Inflação nos 25 anos do real foi de 508%
3 de julho de 2019Muitos ainda se lembram de ir à padaria nos anos 1990 com uma nota de 1 real e voltar para casa com 10 pãezinhos – uma rotina impraticável hoje em dia. De 1° de julho de 1994 até maio deste ano, o real acumulou inflação de 508,1%, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial do país.
Em uma comparação simples, hoje 6,08 reais equivalem o que há 25 anos vinha estampado na nota de 1 real, já extinta da circulação nacional. Apesar do índice, que à primeira vista pode parecer elevado para os jovens que não vivenciaram a escalada diária de preços, o real completou 25 anos em circulação nesta semana e se tornou a mais longeva moeda da história contemporânea do país.
De fato, ele foi decisivo para derrubar os índices galopantes de aumento dos preços, que se avolumaram desde a década de 1980 com novo ápice em 1993, ano da montagem da equipe econômica responsável por elaborar a proposta. Apenas no primeiro semestre de 1994, quando as moedas ainda eram o cruzeiro e o cruzeiro real, a inflação oficial acumulou 757%. Nos 12 meses anteriores à implantação da nova unidade monetária, totalizava 4.922%, segundo o Banco Central. O índice, que finalizou 1994 com 916%, caiu para 22% em 1995.
Contudo, para especialistas, como André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), a estabilidade da moeda merece cuidados permanentes. Para Raul Velloso, ex-secretário nacional adjunto (1990-91) e ex-secretário para assuntos econômicos (1985-89) do Ministério do Planejamento, a inflação não é mais um problema no Brasil, que hoje precisa "descobrir como voltar a crescer".
Apenas nos últimos seis anos, quando a economia brasileira começou a demonstrar sinais de enfraquecimento, a inflação foi de mais de 40%, conforme o IPCA. De maio de 2009 a maio deste ano, o acumulado é de 77%. Os atenuantes foram os bons resultados no ano passado e em 2017, que fecharam abaixo da meta estabelecida, também impulsionada pela retração da demanda.
Para se ter ideia dos altos e baixos que a moeda brasileira enfrentou desde que começou a circular, o dólar – ao qual o real esteve equiparado em seus três primeiros anos – teve apenas 75% de inflação de 1994 até hoje, segundo o Consumer Price Index (CPI), do governo americano, índice equivalente ao IPC brasileiro.
Real mais valioso que o dólar
Houve um período, aliás, em que 1 real valia mais do que 1 dólar. Nessa época, entre julho de 1994 a junho de 1996, o Banco Central comprava ou vendia a moeda americana para manter o câmbio fixo, numa tentativa de estabilizar a cotação, enquanto o modelo econômico ainda engatinhava.
Bom para as importações, que na época permitiram a explosão de lojas como as de "1,99". Em contrapartida, prejudicava as exportações. Os produtos brasileiros se tornaram caros no exterior, e as empresas perdiam em competitividade.
A partir de 1999, o governo federal adotou o câmbio flutuante, sem mais interferência direta do Banco Central para manter a cotação, e a moeda brasileira começou a se descolar do dólar, chegando a ultrapassar os 4 reais em 2002.
Metas anuais geram controle sobre preços
Com esse movimento em relação à moeda americana, o Conselho Monetário Nacional (formado por Ministério da Economia e Banco Central) passou a adotar desde 1999 o sistema de metas anuais de inflação, que para este ano é de 4,25% e deve cair para 3,75% em 2021. O principal mecanismo para manter esse patamar é o ajuste da taxa Selic – referência para todas as taxas cobradas de pessoas físicas e jurídicas.
Ela também é feita anualmente pelo Conselho de Política Monetária (Copom). Se a inflação sobe, a Selic é elevada, e os créditos oferecidos pelos bancos ficam mais caros para consumidores e empresas. Assim, o consumo e o dinheiro que circulam são reduzidos. Com demanda menor, os preços não sobem, mas a economia também pode patinar. Se inflação e juros estão baixos, a economia brasileira fica mais competitiva.
"O sistema de metas é para ancorar expectativas e permitir que a gente tenha um nível mais baixo de inflação. Havendo essa ancoragem das expectativas, isso tudo ajudará a reduzir mais rapidamente o juro e possibilitar que nossa economia encontre recursos para crescer de forma sustentável", avalia André Braz.
Real mais forte nas décadas seguintes
Para Raul Velloso, o resultado do real como moeda longeva também se deve a outros fatores que foram construídos ao longo do tempo no campo econômico. Ele menciona a abertura comercial entre Mercosul e Europa, anunciada na semana passada, mas que é resultado de 20 anos de negociações.
Outro aspecto apontado pelo especialista é a disponibilidade crescente de divisas para o Brasil, com mais dólares entrando e permitindo ampliar as importações, o que aumenta o grau de internacionalização da economia nacional.
Mas, para Braz, a economia nacional ainda é muito refém de fatores externos, muitos dos quais explicam, por exemplo, a inflação de 508% entre 1994 e 2019. Um deles são os chamados preços administrados, estabelecidos por contrato ou por órgão público, pouco sensíveis ao ciclo econômico.
No IPC, índice calculado pela FGV, eles respondem por 25% da cesta de produtos e serviços que apresentam inflação. Seriam os casos de combustíveis e eletricidade, que por falta de refinarias ou usinas de produção de energia, são impactados por insumos e fatores externos.
Além disso, muitos investimentos foram necessários nessas áreas, mas financiados com aumento nas contas ao consumidor. No caso dos combustíveis, como o país não dispõe de refinarias o suficiente, importa gasolina e diesel, tornando-se refém do câmbio e do preço do barril de petróleo.
"Dada a magnitude dos movimentos que eles acumularam ao longo desse tempo, respondem por boa parte dessa inflação de 500%, acumulada do real para cá", afirma Braz.
Apesar da desvalorização da nota de 1 real, o poder de compra da população cresceu em termos reais desde 1994. Na época, o salário mínimo era de 64,79 reais (o que, corrigido pelo IPCA, daria hoje 394,04 reais). Agora está em 998 reais, um crescimento real de 153,3%, influenciado pela estabilidade econômica.
Desafios para a economia depois da inflação
Velloso e Braz concordam que encontrar mecanismos para o crescimento da economia brasileira é urgente para manter a estabilidade, reduzir o desemprego e atrair investimentos. Braz defende que uma reforma da Previdência é essencial.
"Enquanto ela não sair, emperra, por exemplo, o investimento público. A gente sabe que o governo investe tanto nas atividades e consome bens e serviços quanto as famílias. Mas um Estado que não tem recursos para consumir torna a recuperação da atividade mais lenta."
Velloso é mais cauteloso e afirma que há discussões entre economistas que já põem em dúvidas se a reforma por si só terá capacidade de reaquecer os motores econômicos.
"Hoje, o problema da inflação foi substituído por outro. E a pergunta que se faz é: por que a economia não começou a se recuperar? Por que o gatilho do crescimento ainda não foi disparado? Aí entrou a reforma da Previdência, apresentada com a seguinte colocação: 'Se aprovar a reforma, o crescimento volta'. E hoje já está todo mundo contestando isso. Pode ser condição necessária para voltar, mas não é suficiente", diz o ex-funcionário do Ministério do Planejamento.
Reforma tributária e abertura para o exterior são outros elementos já apontados como necessários na sequência. O que é consenso, no entanto, é que o dragão da inflação não ameaça mais o dia a dia das pessoas como no passado.
"Hoje, a sensação é que o problema da inflação ficou para trás, está resolvido. Ninguém se interessa mais por ele no Brasil. Antigamente, ele era a única prioridade", conclui Velloso.
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