Da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em Buenos Aires não saiu nada muito concreto. Apenas a generosidade de Lula para com o colega argentino Alberto Fernández: o Brasil pretende financiar, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a segunda etapa da construção de um gasoduto que deverá ligar a jazida de gás de xisto de Vaca Muerta à capital Buenos Aires.
A concessão do crédito foi defendida por Lula com as seguintes palavras: "De vez em quando, nos criticam por pura ignorância. Pessoas que acham que não pode haver financiamento de engenharia em outros países. Eu acho que não só pode, como é necessário que o Brasil ajude a todos os parceiros."
É de se perguntar se Lula realmente acredita nisso ou se quer apenas dar alguma esperança ao colega em aflição em meio a uma grave crise política e econômica.
O projeto, afinal, não faz sentido para o Brasil de ângulo algum. O gasoduto atravessa várias províncias antes de finalmente terminar na capital. Como esse gás chegaria de lá até o Brasil? Isso exigiria uma conexão com a rede de distribuição de gás boliviana ou um terminal de gás liquefeito. Tudo isso é caro — e não traz energia para o Brasil.
Risco alto
Além disso, o risco do crédito é alto, mesmo que empresas brasileiras se encarreguem da construção. Na Argentina, existem diferentes impostos, dependendo da província pela qual o gasoduto passa. Para completar, a Argentina tem controles de capital, duas dúzias de diferentes taxas de câmbio nacionais e fundos de reservas internacionais cronicamente vazios. A Argentina também é conhecida por não pagar suas dívidas. É por isso, aliás, que o país tem dificuldade em obter créditos do exterior. Só ao FMI, a Argentina deve 40 bilhões de dólares.
São pequenas, portanto, as chances de que o gasoduto seja construído e o BNDES receba seu dinheiro de volta.
O risco do financiamento será assumido pelo BNDES – ou, em última instância, o contribuinte brasileiro. Como a maioria dos impostos no Brasil incide sobre o consumo, pode-se dizer que os pobres do Brasil pagariam por um gasoduto no país vizinho, do qual o Brasil provavelmente não tiraria muito benefício.
Em Buenos Aires, Lula também prometeu financiar com crédito exportações brasileiras para a Argentina. Mais uma vez, o problema é o mesmo: por que os contribuintes brasileiros deveriam subsidiar as exportações de suas próprias empresas quando ninguém mais está disposto a correr esse risco?
Fracassos passados
Nos governos anteriores de Lula, o Brasil financiou por meio do BNDES massivos projetos de construtoras brasileiras, mas quatro países jamais devolveram os empréstimos: Venezuela, Angola, Cuba e Moçambique. Com essas naçōes muito mal avaliadas no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, não é de se admirar que muitos desses empréstimos e projetos de construção tenham aparecido nas investigações da Lava Jato.
No Brasil, as promessas de empréstimos externos de Lula à Argentina causaram inquietação. "Já pagamos um preço muito alto, se vamos fazer, que seja feito de outra forma", disse ao jornal Valor Econômico a ex-presidente do BNDES Maria Silvia Bastos Marques.
A executiva, que liderou a instituição entre 2016 e 2017, ressaltou que o novo governo quer dar máxima prioridade no orçamento ao combate à pobreza, mas o orçamento é finito. "Quais são as nossas prioridades? Emprestar para países vizinhos ou elevar a renda média nacional?", questionou.
Otaviano Canuto, que foi secretário de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda no primeiro governo Lula, também expressou ceticismo. "A grande projeção internacional de Lula em seu primeiro governo se relacionou […] com os resultados de redução da pobreza na época e o financiamento generoso à exportação de serviços de construção. Tem o desejo [do governo] de promover, assim como China faz, o financiamento de infraestrutura na África e América do Sul. Nós temos que ter consciência de que isso não ocorre sem custos. E os custos têm que entrar na conta, tem que ter clareza disso," disse Canuto ao Valor Econômico.
"Do ponto de vista de importância na agenda, está claro que esse não é o melhor veículo para aumentar a competitividade de exportações brasileiras ou da indústria nacional", afirmou o o economista, que foi vice-presidente do Banco Mundial, sobre os financiamentos.
Só nos resta esperar que Lula se abstenha de suas absurdas aventuras no exterior. O risco de um novo fracasso é enorme.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.