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Locomotiva sem força

rw (ns)21 de janeiro de 2004

O Fórum Econômico Mundial em Davos se dá em clima de reativação da conjuntura. Mas Europa e Alemanha não crescerão tanto quanto os EUA. Saiba por que e o que o desemprego e a renda mínima têm a ver com isso.

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Crescimento econômico - tema em DavosFoto: AP

O Fórum Econômico Mundial de Davos 2004 acontece sob condições bem melhores que no ano passado, com as atenções agora voltadas para a reconstrução e não a guerra do Iraque, e com perspectivas econômicas mais positivas. Os Estados Unidos serão novamente a locomotiva da conjuntura, que puxará os vagões da Europa e outras regiões do mundo. Na União Européia, e especialmente na Alemanha, porém, dificilmente o crescimento terá um impulso tão dinâmico como nos EUA.

Prognoses e riscos

Nos Estados Unidos, a taxa de crescimento em 2004 ficará entre 3,9% e 4,2% segundo previsão da OCDE (Organização de Segurança e Desenvolvimento Econômico) e muitas outras instituições, o FMI (Fundo Monetário Internacional) entre elas. A China continuará pujante, com crescimento entre 7% e 8%. Até mesmo o Japão, após uma década de crise, alcançará entre 1,4% e 1,8%, a mesma margem prevista para a União Européia. No concerto dos 15 países, que passarão a ser 25 a partir de 1º de maio, a Alemanha, que sempre foi a locomotiva da Europa Ocidental juntamente com a França, deve registrar a taxa mais baixa, em torno de 1,4%.

Dois riscos podem afetar tais prognósticos, como reconhecem economistas e analistas em todo o mundo. O primeiro é o câmbio, a fraqueza do dólar frente ao euro que, se favorece os consumidores europeus, acirra a concorrência para as empresas, dificultando suas exportações. O outro risco é o duplo déficit nos EUA - na balança de pagamento e no orçamento público. Tendo atingido uma dimensão histórica ao superar 5% do PIB (Produto Nacional Bruto), ele começa a preocupar os mercados, por mais que, num mundo globalizado, os americanos possam financiá-lo por muito tempo.

Limites do crescimento europeu

A recuperação da conjuntura será mais forte nos EUA, principalmente por uma macropolítica expansiva, que se traduz em uma política financeira e monetária expansiva, segundo o economista alemão Willi Leibfritz, da OCDE. Os juros baixos, a diminuição de impostos e o financiamento da guerra do Iraque, com altos gastos militares, ajudaram na reativação. Os europeus não têm como dar um impulso semelhante, até porque o Pacto de Estabilidade lhes impõe limites, ao restringir o déficit orçamentário a 3% do PIB na zona do euro. A Alemanha e a França vêm desobedecendo o critério há tempo. Mas não conseguem dar uma arrancada, pois usam os recursos para tapar os buracos de seus ultrapassados sistemas sociais.

"Há de fato razões estruturais para que o crescimento na Europa tenha sido mais fraco", diz Leibfritz, que aponta o efeito demográfico de envelhecimento da população, com a conseqüente estagnação do potencial de pessoas que integram a população ativa como o primeiro deles. E, a seguir, o fato de os europeus não conseguirem dar pão e trabalho ao potencial hoje existente, ou seja, um grande desemprego estrutural. Isso, mais a antecipação de aposentadorias e os altos encargos salariais são fatores que impedem a criação de novos empregos.

Perdendo impulso ao cruzar o Atlântico

O curioso é que a locomotiva européia não consiga acompanhar a americana, embora o entrelaçamento entre as duas economias seja maior do que nunca: segundo a Comissão Européia, os Estados Unidos e a União Européia são os mais importantes parceiros comerciais um para o outro, relação que tem a mesma importância no que se refere a investimentos diretos. O aumento do volume de transações e investimentos contribuiu para intensificar o ritmo da transmissão de efeitos conjunturais.

Se antes demorava até dois anos para que uma reativação econômica repercutisse na Europa, hoje os ciclos conjunturais duram de um semestre a um ano. A direção sempre é a mesma, dos EUA para a Europa, e a transmissão se dá com muita perda de dinamismo.

O peso do desemprego alemão

São os déficits estruturais que dificultam o crescimento na Europa. Enquanto os americanos rapidamente transformam impulsos conjunturais em empregos, os europeus não conseguem fazer isso. Alguns países europeus conseguiram implantar reformas sociais e criar incentivos ao trabalho, sem desmontar completamente seus sistemas de apoio social aos mais fracos, o que não é o caso da Alemanha. Como expôs Leibfritz à Deutsche Welle, Berlim precisaria eliminar "incentivos negativos", que acabam produzindo desemprego, e flexibilizar o mercado de trabalho.

Reinigungskraft Kombilohn
Trabalhos não-qualificados como limpeza têm alta remuneração na Alemanha, o que impede criação de novos empregosFoto: AP

A questão crucial é que a Alemanha é o país da OCDE com o maior índice de desemprego entre as pessoas de baixa qualificação, diz Hans-Werner Sinn, diretor do Instituto Ifo de Pesquisas Econômicas. Na sua opinião, o alto desemprego estrutural não é produto da globalização, da divisão internacional do trabalho, da concorrência dos países de mão-de-obra barata ou do progresso tecnológico que eliminou atividades simples:"O desemprego da mão-de-obra não qualificada ou de baixa qualificação é um problema específico da Alemanha, é a doença da economia alemã, por assim dizer."

Renda mínima cria distorsões

O Estado alemão dá dinheiro a quem não trabalha ou não pode trabalhar. Essa renda mínima garantida pressiona a economia de mercado, pois ninguém quer trabalhar por uma quantia igual ou inferior à ajuda estatal, que essas pessoas recebem sem produzir. Essa renda cria uma distorsão no mercado de trabalho para atividades não-qualificadas, elevando os salários, o que não está consoante com a produtividade dessa mão-de-obra.

Hans-Werner Sinn exige, por isso, uma mudança radical na política social alemã, já que, na sua opinião, a Alemanha praticou uma política social e ocupacional errada durante 30 anos. A remuneração para atividades simples teria que se orientar apenas pela lei de oferta e procura, sem ser inflada artificialmente, pois por isso é que os empresários não criam empregos. A ajuda social deveria ser apenas um complemento ao que se ganha e não substituir totalmente o salário como é feito hoje. "Quem não se ajuda a si mesmo e não trabalha, não deve obter a maior parte da sua renda do Estado".

Ampliação da UE

Se a Alemanha continuar financiando o desemprego, em vez de criar incentivos financeiros ao trabalho, se verá em apuros já daqui há alguns meses, pois no dia 1º de maio entram mais 10 países para a UE, todos de salários baixos. Na Polônia, por exemplo, os salários são um sexto dos dos alemães. A transferência de fábricas, iniciada nos anos 90, se intensificará. "Pode-se dizer que, desde meados da década de 90, dois terços do crescimento da produção industrial alemã se devem a um crescente outsourcing para a Europa Oriental e apenas um terço a uma maior produção na Alemanha", segundo Sinn. Sua conclusão é que somente reformas radicais podem deter essa sangria.