Juristas repudiam nova versão de lei anticorrupção
30 de novembro de 2016O projeto de lei com medidas contra a corrupção (PL 4850/16) aprovado na madrugada desta quarta-feira (30/11) pela Câmara foi alvo de duras críticas de juristas brasileiros.
O texto, que originalmente apresentava propostas rígidas para inibir crimes de desvio de dinheiro e práticas ilícitas, sofreu diversas alterações antes de ser aprovado pelo plenário. Além de rejeitar medidas importantes, como a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos e o aumento do tempo de prescrição de processos de casos de corrupção, a Câmara incluiu uma emenda que prevê a punição de juízes do Ministério Público (MP) por abuso de autoridade.
Para Ronaldo Pinheiro de Queiroz, procurador da República e integrante do Grupo de Trabalho da Lava Jato, o texto aprovado pela Câmara representa um retrocesso imenso no combate à corrupção. Ele classifica a medida que pune juristas de "castração" da autonomia do Judiciário.
Na prática, a medida inibe as investigações. Na leitura de Queiroz, a emenda criminaliza, por exemplo, o ato de um magistrado protocolar uma denúncia sem garantias suficientes de que ela será julgada. "Se a mesma regra fosse aplicada a um parlamentar, ele não poderia sugerir um projeto de lei sem a certeza absoluta de que o texto seria sancionado", compara o procurador. "Essa medida inibe o nosso trabalho."
Para Queiroz, trata-se de uma tentativa de criminalizar questões administrativas. "É muito mais fácil combater um MP combativo do que um omisso. Eles querem criminalizar a ação dos magistrados que estão trabalhando para combater a corrupção no país. Caso contrário, eles não se dariam ao trabalho."
Lava Jato ameaçada
Diante da inclusão da emenda, integrantes da força-tarefa da Lava Jato ameaçaram abandonar a operação caso o projeto seja sancionado da forma como foi aprovado pela Câmara.
Em entrevista a jornalistas nesta quarta-feira em Curitiba, o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou que os procuradores estão dispostos a "renunciar coletivamente". "Não é possível, em nenhum Estado de direito, que não se protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados."
Em nota oficial, a força-tarefa acusou a Câmara de se aproveitar do acidente aéreo envolvendo a equipe da Chapecoense para aprovar medidas que desagradam a sociedade. "Aproveitando-se de um momento de luto e consternação nacional, na calada da madrugada, as propostas foram subvertidas. As medidas contra a corrupção, endossadas por mais de dois milhões de cidadãos, foram pervertidas para contrariar o desejo da iniciativa popular e favorecer a corrupção por meio da intimidação do MP e do Judiciário."
No documento, os procuradores da Lava Jato afirmam que "abusos devem sim ser punidos", mas que a emenda aprovada pelos parlamentares representa um "atentado contra a independência do exercício da atividade ministerial e judicial".
Para o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, o resultado da votação colocou o "país em marcha à ré no combate à corrupção". "O Plenário da Câmara dos Deputados desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira", declarou Janot à imprensa.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça, a ministra Cármen Lúcia, também lamentou a emenda que ameaça a autonomia do Poder Judiciário. "Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá calar a Justiça", afirmou em comunicado oficial.
Próximos passos
Originalmente, o pacote de medidas anticorrupção foi apresentado em março deste ano pelo MPF e contou com forte apoio popular, recebendo mais de 2,3 milhões de assinaturas em todo o Brasil. As propostas do texto foram inspiradas na campanha Dez Medidas contra a Corrupção, elaboradas pelo MPF ao longo das investigações da Operação Lava Jato, iniciadas há dois anos.
O projeto que segue agora para apreciação no Senado sofreu tantas alterações que, segundo o MP, "as dez medidas foram rasgadas".
Contudo, ainda é possível que os senadores rejeitem as emendas propostas pela Câmara e recuperem o espírito original do projeto. "Não perdemos confiança nas instituições brasileiras", afirma Queiroz.