História líbia
22 de fevereiro de 2011No ranking dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Líbia ocupa o 17° lugar. À primeira vista não parece muito, mas a riqueza resultante disso é – ou deveria ser – dividida entre apenas seis milhões de habitantes.
Os petrodólares são o principal pilar da economia líbia – e sempre foram um elemento central de sustentação do poder: durante quatro décadas, a estabilidade interna do país e a legitimação do ditador Muammar Kadafi dependeram de forma decisiva da engenhosa divisão do dinheiro resultante do petróleo.
Segundo a especialista em questões relacionadas à Líbia do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, Isabell Werenfels, Kadafi sempre usou o dinheiro do petróleo para comprar as tribos do país. "Tradicionalmente, as tribos são, tanto do ponto de vista social como do político, um dos fatores mais importantes, se não 'o' mais importante na Líbia", diz a especialista.
Política clientelista
Há aproximadamente dez grandes tribos na Líbia, subdivididas num sem-número de subtribos. O próprio Kadafi pertence a uma tribo pequena, os Kadafa – na hierarquia local, até mesmo de pouca importância.
Ao longo de seus mais de 40 anos no poder, Kadafi deu explicitamente preferência a sua tribo. Os atuais protestos são, em parte, consequência imediata dessa política clientelista, opina Werenfels.
"Isso obviamente levou a inacreditáveis ressentimentos. E o que vimos em Bengasi foi, em primeiro lugar, a insurreição de uma região desfavorecida, de tribos desfavorecidas. Todo o leste do país ficou desfavorecido e os protestos são uma vingança contra isso", diz a especialista.
Mesmo sendo o país mais rico do norte da África, na Líbia a riqueza é dividida de forma muito injusta. No índice de corrupção da Transparência Internacional, o país ocupou a 146ª posição entre os 178 listados, atrás até do Irã e do Nepal.
"As famílias e as elites são muito, muito corruptas e enriqueceram de maneira inacreditável. Ou seja, Kadafi não usou as divisas oriundas do petróleo para impulsionar o país. E ele também investiu muito dinheiro na África, no apoio a rebeldes, no que ele desempenhou, em parte, um papel incrivelmente negativo", descreve Werenfels.
Cultura tribal
Várias tribos, incluindo a maior delas, a Warfala, com 1 milhão de pessoas, já migraram para o lado dos rebeldes. O sociólogo árabe Burhan Ghalioun, da Sorbonne, em Paris, revida os céticos que veem uma contradição entre a cultura tribal e a democracia.
"A cultura tribal não é antagônica à ideia de um Estado moderno. As tribos podem entrar em acordo para formação de um Estado. Todas as formações de Estados árabes se deram a partir de um acordo entre os líderes tribais e as elites urbanas. Até os anos 1950, os parlamentos eram formados pelos líderes tribais, que representavam sua gente, para assim garantir a unidade nacional", diz Ghalioun.
Na Líbia de hoje, as condições para a implementação de estruturas democráticas são, contudo, escassas. Os partidos políticos foram proibidos e a imprensa é altamente cerceada. A repressão do Estado alastra-se por todas as áreas da sociedade e os poucos oposicionistas vivem sob perigo.
Governo de um bando
Além disso, a Líbia permaneceu, até a mudança da política externa de Kadafi, em 2003, completamente isolada. Não se podia, no país, nem mesmo aprender idiomas estrangeiros. O país recebeu da organização Freedom House, sediada em Washington, a pior nota – 7 – nos quesitos direitos políticos e liberdades civis, equiparando-se assim a ditaduras como as da Coreia do Norte e do Turcomenistão.
Gahlion faz críticas pesadas ao sistema Kadafi. "Na Líbia há um sistema, mas não se trata de um sistema político. Não se pode nem reformá-lo nem modificá-lo. É um sistema baseado no governo de um bando, que divide as riquezas entre seus seguidores. Não se trata de um sistema de governo com uma política definida. O governo fala como se fosse um grupo de criminosos e não de políticos. Quando eles se dirigem ao povo, não demonstram respeito. Por isso vejo a Líbia não como um sistema político, mas como um sistema que se baseia no controle violento do povo, a fim de roubar as riquezas resultantes do petróleo", analisa o sociólogo.
Socialismo árabe
Depois do golpe através do qual tomou o poder, destituindo o rei, no ano de 1969, Kadafi virou o país do avesso. Suas principais ideias eram: criar uma forma especial e árabe de socialismo; desenvolver o panarabismo (e mais tarde o panafricanismo) e disseminar o islã – diga-se de passagem, numa interpretação algo livre, como comprova a guarda feminina do ditador.
Oficialmente, Kadafi permaneceu no poder como chefe de Estado até 1979. Desde então, vigora no país, pro forma, um sistema supostamente democrático de congressos populares organizados. Essa pseudodemocracia de bases foi o pretexto usado para proibir os partidos políticos e rejeitar a democracia parlamentar.
O "líder revolucionário" reuniu suas ideias hegemônicas no chamado Livro Verde, de três volumes. A instituição de pesquisa mais significativa do país passou a ser sintomaticamente também o Centro de Pesquisa Livro Verde.
Autor: Matthias von Hein (sv)
Revisão: Alexandre Schossler