Kathrin Passig, escrita e novas mídias
28 de agosto de 2013Desde o surgimento da internet, não foi apenas a indústria musical que se viu envolta em transformações que questionavam seus métodos de produção e distribuição até aquele momento. Ainda que em menor escala, o mercado editorial precisou se adaptar à nova realidade digital.
Mas enquanto a música vinha recebendo o influxo eletrônico desde a década de 60, pelo menos, mudando a própria forma como a música era composta, a literatura serviu-se do eletrônico de outras maneiras, e a única transformação na vida de muitos escritores foi a troca das Remingtons e Olivettis por PCs e MacBooks. Apesar das pesquisas de poetas que se embrenharam na experimentação com poéticas digitais e sonoras, a grande maioria dos romancistas e contistas seguiu tranquilamente com sua relação bidimensional, cuidadosamente arranjando palavras sobre a página.
No final da década de 90, com o surgimento dos blogues e outras formas de publicação, iniciou-se um debate mais acirrado no meio literário sobre a influência digital sobre a escrita, assim como o mercado livreiro precisou acostumar-se e adaptar-se à necessidade dos e-books e mesmo da pirataria de arquivos fotocopiados, sendo agora compartilhados como se fez antes com canções.
Na Alemanha, país cioso de sua tradição literária, poucos escritores aventuraram-se muito cedo por estas plagas. Uma exceção entre os autores celebrados foi Rainald Goetz, que começou em um blogue a escrita de seu livro Abfall für Alle (Lixo para todos, em tradução literal),gerando muita discussão no país.
Outra exceção, desta vez entre os escritores surgidos neste século já dominado pela internet, é Kathrin Passig, nascida em Deggendorf (Alemanha) em 1970. A autora, jornalista e pesquisadora da internet está entre os 11 autores alemães convidados para a Bienal do Livro do Rio de Janeiro deste ano, que começa nesta quinta, dia 29.
Começos múltiplos
A carreira de Kathrin Passig, no entanto, não poderia ter sido lançada de forma mais literariamente prestigiosa. A autora ganhou, em 2006, o cobiçado prêmio Ingeborg Bachmann na Semana de Literatura de Língua Alemã em Klagenfurt, com sua estreia literária no conto Sie befinden sich hier (Você se encontra aqui). Este permaneceria o único trabalho de natureza mais literária da autora.
A partir daí, Passig se dedica a vários trabalhos em colaboração sobre a cultura digital, como nos livros Verirren. Eine Anleitung für Anfänger und Fortgeschrittene (Perder-se, um guia para iniciantes e avançados, escrito em parceria com Aleks Scholz e publicado em 2011) eInternet – Segen oder Fluch (Internet, bênção ou maldição, escrito com Sascha Lobo e lançado em 2012.
Este aspecto colaborativo é claramente um efeito e aceitação da nova ordem digital sobre o trabalho do escritor, seja na Babel de opiniões que é o Twitter ou a própria escrita colaborativa da Wikipédia e outros wikis.
Neste aspecto, é importante mencionar seu trabalho na plataforma de criatividade Zentrale Intelligenz Agentur (ZIA) em Berlim, da qual foi cofundadora e diretora 2009, tendo papel fundamental no desenvolvimento de conteúdo, assim como do software do blog "Riesenmaschine" (Máquina gigante), que ganhou o prêmio Grimme Online Award em 2006.
Um dos seus trabalhos mais conhecidos, e que talvez tenha tido tanta influência da nova cultura digital quanto as suas pesquisas sobre a internet, é o livro Die Wahl der Qual.Handbuch für Sadomasochisten und solche, die es werden wollen, escrito com Ira Strübel e publicado em 2009. O título é autoexplicativo: "A escolha da dor: Manual para sadomasoquistas e aqueles que querem se tornar um".
Seu humor espelha-se em todos os seus trabalhos, como Das neue Lexikon des Unwissens. Worauf es bischer keine Antwort gibt, ou O novo léxico da ignorância. Aquilo a que ainda não há resposta, com Aleks Scholz e Kai Schreiber, ou seu mais novo projeto, a "Zufallsshirt" (Camiseta ao acaso), loja online em que novas estampas e motivos são gerados para o cliente, que compra um produto irrepetível, sem perigo de trombar nas ruas com outra pessoa usando a mesma camiseta.
No entanto, vivendo em Berlim e ainda ativa como jornalista, Kathrin Passig segue escrevendo, tanto para jornais digitais quanto impressos, entre eles alguns dos mais respeitados do país, como Merkur, Spiegel Online, Tageszeitung, Berliner Zeitung ou o Süddeutsche Zeitung. E, é claro, publicando vivamente no Twitter, sua plataforma preferida.