Mark Zuckerberg acuado após escândalo de dados
12 de abril de 2018"Facebook é uma companhia idealista e otimista", afirmou Mark Zuckerberg aos senadores americanos reunidos para questioná-lo, durante seu depoimento ao Congresso dos Estados Unidos, iniciado nesta terça-feira (11/04).
Os legisladores estavam céticos, e parece que não eram os únicos, com apelos de #DeleteFacebook alardeados por celebridades da tecnologia como Elon Musk, paralelamente aos pedidos de alguns investidores para que Zuckerberg renunciasse como diretor executivo.
Em seus depoimentos na terça e quarta-feira, o fundador da Facebook respondeu às acusações de que a empresa teria desempenhado um papel significativo na interferência estrangeira nas eleições presidenciais americanas de 2016. A reputação da maior plataforma de mídia social está em risco, num momento em que ela tenta defender sua posição num escândalo de violação de privacidade de dados que afetou milhões de usuários.
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Há muito em jogo para ex-nerd que deu partida ao Facebook aos 19 anos de idade, em seu quarto de dormitório da Universidade de Harvard. Hoje, aos 33 anos, ele é um dos homens mais ricos do mundo. Em 2017, o valor de mercado de sua empresa superava os 500 bilhões de dólares.
No entanto, depois que veio à tona o escândalo de violação de dados, suas ações caíram 18%, reduzindo em 80 bilhões de dólares o valor da companhia, e a fortuna pessoal de Zuckerberg em 14 bilhões de dólares.
Escândalo da Cambridge Analytica
Ainda não há cifras precisas sobre quantos foram afetados pelo vazamento de dados em questão: há estimativas de que sejam 87 milhões de pessoas. O Facebook foi a primeira rede social a alcançar a marca de 1 bilhão de usuários e permanece líder do setor, com 2,2 bilhões de acessos por mês.
Segundo sondagens do Pew Research Center, 62% dos americanos têm a mídia social como sua fonte de notícias. Assim, o Facebook é um tesouro de dados sobre o que as pessoas gostam ou não, clicam, ignoram, ou talvez até como podem ser persuadidas a votar numa direção ou noutra.
Em 2014, a Facebook forneceu acesso à empresa britânica Cambridge Analytica, sem supervisionar o processo de coleta de dados, nem saber como eles seriam utilizados ou para que fim. Na realidade, a consultoria manipulou os dados para avançar a agenda política de seus clientes.
A história veio à tona recentemente, quando um dos antigos fundadores, Christopher Wylie, divulgou documentos provando que a Cambridge Analytica coletara dados do Facebook de forma indevida, empregando-os para, em 2016, manipular eleitores antes da eleição presidencial dos EUA e do referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.
Segundo Wylie, ao tomar ciência da violação, a empresa de Zuckerberg não alertou nem as autoridades, nem os usuários atingidos. Durante a audiência em Washington, os senadores foram implacáveis: "O senhor não acha que tem a obrigação ética de notificar 87 milhões de usuários?", perguntou o democrata Bill Nelson.
O republicano John Thune abriu a sessão da terça-feira com uma nota de advertência: "O incrível alcance do Facebook é a razão por que estamos aqui hoje. A história que o senhor criou é o sonho americano. Ao mesmo tempo, tem a obrigação de assegurar que o sonho não se transforme num pesadelo de privacidade. A América está escutando, e muito possivelmente o mundo está escutando."
Não é a primeira vez
Quando questionado por que nenhuma ação ulterior foi adotada em 2015, quando tomou conhecimento do uso dos dados pela Cambridge Analytica, a resposta de Zuckerberg foi: "Nós consideramos esse caso encerrado."
No entanto, esta não é a primeira vez que ele se vê sob pressão devido a questões de privacidade. Em 2014, teve que se desculpar publicamente, depois de a companhia admitir que manipulara os feeds de mais de meio milhão de usuários a fim de determinar como diferentes postagens afetavam seus níveis de alegria ou tristeza.
Cada vez que um usuário entra no Facebook, ele pode se deparar com mais de 1.500 conteúdos, entre postagens, fotos e notícias. Na prática, um algoritmo decide quais 300 itens serão efetivamente apresentados no feed. E, segundo os céticos, com um algoritmo favorecendo conteúdos que provocam emoções, o convite latente a explorar ou manipular as preferências dos usuários não tem sido bem examinado ou protegido.
Em 2017, a Alemanha aprovou uma nova legislação de proteção de dados segundo a qual é ilegal a Facebook ter vendido dados à Cambridge Analytica, uma vez que os usuários não dispunham de informação suficiente para consentir.
O Departamento Federal Anticartéis da Alemanha (BKartA) acusou a Facebook de violar as leis de privacidade para sustentar um monopólio desleal. Outras acusações foram apresentadas à União Europeia, e a Facebook alega estar trabalhando para adequar sua plataforma ao novo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) da UE.
Um mal chamado Facebook
No mês passado, a Facebook estava em negociações com dez hospitais sobre um projeto de pesquisa em que as instituições partilhariam dados dos pacientes, incluindo suas prescrições de medicamentos e níveis de renda.
A finalidade seria combiná-los com seus próprios dados de usuários, a fim de explorar algoritmos visando cobrir as necessidades de tratamento avançado dos pacientes. Recentemente, a Facebook admitiu ter recuado nesse projeto, alegando necessidade de primeiro estabelecer melhores práticas de privacidade.
Ironicamente, num estudo publicado em 2014, pesquisadores da Universidade de Princeton previram que até 2017 o Facebook perderia mais de 80% de seus usuários. Comparando a futura ascensão e queda da rede social a uma doença infecciosa, os especialistas afirmavam que sua difusão ocorreria basicamente pelo contato entre usuários – do mesmo modo como uma enfermidade se alastra. Em algum momento, o interesse se perderia, os usuários adquiririam "imunidade" e seguiriam adiante.
Embora se esteja em 2018, e o Facebook definitivamente não tenha perdido 80% de seus usuários, não há como negar que começou uma reviravolta, evidenciando-se a necessidade de governança e segurança intensificada.
Enquanto Zuckerberg era interrogado no Congresso dos EUA, as ações de sua companhia subiram 3,6%. Um indício de que os investidores ainda não estão fartos da "doença Facebook".
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