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"Kurt Masur procurava a verdade atrás da mera beleza"

Rick Fulker / Laura Döing (ca)21 de dezembro de 2015

Disciplina e autoridade natural fizeram de Kurt Masur uma estrela entre os regentes. Em entrevista à DW, seu ex-assistente musical, Adrian Prabava, descreve a adoração do regente alemão pela música e pela perfeição.

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Kurt Masur (1927-2015) rege a Filarmônica de Nova York em 2001Foto: picture-alliance/dpa

Durante um curso de regência, Adrian Prabava chamou a atenção do maestro alemão Kurt Masur, morto no último sábado (19/12) aos 88 anos. O trabalho do indonésio agradou tanto ao mestre, que ele logo o convidou para ser seu assistente musical na Orquestra Nacional da França.

Nascido na Indonésia, Prabava, de 43 anos, estudou violino na Escola Superior de Música de Detmold e, em seguida, regência com Eiji Oue na Universidade de Música, Teatro e Mídias de Hannover. Além disso, frequentou especialização com os maestros Jorma Panula e Bernard Haitink. Em 2006, Prabava tirou o segundo lugar no renomado Concurso Internacional de Jovens Maestros de Besançon. De 2006 a 2008 foi assistente musical de Masur na Orquestra Nacional da França.

Em entrevista à Deutsche Welle, Prabava disse que Kurt Masur exigia tudo de seus músicos. No entanto: "Ele não dizia: 'Isso tem que ser feito dessa forma porque é assim que eu quero.' Mas: 'Tem que ser feito assim porque a música exige.'" Segundo o maestro indonésio. "A mera beleza sonora nunca lhe interessou: era preciso encontrar a verdade por trás."

DW: Como foi a sua experiência com Kurt Masur?

Adrian Prabava: A primeira vez que me encontrei com Kurt Masur foi em 1997. Eu participava como estudante de uma orquestra de jovens num festival em Verbier, na Suíça. Então ele veio e nos regeu. Eu era o líder do naipe dos segundos violinos. E ficamos na ocasião impressionados com seu carisma e brilho, e ao mesmo tempo com sua implacabilidade: ele exigia tudo de nós. E aí eu já pensava: "Se tivesse oportunidade, queria conhecer melhor esse maestro". Por isso fiquei muito feliz por ele ter me convidado para Paris.

Quando vim para a capital francesa, primeiro fiquei empolgado com o fato de poder ser seu assistente. Eu venho originalmente de Jacarta, na Indonésia, e já conhecia Kurt Masur e a Orquestra Gewandhaus de Leipzig desde pequeno – era algo sensacional, como uma simbiose. E, de repente, podia trabalhar com ele. Ensaiamos o segundo ato da ópera Tristão e Isoldae o final do terceiro ato. Eu então pude dirigir a orquestra atrás do palco, no segundo ato, e já no primeiro ensaio notei que ele era um perfeccionista.

Adrian Prabava und Kurt Masur
Adrian Prabava (esq.) e Kurt MasurFoto: Privat

O que fazia dele um perfeccionista?

Tínhamos que realizar todos os parâmetros na partitura com perfeição, para que no fim a intenção do compositor despontasse da maneira certa. E acho que isso era algo muito forte nele, a forma como se debruçava sobre as peças. Ele também se ocupava das circunstâncias de vida do compositor, para chegar ao cerne da mensagem musical. Por isso ele exigia tanto de nós, para que não ficássemos só presos à superfície.

No segundo ato do Tristão, havia uma passagem em que eu tinha que responder com a minha orquestra a partir dos bastidores. A transmissão era ruim. Aí veio Kurt Masur e exigiu um monitor que, no entanto, não havia. E quando eu disse que eu talvez conseguisse sem monitor, ele disse: "Nada de risco! Tudo tem que correr perfeito à noite." E ele estava absolutamente certo. No final, teve que falar um pouco mais alto com os técnicos para que tivéssemos um monitor, mas ele não fazia concessões quando se tratava de qualidade.

Atribui-se a Kurt Masur ter renovado Filarmônica de Nova York, então desmoralizada e avessa à autoridade, com disciplina alemã férrea e pé no chão. Qual era o segredo de sua autoridade?

Sua autoridade não era do tipo que afaga o próprio ego. Ele possuía uma espécie de autoridade natural, que servia tanto à música quanto ao compositor. Todo músico entendia isso de imediato. Ele não dizia: "Isso tem que ser feito dessa forma porque é assim que eu quero." Mas: "Tem que ser feito assim porque a música exige." Era algo muito forte nele e que muito me impressionava.

Adrian Prabava
Prabava adotou como lema "A verdade por trás da beleza"Foto: Ulrike von Loeper

Lembro que nesse ensaio do Tristão trabalhamos um tempo enorme em dois compassos, porque ele queria alcançar um timbre específico. Depois de dez minutos ele ainda não havia conseguido esse timbre. E então continuou a ensaiar. A essa altura, ninguém mais acredita que esse timbre tão específico era executável. E depois de 14 minutos de repente criou-se um novo som. Todos que estavam sentados na sala, tocando ou escutando, perceberam: foi uma façanha de mestre! Ele sabia exatamente como realizar a sua ideia e não desistiu. E isso os músicos sentem: ali está alguém que luta por algo. E então também eles vão estar dispostos a dar tudo.

A lista de prêmios, honrarias e condecorações que Masur recebeu é longa. Qual era a atitude dele quanto ao reconhecimento público do próprio trabalho?

Através desse reconhecimento ele ganhou um certo peso para falar de coisas que lhe eram importantes. Por exemplo, ele sempre lutou para que a música desempenhasse um papel mais importante no cotidiano na Alemanha. Após uma apresentação da Terceira sinfoniade Bruckner com a Orquestra da Gewandhaus ele se dirigiu ao público – era um ensaio geral com muitos estudantes – e disse aos alunos: "Precisamos de mais música! O mais importante é que vocês mesmos façam música!" E acho que isso ele fazia isso de forma consciente. Ele sabia que era reconhecido e que por isso sua voz era ouvida, e usava esse fato para abordar certas coisas.

Você descreveu Kurt Masur como um de seus mentores. Como ele ainda influencia o seu trabalho?

A intensidade com que ele defendia uma peça me marcou muito. Ele nunca ficava satisfeito que alguém só tocasse as notas. Ele era até capaz de ficar muito zangado se alguém não levava a música a sério, se não empregava tudo o que tinha nela. A mera beleza sonora nunca lhe interessou: ele procurava sempre a verdade que está por trás. Para mim isso permaneceu como um lema. É claro que é algo que nunca vou esquecer.