Jornal independente russo Novaïa Gazeta suspende publicação
28 de março de 2022O jornal independente russo Novaïa Gazeta anunciou nesta segunda-feira (28/03) a suspensão de suas publicações impressas e digitais, incluindo redes sociais, até o final da invasão russa na Ucrânia, num momento em que o Kremlin acentua cada vez mais a repressão às vozes críticas ao governo.
Paralelamente, o Ministério da Justiça russo disse ter incluído a emissora internacional alemã Deutsche Welle (DW) na lista de "agentes estrangeiros", depois de as autoridades russas já terem forçado, no começo do mês, a empresa a suspender as operações no país.
Em comunicado, o Novaïa Gazeta, cujo chefe de redação, Dmitri Muratov,recebeu em 2021 o prêmio Nobel da Paz, indicou ter adotado a medida após ter recebido uma segunda advertência do regulador russo de telecomunicações em menos de uma semana por ignorar a controversa lei de "agentes estrangeiros".
"Não existe outra solução. Para nós, e sei que para vocês, é uma decisão terrível e dolorosa. Mas é necessário que nos protejamos", escreveu Muratov em uma carta aos leitores do jornal.
O Novaïa Gazeta foi repreendido pelo governo russo por não ter informado que uma ONG mencionada num dos seus artigos era considerada um "agente estrangeiro" pelas autoridades russas, como exige a lei. O jornal recebeu um primeiro aviso em 22 de março e outro nesta segunda-feira.
Um dos últimos bastiões da imprensa independente
Após o início da invasão russa na Ucrânia, em 24 de fevereiro, as páginas digitais de numerosos veículos de comunicação russos e estrangeiros foram bloqueadas. O jornal Novaïa Gazeta era um dos últimos bastiões da imprensa independente ainda ativo na Rússia.
Fundado em 1993, o jornal possui uma grande reputação devido às investigações sobre corrupção e atentados aos direitos humanos na Chechénia. Este envolvimento custou a vida a seis dos seus colaboradores, incluindo a jornalista Anna Politkovskaia, assassinada em 2006.
Recentemente, para evitar sanções do Kremlin, o Novaïa Gazeta, havia anunciado a remoção de conteúdos sobre a Ucrânia.
"A lei que sanciona as 'notícias falsas' sobre ações das forças armadas russas entrou em vigor (...), somos obrigados a remover muito conteúdo, mas decidimos continuar trabalhando", indicou o jornal em seu site.
"O gabinete do procurador-geral e o Roskomnadzor [órgão regulador] exigem que o Novaïa Gazeta e outros meios independentes removam o conteúdo que descreve as operações militares no território ucraniano como guerra, agressão ou invasão", explicou o jornal, alertando que, caso contrário, haveria multas enormes e a perspectiva de liquidação das mídias.
Na época, para tomar a decisão de seguir operando mesmo sem poder citar a guerra na Ucrânia, o Novaïa Gazeta fez uma enquete com seus assinantes. Das cerca de 6.500 pessoas que responderam, 94% votaram para "continuar trabalhando sob censura militar, atendendo às exigências das autoridades", enquanto apenas 6% se manifestaram a favor de uma "suspensão do trabalho da redação até o final da 'operação especial'".
O que diz a lei de "agentes estrangeiros"
As autoridades russas aprovaram diversas leis que preveem pesadas penas de prisão para o que classificam como "falsas informações" sobre o conflito na Ucrânia.
Além disso, a lei sobre "agentes estrangeiros" é outra arma utilizada pelas autoridades contra as organizações ou indivíduos críticos ao Kremlin.
Desde 2012 essa lista do governo russo tem sido usada para cercear as operações tanto de veículos internacionais de mídia quanto de organizações sem fins lucrativos que recebem financiamento do exterior, em especial aquelas ativas na política ou que informam sobre corrupção.
Uma vez rotulados pelas autoridades como "agente estrangeiro", indivíduos e organizações ficam obrigados a indicar o fato em qualquer conteúdo que publicarem, até mesmo postagens nas redes sociais. Os "agentes estrangeiros" também são obrigados a apresentar ao governo relatórios sobre suas atividades a cada seis meses.
Mais de 100 veículos de comunicação e indivíduos estão atualmente na lista, incluindo as emissoras públicas dos EUA Voice of America e Radio Free Europe/Radio Liberty e as ONGs Anistia Internacional e Human Rights Watch.
le (Lusa, AFP, ots)