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Jogar ou não jogar, eis a questão

28 de abril de 2020

Em meio a pandemia, Bundesliga pleiteia junto ao governo volta do futebol com jogos-fantasma. Políticos, policiais e torcedores classificam proposta de irresponsável, e não há notícia de que jogadores foram consultados.

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Bola com máscara
Bundesliga propõe distanciamento entre jogadores e comissão técnica e uso de máscarasFoto: picture-alliance/Geisler

O mundo do futebol alemão estará de olho na videoconferência da chanceler federal Angela Merkel marcada para a próxima quinta-feira (30/04). É nela que a chefe de governo e seus ministros irão debater com os governadores dos 16 estados que compõem o país um eventual relaxamento adicional das medidas restritivas de isolamento e distanciamento social em vigor desde a eclosão da pandemia de covid-19.

Especula-se que o volumoso protocolo de 50 páginas encaminhado pela Bundesliga ao governo pleiteando a volta do futebol, com jogos a portões fechados, entre na pauta do debate. No documento, consta um manual de procedimentos para garantir a segurança sanitária de todos envolvidos, como utilização de diversos ônibus, distanciamento entre jogadores e comissão técnica, uso de máscaras, entrada separada dos times em campo, etc.

O catálogo de medidas preventivas elaborado pelos médicos da Bundesliga serve de base argumentativa para o objetivo de obter um sinal verde das autoridades para a continuação da atual temporada com os assim chamados jogos-fantasma, sem público nas arquibancadas.

Chama a atenção que nesse documento elaborado pela força-tarefa médica consta um aviso que, para o leitor mais distraído, pode passar despercebido: "Não é objetivo desse plano garantir uma segurança sanitária de 100% a todos os participantes. Isto seria praticamente impossível." Mesmo assim, a Bundesliga entende que, "considerando a importância do futebol para a sociedade" como um todo, é aceitável correr o risco de haver danos colaterais.   

Ainda de acordo com a proposta, todos os jogadores deverão se submeter pelo menos uma vez por semana ao teste para diagnóstico da covid-19. Havendo a identificação de um atleta contaminado, imediatamente o jogador deverá ser colocado em quarentena. Enquanto isso, seus colegas de time continuarão correndo atrás da bola.

Em recente pesquisa de opinião do instituto infratest dimap, encomendada pela TV pública ARD, 90% dos cidadãos entendem que, se um jogador de uma equipe estiver infectado com o coronavírus, não apenas ele, mas também todo o time deverá se submeter à quarentena. 

É ponto pacífico aceito pela maioria dos virologistas que a única possibilidade de limitar a disseminação do vírus é reconstruir a linha de pessoas contatadas pelo infectado para o imediato isolamento de todos. Fica evidente o motivo pelo qual no projeto apresentado pela Bundesliga, isso não está previsto: porque, para cada teste positivo, o time e os membros da comissão técnica teriam que ser postos em quarentena. Consequentemente, o campeonato imediatamente seria interrompido, e o plano cuidadosamente elaborado com o apoio dos 36 clubes profissionais viraria cinzas.

Para o epidemiologista e deputado Karl Lauterbach, caso o plano da Bundesliga obtenha sinal verde do governo, teremos "um experimento em massa", no qual "jogadores e demais envolvidos são os ratos de laboratório".   

Ute Vogt, porta-voz do Partido Social-Democrata (SPD) para assuntos internos, pondera: "Como vamos explicar aos milhares de pequenos clubes amadores, às crianças e aos jovens que eles continuam proibidos de se encontrar para jogar bola? Fechamos campos de futebol nas várzeas e, ao mesmo tempo, permitiremos jogos dos profissionais? Será um exemplo miserável."

Para o Sindicato da Polícia, há outro problema. O vice-presidente da entidade, Jörg Radek, acha que o plano da Bundesliga para o reinício do campeonato "não levou em consideração todos os aspectos". Ele afirma que talvez seja possível controlar o espaço interno no estádio, mas se mostra preocupado com o espaço público e a segurança sanitária fora das arenas.

"Os estádios onde se realizarão os jogos poderão se transformar em alvo preferencial dos torcedores, o que seria desastroso. Grandes aglomerações continuam proibidas no país, e permiti-las é irresponsável. Caso ocorram, a polícia terá que intervir para garantir a segurança dos próprios torcedores e a ordem pública", disse.

A torcida organizada Pro Fans se manifesta contrária aos jogos-fantasma: "Esta discussão sobre jogos sem público é a expressão do desenvolvimento equivocado do futebol nos últimos anos. Não é de hoje que criticamos a excessiva dependência da TV. Muito mais importante agora seria olhar para o futuro. Federações e clubes serão capazes de tirar algumas lições da absurda situação em que o futebol profissional se encontra hoje?"

Numa das suas recentes coletivas de imprensa, o chefão da Bundesliga, Christian Seifert, justificou seu curso na atual crise: "Eu estou sentado aqui como representante de uma empresa que quer voltar ao trabalho."

É legítimo que um executivo se preocupe com os destinos de sua empresa e como salvá-la da eventual insolvência. Seifert tem experiência empresarial. De 2000 a 2005 foi diretor executivo da KarstadtQuelle, um dos maiores magazines da Alemanha, que pouco depois de sua saída foi à falência. É compreensível também que ele não queira passar por tal trauma.

Por outro lado, a dificuldade em concordar com o plano elaborado pelos dirigentes da Bundesliga e dos clubes está no fato de que para garantir a sobrevivência econômica do futebol profissional não se hesita em aceitar danos colaterais que, em última análise, poderão atingir a saúde dos jogadores.

E por falar em jogadores, vítimas potenciais dos jogos-fantasma, não se tem notícia de que eles tenham sido consultados sobre jogar ou não jogar nas condições propostas.             

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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