tudo o que era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações recíprocas."

Quem foi Karl Marx?

Como indicam Marx e Engels no decorrer do texto, por toda parte o sacro está dessacralizado, prostrado, não só nos centros ocidentais do capitalismo. Não há mais espaços livres do capital, e portanto nenhum lugar onde se possa sonhar tranquilamente, em que o ser humano possa cultivar a devoção de tempos passados. A vida pacata está banida em todo o mundo.

"A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços módicos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i. é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem."

Marx e Engels descrevem com precisão quase sobrenatural a transformação do mundo em mercado, um gigantesco empório de que está banido tudo o que seja romântico e elevado. Todos devem se submeter ao espírito do dinheiro, não importa onde vivam. Talvez sejam poupados por algum tempo, mas não se deve contar com um período de graça muito longo: são, no máximo, algumas décadas.

Quão atuais são as teorias de Karl Marx?

Pode ser que o romantismo esteja expulso do mundo, mas a nostalgia por ele permanece, até os nossos dias. Em todo lugar subsiste o sonho de uma existência inocente, uma vida em conformidade com o divino. Mas como não é mais possível torná-lo realidade, despontam iniciativas fundamentalistas que tentam, com todas as forças, resistir ao poder do mercado.

Islamismo no Oriente Médio, nacionalismo hindu na Índia, supremacistas brancos nos Estados Unidos ou grupos identitários na Europa: em praticamente todo o mundo brotam movimentos que se opõem à nova época, tentam detê-la. No entanto os programas que oferecem os antimodernistas de todo o mundo, com seu romantismo cru, misantrópico, permanecem o que eram desde o início: uma tentativa de escapar da nova realidade.

Era previsível que essa tentativa de fuga estava fadada a fracassar. As pessoas não têm como escapar ao capitalismo. Mais ainda: elas próprias se tornam em capitalistas. A pressão econômica impõe racionalidade, e assim os "bárbaros"(como os denominam Marx e Engels, de forma pouco simpática) se transformam em membros da burguesia – ainda que membros forçados.

O capitalismo conquistou as almas. O que sobra, a crer nos dois pensadores alemães por trás do Manifesto do Partido Comunista, são erupções violentas, provocadas por gente que se crê capaz de eliminar com bombas o até então imutável poder do mercado. Mas as bombas explodem em vão: armas não são o meio mais eficaz para combater ideias.

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Kersten Knipp
Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.