Indígenas são perdedores no processo de paz na Colômbia
1 de dezembro de 2017Num lugarejo em Frontino, na Colômbia, a quatro horas de carro da metrópole Medellín, uma dúzia de cabanas simples de madeira se enfileira, cercada por plantações de cana-de-açúcar e encostas verdejantes.
Aqui moram cerca de 200 pessoas, três a quatro famílias por habitação, mais galinhas, cachorros e gatos. Camas não há, muito menos água potável ou instalações sanitárias. A aldeia é o lar de uma pequena comunidade emberá katío, um dos grupos indígenas colombianos.
Anos atrás, quando o número de moradores era dez vezes maior, as tropas paramilitares vieram e mataram muitos deles. "Eles nos disseram que iam matar outros", conta Felipe Bailerín. "Por isso nós precisávamos fugir. Deixamos tudo para trás nas nossas casas: os porcos, bois, cavalos. A pressa era grande."
"Perdemos tudo"
Durante anos, os nativos desalojados viveram praticamente no exílio, só tendo retornado há pouco para sua aldeia. Das antigas posses, sobretudo de suas terras, não sobrara muito. Um latifundiário tomara para si quase todos os campos. Hoje, ele deixa os emberá katío trabalharem em sua plantação de cana, em regime irregular e mal pagos.
"Perdemos tudo o que tínhamos", lamenta Felipe. Os membros da comunidade não têm mais área suficiente para plantar milho ou feijão que alimente suas famílias. Muitas crianças são subnutridas, sofrem diarreia e outras moléstias.
O destino de Bailerín e sua aldeia não é um caso isolado na Colômbia, onde cerca de 3,4% da população é de indígenas. Nos 50 anos de conflito armado entre o Estado, grupos de guerrilha, quadrilhas criminosas e paramilitares, eles foram especialmente atingidos, continuamente expulsos das terras que também constituem sua identidade cultural.
Direitos pisoteados
O motivo: muitos indígenas da Colômbia vivem em regiões intocadas, particularmente cobiçadas pelos grupos em conflito por suas riquezas naturais, como carvão e gás, ou pelas excelentes condições para o cultivo de coca, cana-de-açúcar ou palmeiras de óleo.
Embora a Constituição garanta direitos e territórios próprio aos povos estreitamente ligados à natureza, isso muitas vezes não é respeitado. "Os direitos deles são pisoteados", acusa Monika Lauer Perez, encarregada para a Colômbia da Adveniat, a ação dos católicos alemães para a América Latina. "Eles não encontram quem os ouça, e acesso à Justiça, só com grande dificuldade."
Um exemplo são os moradores da aldeia de Felipe Bailerín: eles gostariam de abrir um processo, exigir o direito a suas terras. Mas isso é caro, e em geral os indígenas não possuem escrituras dos territórios.
Ruim com as Farc, pior sem elas
O acordo de paz entre Caracas e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) teve o apoio de grande parte da população indígena no país. Eles esperavam tratar-se de um primeiro passo em direção à paz e a uma distribuição de terras mais justa. Porém, com o tratado vieram novos problemas.
"A repartição estatal responsável pela devolução das terras geralmente delibera em favor dos latifundiários, não dos indígenas", afirma Lauer Perez. "Pode-se dizer que o desrespeito aos direitos continua desenfreado, mesmo que sem violência armada."
Além disso, com a retirada das Farc também desapareceu aquela que era, até certo ponto, uma instância de proteção para os índios. Embora a guerrilha fosse indesejada pela maioria das comunidades nativas, ela não era o maior inimigo.
"Com as Farc, chegava-se a algum tipo de arranjo. Sabia-se o que elas queriam, por exemplo plantar coca. Mas, na concepção dos índios, elas respeitavam a terra e cuidavam para que as indústrias agropecuária e mineradora não entrassem lá", explica Lauer Perez. "Os indígenas estão muito apreensivos sobre como a coisa pode ser contida." Por parte do governo, eles não têm por que esperar grandes ajudas.
Também na opinião de Ulrich Morenz, assessor para a Colômbia na Associação para Povos Ameaçados (GfbV, na sigla em alemão), as Farc representavam um certo "poder ordenador" para os nativos, apesar de tudo. Agora, quando problemas aparecem, ninguém mais sabe com quem negociar. "Bem rápido a decepção se espalhou, pois viu-se que as Farc foram substituídas por outros grupos. Isso também tornou os contextos, em parte, ainda mais complexos."
Indígenas resistirão
Novos e antigos grupos guerrilheiros, quadrilhas criminosas e paramilitares procuram atualmente preencher o vácuo de poder deixado pelas Farc, desde seu desarmamento, e penetram nas suas antigas regiões.
"As ocorrências violentas, de fato, diminuíram, mas parece que agora se assassina de forma mais direcionada", relata Morenz. "Ativistas sociais, também numerosos indígenas, são atingidos por essas matanças", as quais "acontecem com frequência desproporcional nas regiões em que as Farc eram antes ativas".
Monika Lauer Perez, da Adveniat, acredita que os indígenas colombianos ainda sofrerão muito, após o tratado de paz. "Mas também acho que eles não vão recuar, como fizeram tantas vezes na história. Acredito que eles estão dispostos a assumir essa briga. Não pegando em armas, mas com seus meios tradicionais, pacíficos."
Na aldeia de Felipe Bailerín, é fato que, nos últimos anos, a violência recuou. Mas a luta está longe de ter acabado. Afinal, como dizem os próprios nativos, um indígena sem terra não é um indígena.