Novo filme de Karim Aïnouz estreia nos cinemas brasileiros
25 de abril de 2013Estrelado por Alessandra Negrini e Thiago Martins, O abismo prateado, título do último filme do cineasta cearense Karim Aïnouz, conta 24 horas na vida de Violeta, uma mulher de 40 anos que se aventura pelas ruas do Rio de Janeiro após saber que foi abandonada pelo marido.
O filme inspirado na canção Olhos nos Olhos, de Chico Buarque, foi selecionado em 2011 para a Quinzena dos Realizadores, importante mostra paralela do Festival de Cannes, e foi o vencedor do prêmio de melhor diretor no Festival do Rio. Também ganhou os prêmios de melhor atriz, som e fotografia no Festival de Havana (Cuba).
A estreia do novo filme do diretor de Madame Satã (2002), O céu de Suely (2006) e Viajo porque preciso, volto porque te amo (2010) acontecerá nesta sexta-feira (26/04). Em 2011, por ocasião da seleção para a Quinzena dos Realizadores em Cannes, Aïnouz falou em entrevista exclusiva à DW Brasil sobre o filme e sua relação com o universo de Chico Buarque.
DW Brasil: Como foi o início do projeto sobre um filme baseado na canção Olhos nos Olhos de Chico Buarque?
Karim Aïnouz: O produtor Rodrigo Teixeira havia comprado os direitos sobre algumas músicas de Chico Buarque. Ele me perguntou se eu não queria fazer um filme inspirado numa dessas músicas. Eu perguntei: Pode ser Olhos nos Olhos? Ele disse que sim, então o ponto inicial foi imaginar um filme a partir de uma canção.
Por que você escolheu essa canção?
Essa era uma música que eu sempre ouvia para curar fossa. E você sabe, para curar fossa a gente tem que entrar cada vez mais nela. E eu sempre quis fazer um filme de amor e essa canção é escrita como se fosse uma carta de amor. Na verdade, o Viajo porque preciso também foi um filme de amor bastante parecido com este, porque são histórias de separação.
Nessa sua nova história de amor você acompanha um dia na vida de Violeta, uma mulher que foi abandonada pelo marido. Porque somente um dia?
Porque eu estava muito interessado em fazer um filme sobre uma sensação, sobre como você reage a uma perda. Quando eu li a música, eu não a li somente como uma música, mas como uma carta de reencontro. Além da perda, o que há de traumático nessa história é que esse homem não olhou nos olhos dela, não deu chance para ela se defender.
O filme acontece numa noite, porque eu queria imaginar a dor que essa mulher passou após ter sido abandonada subitamente. O filme fala sobre a sensação de perder alguém de uma hora para outra, alguém que deixou um recado no celular, "vou embora", depois de 15 anos de relacionamento. Mais do que fazer um filme descritivo sobre o que a música fala, eu procurei compreender o que gerou aquela música, quem era o sujeito daquela história.
Por que você escolheu o título O abismo prateado para contar uma vivência de abandono?
Eu preferiria que o público descobrisse isso por si mesmo. Mas, de qualquer forma, você pode olhar para um abismo como um buraco ou pode pensar que lá embaixo existe algo que seja redentor. Na verdade, ela se deparou com um abismo. Uma perda súbita é sempre uma sensação abissal. Mas ao mesmo tempo a palavra prateado vem acompanhada de uma possibilidade de certo futuro, um certo porvir.
Como o filme se relaciona com Chico Buarque?
Olha, eu preferi não ter uma relação com o Chico Buarque. Ele é um dos compositores mais importantes da história da música brasileira. Então, eu fiquei com medo de ficar tendo uma relação reverencial diante do Chico e só fui conhecê-lo (...) quando houve o anúncio do convite de Cannes [em 2011]. Nós fomos apresentados no estúdio onde ele estava gravando seu novo disco. Eu queria conhecê-lo e mostrar a ele minha gratidão.
Ele perguntou sobre o filme?
Perguntou, e eu falei: "Daqui a pouco você vai ver!"
Em vez de uma mulher, se fosse um homem, como seria sua história?
Que boa essa pergunta. Eu pensei realmente num determinado momento que poderia ser um homem. Mas, apesar de ser o Chico, quem está escrevendo aquela carta é uma mulher. Eu fiquei muito intrigado quando surgiu a oportunidade de fazer o filme, porque o Chico tem uma capacidade muito grande de falar do universo feminino de um ponto de vista masculino, onde ele se apaga de alguma maneira.
Então, tão longe do Chico Buarque você não esteve?
Não, de forma alguma. Quando esse processo todo começou, havia questionamentos maiores do que a música: onde o filme vai ser feito, a partir de que ponto de vista, o que é o universo do Chico Buarque, o que é a classe média, tudo isso são questões que vieram do conjunto da obra e do imaginário do Chico Buarque.
A sua atriz principal, Alessandra Negrini, é um rosto bastante conhecido da televisão. Existe uma espécie de dependência do cinema brasileiro em relação à TV?
Eu não diria dependência, mas um problema. Porque é um país onde você tem canais de televisão com índices de audiência impressionantes. Porque é um país onde o cotidiano das pessoas é regido por uma grade de televisão que não muda há 40 anos. A presença na televisão no Brasil é muito forte e compromete de alguma forma a existência do cinema, porque se trata de uma população que está acostumada com um repertório visual televisivo.
Mas, ao mesmo tempo, quando se tem um filme que trabalha com certos parâmetros de gênero, como foi o caso do Tropa de Elite, então é um grande sucesso. O Tropa de Elite é um filme de ação, um formato conhecido da televisão. Então, ao mesmo tempo que a onipotência da televisão no Brasil é uma questão, acho que algumas coisas estão começando a se apontar em outro sentido.
Este meu novo filme, por exemplo, "flerta" com filme de terror em alguns momentos, ou seja, ele se relaciona com o gênero, que é um código já estabelecido e com o qual o público se relaciona de forma muito mais familiar. E o filme também fala sobre a classe média, que até agora parecia ser propriedade privada da televisão.
Você já mora na Alemanha há algum tempo, chegando até mesmo a ter editado seu novo filme em Berlim. Como você vê o novo cinema alemão?
É um cinema onde o roteiro é muito importante, mas eu sinto falta de uma certa bagunça, uma certa improvisação, um certo acidente. Ao mesmo tempo é um cinema que tem uma precisão e que tem uma coisa muito bacana: é um cinema que tenta com muito esforço se relacionar com o público. Há a Escola de Berlim, que acho particularmente interessante, porque é um cinema mais autoral e que também tem um certo frescor.
O seu filme parte de um texto. Por haver essa cultura da televisão no Brasil, a imagem teria uma importância maior tanto no cinema quanto na televisão?
A questão da imagem é irrelevante na televisão brasileira. Você pode ver uma novela no rádio. Eu não acho que a visualidade seja um traço forte da televisão brasileira. Pelo contrário, ela é irrelevante. O que interessa é o texto, o melodrama. O que me interessa nesse meu novo filme em particular é falar sobre esse universo da classe média, que é uma arena da televisão, mas com outro olhar.