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PolíticaItália

Tachada de fascista, Giorgia Meloni atrai desiludidos

20 de setembro de 2022

Favorita para o cargo de premiê da Itália, ultradireitista usa mensagens simples e nacionalistas para pontuar entre insatisfeitos com a política. Críticos apontam ligações de seu partido com fascismo e temem retrocessos.

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Política italiana Giorgia Meloni de boca bem aberta diante de um microfone
Girogia Meloni vem se esforçando para parecer moderada, mas pesquisador aponta que existem "muitos exemplos dentro de seu partido, incluindo personalidades de liderança, que estão intimamente ligadas ao passado fascista"Foto: Cecilia Fabiano/LaPresse/Zuma/picture alliance

Na tela ao lado do palco, um vídeo com a candidata roda em um loop infinito. Giorgia Meloni sorri o tempo todo e aperta mãos. Sua voz ressoa na Piazza del Carmine, que se enche com mais e mais pessoas. Todos vieram a Cagliari, a maior cidade da Sardenha, para ouvir a candidata com a melhor chance de se tornar a próxima primeira-ministra da Itália − e a primeira mulher do país a ocupar o cargo. Nas pesquisas mais recentes antes das eleições parlamentares de 25 de setembro, ela é apontada como favorita.

Mercedes Usai chegou cedo para conseguir um lugar o mais próximo possível do palco. Agora, ela está na primeira fila. Seus olhos brilham. "Acredito na Giorgia! Confio na força dela", diz a mulher de  49 anos.

Mercedes é membro do partido nacionalista de direita Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia), liderado por Meloni, e acredita firmemente que a Itália está prestes a mudar − uma mudança em favor dos trabalhadores, estudantes, empresários italianos. Sempre colocar os italianos em primeiro lugar é a promessa de Meloni.

"Trabalho como faxineira em uma empresa privada e ao mesmo tempo como professora substituta em uma escola fundamental", diz Mercedes. A italiana reclama que precisa de dois empregos "para sobreviver" porque arcar com as despesas está se tornando cada vez mais difícil. Ela mal consegue pagar a hipoteca de sua casa.

Giorgia Meloni
Giorgia Meloni no comício em Cagliari Foto: Alexandra von Nahmen/DW

Muitos que participam de eventos de campanha da populista de direita Meloni em Cagliari ou em outras cidades italianas contam histórias semelhantes. O aumento dos preços da energia e a inflação os preocupam. O medo de perder o emprego é grande. Ninguém aqui confia na classe política do país.

A estratégia anterior de Meloni, de rejeitar qualquer participação no governo e permanecer fiel a si mesma como o único partido da oposição, agora parece estar funcionando. Insatisfeitos com todos os outros partidos, muitos aparentemente estão dispostos a votar nela.

Representada como um "monstro"

De repente, a música fica mais alta. A polícia se reúne nos bastidores. Vestida toda de branco, Giorgia Meloni entra no palco. A candidata de 45 anos mostra-se firme, às vezes sarcástica e sempre clara em suas mensagens. Suas aparições parecem sempre seguir o mesmo padrão.

Mercedes Usai
Mercedes Usai: dois empregos para sobreviverFoto: Adriaan De Loore/DW

Meloni fala livremente durante uma hora. Ela critica seus oponentes políticos, que a retratam como um monstro, como uma racista. Ela acusa a União Europeia (UE) de incompetência, afirmando que o bloco quer regular a vida cotidiana dos europeus nos mínimos detalhes, mas não consegue controlar a crise de energia. O grande capital e a elite liberal − Meloni parece não querer ser muito específica −, "eles" são os responsáveis ​​por tudo que está dando errado na Itália. Sobretudo em matéria de imigração e política de refugiados.

