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"Mais civis armados significa mais encontros violentos"

Jean-Philip Struck20 de outubro de 2015

Para Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, mudanças podem potencializar crimes de impulso cometidos por cidadãos comuns. Segundo ele, estatuto de 2003 precisa apenas passar por aperfeiçoamentos.

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Bruno Langeani
Foto: Instituto Sou da Paz

O Estatuto do Desarmamento foi responsável por diminuir o ritmo de crescimento da taxa de homicídios no Brasil nos últimos anos e consiste em umas das ferramentas mais efetivas de segurança pública no Brasil. Essa é a opinião de Bruno Langeani, coordenador da área de sistemas de justiça e segurança pública do Instituto Sou da Paz, organização não governamental que tem como foco o controle de armas.

De acordo com Langeani, o projeto de lei 3.722/12 , que era para ser votado por uma comissão especial da Câmara nesta terça-feira (20/10), mas sofreu novo adiamento, tem o potencial de reverter as conquistas do estatuto e aumentar ainda mais o número de crimes no Brasil. Leia a seguir a entrevista concedida por Langeani à DW.

DW Brasil: Qual é a sua avaliação do Estatuto do Desarmamento?

Bruno Langeani: O Estatuto tem vários méritos. Há um consenso de que ele ajudou a salvar vidas, como mostram vários estudos. Ele foi uma das principais melhorias na área de segurança pública que surgiu nos últimos dez anos. Com o estatuto, passamos a contar pela primeira vez com registros unificados e o controle de toda a cadeia e ciclo de vida das armas, desde a sua fabricação até a posse. Ele é uma ferramenta efetiva de segurança. O estatuto também ajudou a tirar armas de circulação das mãos de criminosos. Nos últimos anos, houve uma redução superior a 50% no número de armas apreendidas nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Isso não sugere que a polícia está diminuindo o trabalho nessa área, mas que os criminosos têm menos armas à disposição. Como comparação, entre 2011 e 2012, um quarto das armas apreendidas pela polícia em SP era constituída de armas de brinquedo e de pressão.

O que pode ser melhorado na versão atual do Estatuto?

Existem vários pontos que podem ser aperfeiçoados, como o aumento da fiscalização. Os principais, no entanto, são o aumento das penas para quem for pego com a posse ilegal de armas longas de uso restrito, como fuzis. Outro ponto é a expansão da marcação de munições, que ajudaria na investigação de crimes. Hoje, essas marcações, que são colocadas no estojo das munições, só são aplicada em lotes adquiridos por algumas forças de segurança pública. O ideal seria colocá-las em todas as munições vendidas para civis. Assim, seria possível identificar com mais facilidade quem adquiriu a munição usada num crime.

Quais riscos o projeto que pretende flexibilizar o acesso a armas de fogo pode trazer?

O projeto tem vários pontos graves. O principal deles é facilitar o porte para civis. Hoje ele só é permitido em casos bem específicos. Com o projeto, aumentaria muito o número de civis andando armados. Isso resultaria em mais encontros violentos e crimes de impulso. A presença de armas pode tornar mais letais brigas do cotidiano, como discussões de trânsito. Também aumentaria a vitimização de pessoas que reagem assaltos, por exemplo. Por fim, pode-se esperar que mais armas vão acabar na mão do crime organizado. Muitas armas do mercado legal acabam sendo desviadas.

Alguns defensores da flexibilização argumentam que o atual estatuto está em conflito com o resultado do referendo de 2005, e que a população deseja mais acesso a armas de fogo.

Essa é uma grande mentira. O referendo só tratou de um artigo, que estabelecia o fim do comércio de armas e munições para civis. Esse mercado nunca acabou e o número de pessoas que escolhe comprar uma arma só vem aumentando. A população manifestou o desejo de continuar a ter o direito de comprar armas, mas isso não quer dizer que ela deseja se armar. Uma pesquisa de 2014 do Datafolha mostrou que 62% da população é favorável à proibição da posse de armas. A mudança do estatuto não tem apoio popular, tem apoio sim é da indústria de armas.

Eles também argumentam que a rigidez do estatuto empurra os cidadãos que querem comprar uma arma para a ilegalidade.

Esses argumentos são muito abstratos. As exigências atuais para a compra e o porte de arma são bem razoáveis e não se pode abrir mão disso. Os critérios não são arbitrários, e todo passou pelo crivo de estudos e especialistas. Veja, por exemplo, a idade mínima. O estatuto não estabeleceu o mínimo de 25 anos por acaso, mas levou em conta que os jovens até essa idade são as maiores vítimas da violência urbana. Quando você modifica esses critérios, você coloca em xeque todo o estatuto.

Os defensores da flexibilização também afirmam que, mesmo com o Estatuto, o número de homicídios só cresceu nos últimos anos.

Em 2004, o estatuto foi responsável pela primeira redução no número de homicídios em vários anos. Antes disso, a curva só subia. É verdade que os homicídios voltaram a crescer logo depois, mas a taxa foi bem mais baixa do que a verificada nos anos anteriores ao estatuto. Reduzir o ritmo de crescimento já é algo a se comemorar – e sempre levando em conta que o estatuto não deve ser a única política de segurança pública.