"Lestalgia", a saudade da vida na Alemanha Oriental
27 de outubro de 2014O Ostel, no bairro berlinense de Friedrichshain, realiza o sonho de pernoitar num hotel como nos tempos da antiga Alemanha Oriental. Seus fundadores precisaram de muito tempo para reconstituir fielmente, em seus 60 quartos, os móveis e papéis de parede no estilo da ex-República Democrática Alemã (RDA).
Mas os esforços para concretizar essa ideia de negócio valeram a pena. As reservas para os quartos são numerosas. "Os hóspedes querem simplesmente experimentar como se vivia antigamente", afirma o hoteleiro Daniel Helbig, assegurando que muitos visitantes procuram simplesmente um período de "vida desacelerada", sem TV, telefone ou outros luxos contemporâneos.
Sucesso da Ostalgie
Ostalgie é um neologismo alemão, combinando as palavras Ost(leste) e Nostalgie– podendo, portanto. ser traduzido como "lestalgia". Contudo somente entre 10% e 15% dos 16 milhões de pessoas que vivenciaram a tentativa de um Estado socialista, entre 1949 e 1990, gostariam de voltar aos tempos da RDA – como constataram as pesquisas de diversos institutos de opinião alemães. A maioria está contente por gozar mais bem-estar e liberdade hoje, numa Alemanha reunificada, do que sob o regime comunista.
Ainda assim, Silke Rüdiger, por exemplo, vivencia uma corrida constante ao site de internet onde vende produtos da ex-Alemanha Oriental ainda produzidos por alguns poucos fabricantes. O sortimento vai de roupas, músicas e filmes, até cédulas ou condecorações originais.
Uma nota de 100 marcos da Alemanha Oriental custa 25 euros, e uma medalha de "Herói do Trabalho" verdadeira, no estojo original, custa 350 euros. Raramente concedida pelo governo de Erich Honecker aos cidadãos, por mérito trabalhista excepcional, hoje basta clique de mouse para tê-la entregue em casa pelo correio.
"O maior sucesso de vendas são os gêneros alimentícios segundo receitas dos tempos da Alemanha Oriental", diz a operadora da loja online. Entre esses campeões estão o vinho espumante Rotkäppchen de Freyburg, a mostarda de Bautzen, pepinos da região de Spreewald, o substituto de café à base de cereais da marca imNU, a ClubCola (imitação da marca original americana) e os chocolates Hallorenkugel, em forma de bolinha.
Pátria perdida
"As pessoas gostam de recordar seu antigo cotidiano. Para elas, não era algo negativo. Mas muito desapareceu com a queda do Muro.". Assim Rüdiger justifica seu sucesso, assegurando que nem ela nem seus clientes querem enviar qualquer sinal político com a compra e venda de suvenires da antiga ex-República Democrática Alemã. "Quem chupa uma bolinha de chocolate Hallorenkugel sente o gosto de parte da própria infância", define.
Dirk Grüner também constatou que, para os supostos "lestálgicos", o que está em, jogo não é um sistema político perdido, mas sim emoções. Em seu Ostalgie Kabinett, na cidade de Langenweddingen, próximo a Magdeburg, ele e seus pais colecionam, em carinhoso trabalho detalhista, cerca de 20 mil objetos dos tempos da RDA. "Tem gente que fica com lágrimas nos olhos, ao olhar os objetos que marcaram seu dia a dia", conta.
"As pessoas perguntam especialmente pelos aparelhos de cozinha, se podem comprá-los, pois ainda consideram admirável a qualidade deles." Nesses casos, Grüner tem sempre que pedir compreensão: se vendesse os objetos, museu logo estaria vazio e não haveria mais nada para exibir.
Em pé de igualdade com o Ocidente
"Muitos da antiga Alemanha Oriental ainda se sentem sem pátria, estrangeiros na Alemanha unificada. A vida na RDA era, simplesmente, mais fácil", diz Klaus Schroeder, expondo as razões para a Ostalgie.
O sociólogo e cientista político da Universidade Livre de Berlim se ocupou intensamente da RDA e dos eventos em torno da reunificação. A conclusão principal é que, com a implementação radical da economia de mercado, muitos cidadãos entre a Saxônia e a Turíngia viram suas conquistas na vida – e assim, sua biografia – desvalorizada e desacreditada. Em 1990, muitas firmas e seus produtos simplesmente desapareceram, de um dia para o outro.
Por esse motivo, tanto lembranças são atreladas a objetos, como que dizendo: "Nós não éramos tão ruins como propaga o Ocidente." "Entre os filhos de ex-cidadãos da RDA, 40% não falam da Alemanha Oriental como uma ditadura, e 50% argumentam que mesmo na Alemanha Ocidental não regia a pura democracia."
Em tais declarações, Schroeder vê também um esforço pelo reconhecimento em pé de igualdade com o Ocidente. Em sua opinião, a sociedade alemã deveria prestar atenção para que essa fixação nos tempos antigos não se transforme numa idealização falseada da história: o perigo não estaria numa "lestalgia"da memória, e sim na indiferença política que atualmente se anuncia.
História sobre rodas
Stefan Wolle, historiador e diretor científico do Museu da Alemanha Oriental, teve experiências semelhantes. Por isso, ele tenta sempre contrapor, a esse olhar idealizador, um pouco da dura realidade. Em seu museu em Berlim, a Ostalgie termina, o mais tardar, na réplica de uma sala de interrogatório da Stasi – a polícia secreta da RDA que controlava e punia a população por qualquer tentativa de resistência ao governo.
Alto-falantes reproduzem interrogatórios e atas originais. "Aqui, as turmas de alunos mais rebeldes logo se calam", diz Wolle. E registra, com satisfação, que o ápice da nostalgia ideológica já passou. "Para a nova geração, a RDA é apenas história."
Atualmente, o passado da Alemanha Oriental se manifesta, principalmente, sobre quatro rodas, depois que a maioria dos automóveis da antiga Alemanha Ocidental foi parar no ferro-velho. Até mesmo em ralis na África vê-se a versão de corrida do pequeno Trabant, apelidado carinhosamente de "Trabbi" ou "Pappe" (papelão, devido ao material de sua carroceria). Já o Wartburg, de três cilindros, era considerado quase inatingível: pelas vias exclusivamente lícitas, o candidato a proprietário tinha que ficar mais de dez anos na lista de espera.
Hoje, Ingo Speckmann aluga os obsoletos veículos para casamentos ou para o puro lazer: "As pessoas se alegram, e se reportam à coesão do povo da ex-RDA." O locador de Trabants está convencido de que a ajuda mútua na fabricação própria de peças de reposição uniu os cidadãos do antigo Estado comunista. Isso tudo não existe mais hoje, lamenta. E, ao que tudo indica, não está só em seu lamento.