Iniciativas que evitaram desastre ainda maior na pandemia
30 de dezembro de 2020Quando a notícia da pandemia chegou ao sertão baiano, a apreensão tomou conta das comunidades rurais. Com um cenário constante de escassez de água e solo pouco produtivo nesta porção do semiárido brasileiro, Noilton Pereira, fotógrafo da cidade de Ruy Barbosa que coordena um projeto social, sabia que mais famílias sofreriam com a falta de alimento.
Logo muitos doadores da iniciativa, que ele batizou como "Sertão Forte", sumiram. São eles que contribuem com a compra de fotos que Pereira tira dos moradores da região, que está dentro do chamado Polígono das Secas, e que ajudam na aquisição de cestas básicas.
Com o agravamento da pandemia, inúmeras famílias em necessidade se somaram às 20 que recebiam apoio mensal de Pereira. Mas um reforço inesperado apareceu. "Vimos a fome aumentar, mas a ajuda chegou bem na hora pra suprir", conta.
Mais cestas básicas passaram a ser doadas por outras entidades para que o fotógrafo as distribuísse pelo sertão de Ruy Barbosa durante a pandemia. Nos últimos meses, ele acabou perdendo as contas de quantas foram, mas se lembra da marca recorde atingida no fim de 2020. "Sei que só em dezembro foram 400", afirma.
Durante as entregas, os retratos que são vendidos e trazem recursos para o projeto não deixaram de ser feitos. O dinheiro que arrecada com a venda dessas imagens e de vaquinhas virtuais também constrói casas para famílias que vivem em condições precárias.
"São famílias que vivem na zona rural e que produziam. Mas a seca, a falta de investimento na agricultura familiar dificultam muito. Essas pessoas não têm terra, vivem em locais emprestados, que alguém deixou morar provisoriamente", conta o ex-radialista sobre o perfil local.
Até agora, 20 casas já foram entregues e duas estão construção, com previsão de serem finalizadas no início de 2021. "Como radialista, sempre visitava as comunidades, via as dificuldades, mas não sabia como ajudar. O Sertão Forte foi uma maneira de fazer algo e mostrar ao mundo as pessoas fortes que vivem aqui", detalha Pereira.
Apoio a indígenas
Na cidade mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, o temor era que a chegada do novo coronavírus significasse uma catástrofe. Mas o diálogo entre diversas autoridades públicas e organizações da sociedade civil, uma proeza num ano de tantos conflitos, salvou centenas de vidas.
Um Comitê de Enfrentamento à covid-19 foi formado imediatamente, sob coordenação de Marivelton Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foin), com participação do poder municipal, Exército, Fundação Nacional do Índio (Funai), Igreja Católica, Instituto Socioambiental (ISA) entre outros.
Uma das primeiras medidas foi explicar aos indígenas os perigos do vírus. Cartilhas foram distribuídas em quatro línguas (Baniwa, Tukano, Nhengatu e Dâw), carros de som circulavam pela cidade, os 350 equipamentos de rádio distribuídos pela Terra Indígena transmitiam mensagens de precaução e pediam para que todos ficassem em suas aldeias.
Com atendimento básico de saúde limitado na cidade, os casos mais graves eram encaminhados para Manaus, a mais de 850 quilômetros de distância. "A gente imaginou que pudesse acontecer o pior. São Gabriel da Cacheira não tem estrutura para lidar com uma pandemia, não tem Unidade de Tratamento Intensiva, não tem respirador", diz Juliana Radler, que atua no Programa Rio Negro do ISA.
Com medo de não sobreviverem à viagem, ou de não encontrarem um leito disponível na capital, de onde partiram inúmeras imagens chocantes do colapso durante a pandemia, os indígenas infectados de São Gabriel decidiram permanecer no território. Foi então que uma estrutura trazida de longe, da cidade paulista de Campinas, evitou o pior.
Enfermarias de campanha foram distribuídas em 14 unidades montadas dentro da Terra Indígena pela organização Expedicionários da Saúde, que oferece atendimento médico voluntário a povos da Amazônia. No auge da pandemia, mais de 400 casos foram tratados nesses locais.
