Contrastes
17 de dezembro de 2011É praticamente impossível contar a história do cinema sem mencionar a história da luz, que por sua vez é a essência do cinema. Sem ela, não há filmes, nem exibições, nem projeções, nem uma tela iluminada na sala escura. Filmes sem atores existem, sem música ou sem som também, mas jamais sem luz. Ou seja, a luz é a "forma primordial, a partir da qual os sonhos cinematográficos se constituem", afirmou certa vez um crítico.
Apesar disso, esse aspecto tão importante não é tratado com a relevância que merece pela literatura dedicada ao cinema. O cineasta e teórico de cinema Richard Blank é uma exceção neste sentido. Ele é o autor de Film & Licht. Die Geschichte des Filmlichts ist die Geschichte des Films (Cinema e luz. A história da luz no cinema é a história do cinema), um volume que trata do assunto lançado pela Editora Alexander em 2011.
"A literatura sobre cinema é cheia de livros sobre diretores, atores, estúdios e seus filmes, sobre os quais muito se fala em termos de conteúdo e gêneros, não raramente remetendo a visões de mundo, que podem ser primordialmente pessimistas ou otimistas. Sobre a evolução da luz no cinema, contudo, há apenas poucas digressões", diz Blank.
Hollywood em vez de Nova York
O especialista começa a narrar sua história da luz no cinema a partir dos primórdios de Hollywood. De início, trabalhava-se com a luz do dia; depois vieram fontes naturais de luz e, por fim, a iluminação artificial. A indústria norte-americana do cinema mudou sua sede principal de Nova York para Los Angeles, sobretudo porque na costa oeste dos EUA havia uma luz mais sólida, mais clara e mais presente.
O famoso diretor David Wark Griffith foi o primeiro a ousar inserir em seus filmes iluminação artificial, diz Richard Blank. Cecil B. DeMille, colega de Griffith, foi então quem determinou as regras de iluminação que iriam ser seguidas em Hollywood nas décadas seguintes.
"DeMille revolucionou o cinema de Hollywood ao criar histórias como elas são contadas até hoje, ou seja, com herói, bandido e final feliz", escreve Blank. Além disso, DeMille inventou uma luz completamente nova. Isso aconteceu nos anos 1920, quando os grandes estúdios passaram a ter suas ações comercializadas na bolsa de valores e começaram a fazer parte do establishment.
Naquele momento, criou-se um conjunto de regras a serem seguidas no cinema, que por sua vez se transformou em um negócio. Uma das regras era não irritar o público, para que os filmes fossem bem-sucedidos do ponto de vista comercial. Tudo o que era experimental era considerado arriscado e, por isso, "proibido".
Tudo iluminado...
Nascia assim o cinema clássico de Hollywood – com sol ou com uma luz artificial, que ilumina tudo de maneira uniforme. "Essas fontes naturais de luz produziam sombras somente em uma direção, com iluminação frontal dos personagens", descreve Blank. E como Hollywood passou a dar as cartas na indústria cinematográfica internacional, diz Blank, essas regras de iluminação passaram a ser consideradas decisivas para o mercado mundial. Algo que pode ser sentido até hoje. Não apenas nos grandes filmes hollywoodianos, mas também em todas as populares séries norte-americanas, as personagens estão quase sempre mergulhadas na mesma luz uniforme.
No entanto, onde há regras, há também violações das mesmas. Neste caso, as "contravenções" vieram sobretudo da Europa, onde outros usos da luz já haviam sido experimentados anteriormente, principalmente nos estúdios. Na Alemanha, fotógrafos de cinema e diretores eram praticamente obcecados com a ideia de criar uma nova realidade na tela.
O cinema expressionista alemão definiu parâmetros na época. Também em Hollywood foram sobretudo os imigrantes europeus aqueles que, como diretores, tentaram ir contra as regras do sistema. Neste contexto, havia de tudo. Fritz Lang, por exemplo, já se submetera com seu primeiro filme Fúria completamente às regras de Hollywood.
Poucas exceções
Uma das raras exceções foi o diretor franco-alemão Max Ophüls, que esperou por muito tempo dentro dos estúdios até poder implementar a "sua" luz. Em seu O Exílio, de 1947, isso é perceptível até hoje.
A história do cinema na Europa é permeada por fases que se desviam da luz fixa e aparentemente realista. Depois da Segunda Guerra, o neorealismo italiano ditou novas regras, em parte criadas a partir de uma situação de emergência. Já que, após a guerra, não havia equipamento suficiente, era necessário improvisar e experimentar.
Esse era também o desejo dos diretores, que narravam histórias sobre a amarga realidade do pós-guerra, sem lugar para bem iluminados sets de filmagem. Mais tarde, foram os cineastas franceses, como Jean-Luc Godard ou François Truffaut, que experimentaram com a luz natural, durante o movimento que ficou conhecido como Nouvelle Vague.
Hoje, ao contrário, ousa-se e arrisca-se pouco quando o assunto é luz, afirma Richard Blank. Diretores como o dinamarquês Lars von Trier ou Wong Kar-Wai, de Hong Kong, são exceções, diz o especialista. "Podemos fazer o que quisermos, mas a fixação absurda do conceito de realismo implementado pelo cinema de Hollywood vai mudar pouco", escreve Blank. Com "nós" ele se refere a todo o universo do cinema para além das fronteiras de Hollywood.
Autor: Jochen Kürten (sv)
Revisão: Carlos Albuquerque