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Juristas repudiam nova versão de lei anticorrupção

Nathalia Tavolieri
30 de novembro de 2016

Em projeto aprovado pela Câmara, deputados incluíram emenda que inibe atuação de juízes. Procuradores da Lava Jato ameaçam renunciar coletivamente caso texto seja sancionado.

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Plenário da Câmara aprova texto base do PL 4850/2016
Foto: Agência Brasil/R. Pozzebo

O projeto de lei com medidas contra a corrupção (PL 4850/16) aprovado na madrugada desta quarta-feira (30/11) pela Câmara foi alvo de duras críticas de juristas brasileiros.

O texto, que originalmente apresentava propostas rígidas para inibir crimes de desvio de dinheiro e práticas ilícitas, sofreu diversas alterações antes de ser aprovado pelo plenário. Além de rejeitar medidas importantes, como a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos e o aumento do tempo de prescrição de processos de casos de corrupção, a Câmara incluiu uma emenda que prevê a punição de juízes do Ministério Público (MP) por abuso de autoridade.

Para Ronaldo Pinheiro de Queiroz, procurador da República e integrante do Grupo de Trabalho da Lava Jato, o texto aprovado pela Câmara representa um retrocesso imenso no combate à corrupção. Ele classifica a medida que pune juristas de "castração" da autonomia do Judiciário.

Na prática, a medida inibe as investigações. Na leitura de Queiroz, a emenda criminaliza, por exemplo, o ato de um magistrado protocolar uma denúncia sem garantias suficientes de que ela será julgada. "Se a mesma regra fosse aplicada a um parlamentar, ele não poderia sugerir um projeto de lei sem a certeza absoluta de que o texto seria sancionado", compara o procurador. "Essa medida inibe o nosso trabalho."

Para Queiroz, trata-se de uma tentativa de criminalizar questões administrativas. "É muito mais fácil combater um MP combativo do que um omisso. Eles querem criminalizar a ação dos magistrados que estão trabalhando para combater a corrupção no país. Caso contrário, eles não se dariam ao trabalho."

Lava Jato ameaçada

Diante da inclusão da emenda, integrantes da força-tarefa da Lava Jato ameaçaram abandonar a operação caso o projeto seja sancionado da forma como foi aprovado pela Câmara. 

Em entrevista a jornalistas nesta quarta-feira em Curitiba, o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou que os procuradores estão dispostos a "renunciar coletivamente". "Não é possível, em nenhum Estado de direito, que não se protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados."

Rodrigo Janot
Para Janot, o resultado da votação na Câmara colocou o "país em marcha à ré no combate à corrupção"Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Em nota oficial, a força-tarefa acusou a Câmara de se aproveitar do acidente aéreo envolvendo a equipe da Chapecoense para aprovar medidas que desagradam a sociedade. "Aproveitando-se de um momento de luto e consternação nacional, na calada da madrugada, as propostas foram subvertidas. As medidas contra a corrupção, endossadas por mais de dois milhões de cidadãos, foram pervertidas para contrariar o desejo da iniciativa popular e favorecer a corrupção por meio da intimidação do MP e do Judiciário."

No documento, os procuradores da Lava Jato afirmam que "abusos devem sim ser punidos", mas que a emenda aprovada pelos parlamentares representa um "atentado contra a independência do exercício da atividade ministerial e judicial".

Para o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, o resultado da votação colocou o "país em marcha à ré no combate à corrupção". "O Plenário da Câmara dos Deputados desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira", declarou Janot à imprensa.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça, a ministra Cármen Lúcia, também lamentou a emenda que ameaça a autonomia do Poder Judiciário. "Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá calar a Justiça", afirmou em comunicado oficial.

Próximos passos

Originalmente, o pacote de medidas anticorrupção foi apresentado em março deste ano pelo MPF e contou com forte apoio popular, recebendo mais de 2,3 milhões de assinaturas em todo o Brasil. As propostas do texto foram inspiradas na campanha Dez Medidas contra a Corrupção, elaboradas pelo MPF ao longo das investigações da Operação Lava Jato, iniciadas há dois anos.

O projeto que segue agora para apreciação no Senado sofreu tantas alterações que, segundo o MP, "as dez medidas foram rasgadas".

Contudo, ainda é possível que os senadores rejeitem as emendas propostas pela Câmara e recuperem o espírito original do projeto. "Não perdemos confiança nas instituições brasileiras", afirma Queiroz.