De todo o Brasil, com apoio de organizações como Greenpeace, Médicos Sem Fronteiras e do médico Drauzio Varella, chegaram equipamentos de proteção, álcool em gel, produtos de limpeza e cestas básicas chegaram. Eles foram distribuídos nas aldeias no pior momento da crise sanitária.
"Desde o início, ficou clara a incapacidade do governo federal de responder à crise, principalmente na Amazônia. Essa união entre entidades, esse diálogo, fez com que uma grande tragédia humanitária fosse evitada", diz Radler.
Ajuda na linha de frente
Para os profissionais de saúde que atuam na linha de frente de combate à covid-19, o esgotamento físico e psicológico acompanharam o ano de 2020. Ciente dessa condição, a psicóloga Simone Silvestrini Hallak, que à época estava grávida de três meses, mobilizou voluntários para que eles não sucumbissem.
"Eu vi que nós, psicólogos, poderíamos ajudar neste momento dando suporte emocional para esses profissionais enfrentarem essa pandemia. É um enfrentamento de guerra, e eles são como os soldados", fala Hallak sobre a motivação.
A ideia deu vida à Rede do Bem, que reuniu 42 psicólogos que ofereciam atendimento online e gratuito. Até agora, 128 profissionais da saúde de todo o país buscaram esse tipo ajuda, a maioria deles são enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, que trabalham dentro das UTIs e lidam diretamente com pacientes graves.
Débora Cândido de Azevedo, psicóloga clinica e professora, supervisionou os atendimentos. "As queixas foram se modificando ao longo do tempo. No início da pandemia, era o medo. Depois, ao longo do tempo, eram cansaço e estresse", afirma sobre o perfil dos que buscaram apoio.
Quando 2020 se aproximou do fim, os relatos se voltaram mais para a dificuldade de lidar com o afastamento da família, problemas nas relações causadas pelo estresse e aumento do uso de álcool, relata Azevedo. Ansiedade, medo da morte, depressão, insônia e luto eram comuns aos que estão no front.
"O mais importante foi eles saberem que têm um espaço de apoio, saber que eles não estão sozinhos. Isso é fundamental", diz Azevedo sobre a Rede do Bem.
Auxílio a mulheres empreendedoras
No coração financeiro do país, em São Paulo, Ana Fontes e sua equipe precisaram de muita agilidade e horas intensas de trabalho para ajudar as 750 mil brasileiras que fazem parte da Rede Mulher Empreendedora.
Elas atuam nos mais diferentes ramos, tamanhos de negócio e regiões. "E entraram em pânico num primeiro momento. Recebíamos centenas de mensagens perguntando o que deveriam fazer já que, para 40% delas, o negócio é a fonte de renda da família", relembra Fontes as reações ao impacto econômico da pandemia.
Quase que de imediato, a Rede preparou uma série de cursos online sobre vendas na internet, reestruturação das contas e outros temas urgentes às empreendedoras. Mas Fontes foi além para responder aos tempos de crise.
Focadas em mulheres que não tinham como gerar renda por conta da pandemia e em vulnerabilidade social, ela colocou de pé em um mês uma operação gigante. Era o projeto "Heróis usam máscaras", apoiado por bancos, que produziu 12,5 milhões de máscaras e gerou renda para 6500 mulheres costureiras no Brasil todo.
"Pra recuperar a economia, a gente precisa das mulheres, precisa ajudar e incentivar as mulheres", afirma Fontes, que fundou a Rede em 2010 e já ganhou diversos prêmios.
Para 2021, um outro projeto já está engatilhado: Potência Feminina. Fomentada pelo Google, a organização pensou em soluções para ajudar mulheres que vivem em periferias do país. Foram selecionadas iniciativas como a que apoia marisqueiras no bairro de Vergel, em Alagoas.
Ao todo, 50 mil mulheres serão capacitadas ao longo de dois anos. Elas vão receber mentoria, acompanhamento do projeto, aceleração e, ao fim, 180 negócios receberão 10 mil reais como capital semente para o desenvolvimento.
"O número de mulheres falando em empreender aumentou. Isso porque elas foram as mais demitidas, foram as que sofreram mais fortemente o impacto e precisam gerar renda. E o empreendedorismo é um caminho", comenta Fontes sobre os desafios para 2021.