'Guerrilha em crise'
3 de julho de 2008Com a libertação de Ingrid Betancourt e de 14 outros prisioneiros, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), mais antigo grupo insurgente latino-americano, perderam sua principal garantia. A ex-candidata à Presidência da Colômbia e os três norte-americanos faziam parte de um grupo de 40 reféns que as Farc pretendiam trocar por 500 combatentes aprisionados.
Em e-mails encontrados no computador do comandante Raúl Reyes, morto no começo de março, constava que as Farc pretendiam manter os reféns pelo maior tempo possível, a fim de aumentar a pressão sobre o governo colombiano. Mas a coisa mudou de figura, explica Carsten Wieland, diretor da unidade colombiana da Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido democrata-cristão (CDU) alemão.
"Este golpe contribuiu fortemente para que muitos guerrilheiros reavaliassem a cooperação com as instituições colombianas. Houve diversas deserções importantes nas últimas semanas. Segundo informações do governo, a cada semana oito guerrilheiros entregam suas armas. Isso significa uma erosão das Farc, que poderia levar à libertação de outros reféns. Também há rumores de que alguém ligado ao governo tenha se infiltrado nas Farc para prover as informações necessárias", informa Wieland.
Colômbia segue estratégia dupla
A espetacular ação do Exército colombiano é um trunfo político importante para o presidente Álvaro Uribe, que, desde que tomou o poder o poder há seis anos, nega qualquer negociação com as Farc, sempre apostando numa solução militar, com apoio político e enorme investimento financeiro por parte dos Estados Unidos.
Essa política de linha dura lhe rendeu grande popularidade entre os eleitores colombianos. Pesquisas recentes indicam que Uribe possui a aprovação de mais de 70% da população em sua luta contra as Farc.
No entanto, quando em maio veio à tona que há processos preliminares e mandados de prisão contra mais de 60 membros do Congresso, a maioria proveniente de sua coalizão de governo, devido a ligações com os esquadrões da morte de paramilitares extremistas de direita, o presidente caiu na mira da crítica.
Uribe, que almeja obter um terceiro mandato, pretende apelar a um plebiscito para garantir a necessária alteração da Constituição. Em breve, apresentará um projeto de lei ao Parlamento. E a libertação de Betancourt veio no momento certo.
Mas, ainda segundo Wieland, Uribe tem outros trunfos. "Há cada vez mais incentivos para que os combatentes se entreguem. Há bolsas e programas do governo, também a lei Justiça e Paz, que garante uma pena de no máximo oito anos para ex-guerrilheiros, agora vale também para membros das Farc", explica. "O governo segue uma estratégia dupla, apostando em força militar de um lado e em programas de incentivo à colaboração de outro."
Sarkozy x Uribe
No mundo todo, políticos e organizações de direitos humanos lutaram pela libertação da franco-colombiana, hoje com 46 anos. Especialmente o presidente francês, Nicolas Sarkozy, que ainda durante sua campanha anunciou ser esta uma das prioridades de seu governo, aumentou a pressão sobre Bogotá.
Sarkozy, que várias vezes se dirigiu às Farc em rede pública de televisão, exigia que Uribe suspendesse parte das atividades militares para possibilitar a libertação dos reféns. Em abril, chegou a enviar um avião francês na esperança de que os rebeldes libertassem Betancourt. Uribe, pelo contrário, criticava a pressão praticada pelo presidente francês, alegando que isso só faria com que os rebeldes "libertassem Betancourt por último".
Mesmo a libertação tendo ocorrido por meio de uma operação militar executada exclusivamente sob a responsabilidade do governo colombiano, a França destacou a importância da pressão internacional.
Enquanto o ministro francês do Exterior, Bernard Kouchner, acompanhou os filhos de Betancourt a Bogotá, a secretária de Estado para os Direitos Humanos, Rama Yade, declarou que "a primeira lição é que a pressão internacional funciona".
Fim das Farc?
Mas a estratégia de Uribe vingou. Os guerrilheiros se retiraram cada vez mais para o interior da selva e, após perdas substanciais em lutas e a desistência de inúmeros combatentes, o total de rebeldes caiu pela metade, para pouco menos de 10 mil. Além disso, as frentes estão divididas, alerta Carsten Wieland.
"Eles mal podem se locomover no país. Manter um grande número de reféns é um grande obstáculo para uma guerrilha em processo de desmembramento, uma guerrilha em crise. Além dos 15 libertados, há ainda 42 reféns políticos nas mãos das Farc, bem como várias centenas de colombianos. Eles não podem mais se mover rapidamente pela selva sem deixar rastros para o Exército."
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, parabenizou Uribe pela libertação "bem sucedida e sem derramamento de sangue". Para Merkel, este foi "um sucesso de sua política decidida a fazer valer o Estado de direito, a paz e a liberdade em seu país". Merkel também elogiou o engajamento de Sarkozy.