"Macron tem que encarar o povo francês"
10 de dezembro de 2018Ghislain Coutard é um dos poucos rostos conhecidos do chamado movimento dos "coletes amarelos", que, desde meados de outubro, sai às ruas da França em protesto contra o aumento nos preços dos combustíveis e outras políticas do presidente francês, Emmanuel Macron.
Em 24 de outubro, Coutard reagiu a uma convocação popular por postagens de protesto no Facebook e publicou um curto vídeo próprio. Neste vídeo, Coutard sugeriu que todos que planejavam participar da primeira manifestação em 17 de novembro usassem o colete amarelo de segurança como símbolo de solidariedade.
O vídeo recebeu mais de cinco milhões de visualizações, e a ideia espontânea de Coutard decolou na França. No último fim de semana, os "coletes amarelos" realizaram nova rodada de protestos pelo país, com mais de 1,7 mil manifestantes detidos. Uma primeira reivindicação foi alcançada: o presidente da França, Emmanuel Macron, cancelou um imposto previsto para 2019.
"Estamos começando a ver resultados. Mas não é o suficiente. Deveríamos ter acordado anos atrás e agora temos que compensar os anos que perdemos", diz Coutard em entrevista à DW. "O presidente tem que sair para a rua e enfrentar o povo francês."
Deutsche Welle: Como surgiu a ideia de usar o colete amarelo como símbolo?
Ghislain Coutard: Foi muito simples. Eu estava produzindo meu vídeo e vi o colete que uso o tempo todo para o trabalho. Eu pensei: 'É altamente visível e todos nós temos um em nossos carros porque é exigido por lei'. Então por que não usá-lo como uma espécie de código colorido? Só para ver se as pessoas querem sair e protestar. E bingo! Foi exatamente isso o que aconteceu.
Você disse ter se inspirado em Eric Drouet, um motorista de caminhão que pediu protestos em 17 de novembro.
Exatamente. Eu conversei com ele recentemente e ele disse que o colete amarelo foi o toque final que faltava. Então Eric Drouet lançou a convocação e eu inventei o símbolo. O movimento decolou.
O seu vídeo foi feito no final de outubro e agora é um dos grandes temas na França. Você está surpreso com o desenvolvimento das últimas semanas?
Sim, é uma loucura para mim. Eu dirijo pela França pelo meu trabalho, então paro em todos os lugares que vejo os "coletes amarelos". Eu me apresento e na maioria das vezes eles me reconhecem. É incrível. Eu tive uma boa ideia, pode-se dizer, mas não achava que isso cativaria tantas pessoas.
Você ficou chocado com a violência em Paris?
Fiquei chocado, mas a mídia só mostrou imagens dos "coletes amarelos" atacando as autoridades. Mas foi possível ver que as autoridades só precisam de uma pequena desculpa para lançar todos os seus cilindros de gás lacrimogêneo. Isso não está certo. Para mim, as táticas da polícia foram um fracasso total.
Está satisfeito com a direção em que o movimento está indo?
Sim, completamente. Estamos começando a ver resultados. O presidente já cancelou o imposto previsto para 2019.
Então por que ainda está organizando protestos se o objetivo já foi atingido?
Não é o suficiente. Ainda temos que lutar contra os impostos atuais, os que estão em vigor há anos. Deveríamos ter acordado anos atrás, e agora temos que compensar os anos que perdemos.
O que tem que ocorrer para os "coletes amarelos" ficarem satisfeitos?
Penso que o presidente tem que sair de sua casinha e encarar o povo francês. Não com comunicados à imprensa, mas na realidade, na rua. Mas isso nunca vai acontecer, não acredito. Ele é muito distante. Ele é orgulhoso de não dar nenhum passo para trás. O problema é que ele é teimoso e nós somos teimosos também. Em algum momento, alguém vai ter que ceder, e nós estamos contando que ele dê este passo.
O movimento resistiu em tomar partido politicamente ou ser politicamente influenciado. Há atrito entre os ativistas dos "coletes amarelos" que têm opiniões políticas diferentes?
Sim, somos muito bons em nos entender mal. Para ser honesto, podemos ser facilmente divididos. Por exemplo, em Narbonne, a cidade onde moro, existem três zonas de atividade e não somos capazes de juntar as três para fazer uma grande.
Todo mundo quer gerenciar sua própria zona, para fazer do seu jeito. É uma das falhas dos franceses: não somos capazes de concordar muito facilmente. Esse é o principal problema dos "coletes amarelos": chegar a um acordo e seguir na mesma direção. Mas acho que daqui a algumas semanas chegaremos lá.
Quais são as suas políticas?
Não sou nem um pouco politizado. Gostaria de ter o direito de votar nas leis importantes que são aprovadas. Não temos o direito de decidir sobre essas coisas, apenas o direito de escolher um presidente a cada cinco anos.
Por que você se envolveu pessoalmente na causa do combate aos impostos da gasolina?
O preço da gasolina se tornou incrível comparado aos anos anteriores. Eu consigo viver com meu salário. Mas tenho muitos amigos cujos salários são um pouco menores e eles mal sobrevivem. O menor problema com o carro se torna uma catástrofe. Você tem que se endividar e então tudo se torna uma bola de neve.
Você é contra a tentativa de Macron de melhorar o meio ambiente?
Não, na verdade todos nós gostaríamos de dirigir com energia limpa, mas o plano do governo não se sustenta. Não é assim que vamos conseguir algo. Não podemos nem pagar nossos veículos agora, portanto é impossível comprar carros elétricos ou híbridos.
Qual é o futuro do movimento?
Acho que vai ficar agitado. É inevitável. Em minha opinião, a raiva está muito intensa. Macron reagiu tarde demais. A maioria das pessoas que encontro na rua quer que ele renuncie.
E é bom ver que pessoas na Bélgica, Itália e Alemanha também adotaram o colete amarelo como símbolo. Espero que se torne um movimento internacional. Quando estamos com raiva, colocamos o colete amarelo para mostrá-la.
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