Agenda anti-imigração

"Vocês viram imagens de refugiados ucranianos? São mulheres e crianças fugindo da guerra", gosta de dizer a candidata de extrema direita. Mas quem vem para a Itália pelo Mediterrâneo são em sua maioria homens. "O que há de errado aí?", pergunta Meloni, e ela mesma dá imediatamente a resposta: "Talvez os homens não estejam fugindo de uma guerra? Ou eles deixaram suas esposas e filhos para trás para travar uma guerra?"

Durante a campanha eleitoral, Meloni distribuiu um vídeo que supostamente mostrava uma mulher ucraniana sendo estuprada por um africano. Para ela, uma prova da precária situação de segurança na Itália. Quando foi massivamente criticada por isso, Meloni contra-atacou e acusou a esquerda de mostrar solidariedade com mulheres estupradas apenas se o agressor fosse um italiano e "não um migrante ilegal".

Sem medo de polêmicas

A populista de direita não foge de temas controversos. Mas, na maioria das vezes na campanha eleitoral, ela se esforça para parecer moderada e até mesmo uma estadista. Seu partido não pressiona mais pela saída da Itália da UE, enfatizando sua solidariedade com a Ucrânia. Em um discurso à mídia internacional, Giorgia Meloni tentou se distanciar do legado fascista de seu partido, afirmando que para a direita italiana o fascismo faz parte da história há décadas.

Mas Paolo Berizzi não acredita nela. Há anos, o repórter do jornal La Repubblica pesquisa o fenômeno do neofascismo na Itália, e para isso trabalha sob proteção policial. O Irmãos da Itália ainda tem infiltrados partidários do ex-ditador Benito Mussolini, diz Berizzi. Ele não acha que seja coincidência que a chama tricolor, comumente vista como símbolo neofascista na Itália, tenha sido escolhida como símbolo do partido.

Público do comício com bandeiras e celulares nas mãos
Apoiadores durante a campanha eleitoral em CagliariFoto: Alexandra von Nahmen/DW

Existem "muitos exemplos dentro do partido, incluindo personalidades de liderança, que estão intimamente ligadas ao passado fascista". Há parlamentares e até pessoas no círculo íntimo de Meloni, diz Berizzi, que usam repetidamente slogans fascistas nas redes sociais.

Medo do retrocesso

Enquanto isso, na Piazza del Carmine, em Cagliari, a aparição de Meloni na campanha é abruptamente interrompida. Apesar de todas as precauções de segurança, um ativista invadiu o palco para desfraldar uma bandeira do arco-íris.

"Deixe-o falar", grita Meloni para os policiais que querem levar o homem embora. "Quero o direito de casar e adotar filhos", exige o manifestante. "Ok. Você quer muitas coisas. Todo mundo quer alguma coisa", responde Meloni.

Se o incidente é real ou encenado, é difícil dizer. Mas outros manifestantes também se reúnem não muito longe do palco, incluindo alguns ativistas LGBTQ. Dizem que têm medo de Meloni, a quem chamam de pós-fascista. "Nosso medo é que voltemos no tempo. Que, em vez de melhorar nossos direitos e avançar com ideias progressistas, sejamos transportados de volta a uma era que tememos."

Apoiadores encantados, manifestantes preocupados

Apoiadores de Meloni na frente do palco não parecem se importar. Mercedes Usai − ainda perseverante na primeira fila − parece absorver cada palavra dita pela candidata. Depois do comício, ela ainda fica muito tempo na praça para tirar selfies com as amigas. "Giorgia nos deixou todas aqui felizes com sua performance", diz.

Questionada se ela se incomoda quando Meloni é chamada de fascista pelos manifestantes, Mercedes sacode a cabeça violentamente e diz: "Se nos chamam de fascistas, então direi como Giorgia Meloni: não me importo!"

A própria candidata não responde a esse tipo de perguntas nessa noite. "Você vai remover os neofascistas do seu partido?", pergunta a reportagem da DW. Mas Meloni entra em seu carro sem dizer uma palavra, acompanhada de gritos de "Giorgia, Giorgia" vindos de seus apoiadores.