Livro reúne piadas sobre antiga Alemanha comunista
26 de outubro de 2015Este artigo precisa começar com uma piada: "O líder da Alemanha Oriental Erich Honecker está discutindo seus hobbies com Erich Mielke, diretor do Stasi, a temida polícia secreta do regime comunista. 'Eu gosto de colecionar as anedotas que as pessoas contam sobre mim', comenta Honecker. Mielke se anima: 'Então nós temos quase o mesmo hobby: eu coleciono as pessoas que contam as piadas sobre o senhor!'".
Essa gozação do chefe de Estado e governo da República Federal Alemã (RDA) poderia constar entre inúmeras que o Departamento Federal de Informações (BND) da Alemanha Ocidental registrou nos anos 80 e manteve nos arquivos da altamente secreta "Operação Piada da RDA".
A essa altura, o Estado dos operários e agricultores ao leste do Rio Elba já estava seriamente abalado. No fim da década o Muro de Berlim viria abaixo, pouco depois Honecker seria obrigado a deixar o poder. Chegava ao fim um regime para o qual piadas sobre política não tinham a menor graça. Tachadas de "agitação subversiva", quem as contasse arriscava passar um longo tempo atrás das grades.
Assim, em vez de ser libertador, como se costuma acreditar, o humor podia ter efeito contrário na comunista Alemanha Oriental. Isso explica o ambivalente título da coletânea de piadas da RDA extraídas de arquivos secretos do BND, que a editora Christoph Links acaba de lançar na Alemanha: Ausgelacht– "Rindo até o fim", em tradução livre.
Por um lado, quem riu por último na história da reunificação alemã foi a RDA, com seu governo antiquado e desprovido de humor. Mas o povo alemão oriental também pouco motivo tinha para rir, caso alguma chacota sua sobre o politburochegasse aos ouvidos errados.
Desse modo, em 1961, poucos meses após a construção do Muro de Berlim, um eletricista foi sentenciado a quatro anos de cadeia pelo tribunal regional de Frankfurt no Oder. O homem de 31 anos tinha zombado, entre outros, do antecessor de Honecker, Walter Ulbricht. Segundo a promotoria, seu crime fora "atacar os fundamentos ideológicos da ordem do Estado e da sociedade popular-democráticos".
Humor involuntário
O mérito dos editores de "Rindo até o fim" é ter ido além de publicar uma superficial coletânea de piadas. O historiador Hans-Hermann Hertle e o jornalista Hans-Wilhelm Saure também iluminam aspectos sombrios de ambos os sistemas políticos. Para tal, além dos arquivos do BND, eles tanto vasculharam os documentos do antigo Ministério de Segurança Estatal da RDA (apelidado Stasi), quanto pesquisaram na Chancelaria Federal da República Federal da Alemanha (RFA).
O livro mostra que o então chefe do governo ocidental, Helmut Kohl, não ficou muito contente ao descobrir o fraco de seu serviço de inteligência pelas piadas no Estado vizinho. Aparentemente, o chanceler federal considerava supérflua essa forma de espionagem. O BND continuou, então, a compilar as anedotas, mas passou a enviá-las a outros departamentos. Em 1988, um dos destinatários era o então chefe da Casa Civil e atual ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble.
A correspondência entre os funcionários do governo e os agentes também soa, por vezes, involuntariamente cômica. Interrogado sobre como e onde as piadas haviam sido compiladas, um funcionário Departamento de Investigações respondeu em típico alemão burocrático.
"A grande massa das piadas procede da atividade de investigação comunicativa de conexões do serviço de informações em trânsito na RDA. Entretanto piadas também puderam ser compiladas em operações de interrogação de cidadãos da RDA ingressados na República Federal." Trocando em miúdos: tanto os agentes do BND caçavam anedotas in loco, quanto haviam sido consultados a respeito alemães orientais que se encontravam na RFA.
E, para terminar: "Como foi distribuído o grande legado de Karl Marx? A RDA ficou com o Manifesto Comunista, a RFA, com O Capital."