Macron troca linha da UE por via própria na guerra em Gaza
6 de dezembro de 2023O objetivo declarado do presidente francês, Emmanuel Macron, é acertar uma nova trégua entre a organização terrorista Hamas e Israel, de olho num cessar-fogo duradouro. O chefe de Estado francês disse, durante sua breve visita à cúpula do clima em Dubai, no Catar, que iria se empenhar para que os esforços em prol de um cessar-fogo duradouro fossem intensificados.
Macron também colocou em dúvida os objetivos de Israel com sua operação militar. "O que significa a destruição total do Hamas", perseguida pelo premiê Benjamin Netanyahu, "e alguém acredita que isso é possível?", questionou. Se for esse o objetivo, "a guerra vai durar dez anos", disse o presidente.
A resposta, ainda que indireta, veio de imediato. Netanyahu disse que a continuidade de ofensiva terrestre em Gaza é o único caminho para derrotar totalmente o Hamas. "Vamos continuar perseguindo todos os nossos objetivos de guerra", sublinhou.
Macron apelou ao governo de Israel para que precise suas intenções e seu objetivo final. No fim de semana passado, um assessor de segurança do premiê israelense falou, de forma vaga, em "zonas de segurança" que seriam criadas no território da Faixa de Gaza, ao largo da fronteira com Israel.
Isso impediria que terroristas pudessem novamente invadir o território israelense. Uma ocupação completa da Faixa de Gaza e a administração do território palestino por Israel não estariam previstas. Não está claro quem ficaria com essa tarefa após a guerra.
A liderança do Hamas afirmou que a guerra vai continuar até que um cessar-fogo seja alcançado. Até lá, a libertação de reféns está descartada.
Fora da linha comum europeia
As declarações do presidente francês o afastam da posição comum da União Europeia(UE), definida na última cúpula do bloco, em outubro. Nela, os países-membros defenderam uma trégua curta para a libertação de reféns e o abastecimento da população na Faixa de Gaza. Não se falou em cessar-fogo duradouro.
Recentemente, os premiês da Espanha e da Bélgica também se afastaram do tom comum e criticaram Israel ao afirmar que "a matança indiscriminada de civis" no território palestino é "completamente inaceitável". A posição comum da UE voltará a ser debatida na próxima cúpula, na semana que vem.
O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, discorda frontalmente de Macron. Semanas atrás o líder alemão declarou, em Heilbronn: "Digo claramente que não considero correta a exigência que alguns fazem de um cessar-fogo imediato ou uma trégua longa – que são basicamente a mesma coisa."
De olho também nas posições da França, Scholz acrescentou que um cessar-fogo faria com que Israel desse tempo ao Hamas para se recuperar e obter novos mísseis. "Para que possam então voltar a disparar. Isso não pode ser visto como aceitável."
Posição equidistante
Macron parece buscar manter uma equidistância entre Israel e os palestinos. Ele não é o primeiro líder francês a fazê-lo. Já em 1967 o presidente Charles de Gaulle havia tentado posicionar a França no meio após a Guerra dos Seis Dias, na qual Israel derrotou o Egito, a Jordânia e a Síria e obteve controle sobre a Cisjordânia, Jerusalém Oriental, a Faixa de Gaza, as Colinas de Golã e o Sinai.
Logo após o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, Macron manifestou solidariedade incondicional para com Israel. A França, afinal, também foi várias vezes vítima de ataques terroristas nos últimos anos.
O massacre, pelos terroristas do Hamas, de inocentes que participavam de uma rave em Israel lembrou a muitos franceses do ataque terrorista na sala de espetáculos Bataclan, em Paris, em 2015.
Após o ataque do Hamas, Macron viajou para Israel – ainda que ele tenha sido o último representante de uma grande democracia europeia a fazê-lo – e lá falou de uma coligação internacional contra o terrorismo.
Quando os bombardeios militares israelenses à Faixa de Gaza começaram, e as notícias das mortes de palestinos se multiplicavam, Macron alterou sua posição. Numa entrevista à emissora britânica BBC, em 10 de novembro, ele adotou um tom agressivo incomum e acusou Israel de bombardear civis.
"Esses bebês, essas mulheres, esses idosos são bombardeados e assassinados. Para isso, não há motivo nem legitimidade", disse Macron. Foi a primeira declaração desse tipo vinda de um líder de uma das principais nações do Ocidente.
O governo de Israel reagiu com indignação. Macron se viu obrigado a se explicar e disse ter sido mal compreendido. Numa ligação com o presidente de Israel, Isaac Herzog, o francês declarou que não havia acusado Israel de atacar intencionalmente civis em Gaza.
Reflexos dentro da França
Num discurso televisivo, Macron disse querer evitar que o conflito no Oriente Médio se espalhe pela sociedade francesa. Há uma comunidade judaica muito grande e uma comunidade muçulmana ainda maior vivendo no país. A tentativa de assassinato de motivação islamista contra pedestres em Paris, no sábado, foi o segundo atentado desde o início da guerra entre o Hamas e Israel. O perigo que Macron invoca é, portanto, real.
O que por vezes funciona na política europeia ou na política interna não necessariamente funciona na política externa, comentou a analista Agnès Levallois, vice-presidente do Instituto de Pesquisas sobre o Mediterrâneo e o Oriente Médio, à emissora Franceinfo. "Tudo depende da mensagem que o presidente francês quer enviar, mas penso que há confusão na mensagem que ele está enviando." Para ela, a posição dele não está clara.
Mas também dentro da França há quem veja com olhos críticos as posições de Macron. O jornal conservador Le Figaro comparou as ações da política externa dele a um turbilhão: vai de um lado para o outro, sem controle, muda rapidamente, é instável e, portanto, confuso. Analistas já disseram que a receita política de Macron é falar muito, dizer algo inesperado e fazer sugestões inusitadas.
Macron não está sozinho
Internacionalmente, Macron não está sozinho em seus apelos pela proteção da população da Faixa de Gaza. Ele recebeu o apoio dos Estados Unidos no seu mais recente apelo por um cessar-fogo e pela proteção da população civil.
Também em Dubai, a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, disse que muitos palestinos inocentes foram mortos. Ela destacou que Israel tem o direito de se defender, mas instou as autoridades israelenses a fazerem mais para proteger civis. "Francamente, a magnitude do sofrimento dos civis e as imagens e vídeos que chegam de Gaza são devastadores", disse Harris.
O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, alertou num evento na Califórnia que Israel tem a obrigação moral de proteger a população civil. Segundo ele, a sua experiência na guerra contra o Estado Islâmico no Iraque lhe mostrou que a população deve ser protegida mesmo em guerras urbanas.
"A lição é que só se pode ganhar uma guerra urbana se os civis forem protegidos. Nesse tipo de combate, o centro de gravidade é a população civil. E se a empurrarmos para os braços do inimigo, substituímos uma vitória tática por uma derrota estratégica", afirmou, acrescentando que, "assim como o Hamas, o Estados Islâmico está profundamente enraizado nas zonas urbanas".
Também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu declarações em defesa da população civil em Gaza. Ele disse que os "atos bárbaros do Hamas não justificam o uso indiscriminado e desproporcional da força contra civis" por Israel e afirmou que a Faixa de Gaza enfrenta uma "catástrofe humanitária".
O chefe de Estado brasileiro considerou a atual guerra entre o Hamas e Israel "o resultado de décadas de frustração e injustiça" e acrescentou que a única solução é "o reconhecimento de um Estado palestino viável, vivendo lado a lado com Israel, com fronteiras seguras e mutuamente reconhecidas".