Impressões da Berlinale 2012
20 de fevereiro de 2012A maratona cinematográfica que anima anualmente o fim do inverno de Berlim acabou no domingo (19/02). A Berlinale trouxe à cidade mais de 450 novos filmes de todo o mundo e afirmou seu caráter político e um domínio europeu nos filmes em competição.
Se na mídia as grandes estrelas do festival foram as americanas Angelina Jolie, que apresentou seu filme de estréia In the land of Blood and honey, e Meryl Streep, homenageada pelo conjunto de sua obra, quem realmente brilhou durante esses dez dias foi a seleção de grandes filmes.
Triunfo europeu
Os europeus brilharam na competição oficial da Berlinale neste ano, o que se refletiu na premiação. Filmes como o suíço Sister, de Ursula Meier, e o húngaro Just the wind, de Bence Fliegauf, tratavam de temas relevantes e atuais no continente e acabaram premiados.
As grandes surpresas da premiação foram os prêmios de roteiro e melhor ator para Mikkel Boe Følsgraad, no drama dinamarquês A royal affair e, o prêmio de melhor atriz para a jovem Rachel Mwanza, por Rebelle, filme canadense que mostra os horrores da Guerra civil no Congo.
Com três fortes nomes na competição, os alemães saíram com o prêmio de diretor para Christian Petzold por Barbara. Favorito da crítica alemã, o drama político é um bom filme, mas não chega a ser extraordinário. Fiquei mais tocado com Was bleibt, o drama familiar de Hans-Christian Schmid mostra o fim de semana de uma família onde segredos e problemas vêm à tona. Tocante e com grandes atuações, o filme deve, ao lado de Barbara, fazer uma boa carreira internacional.
Apesar da surpreendente escolha, o Urso de Ouro para os irmãos Taviani não foi uma surpresa para a crítica internacional, que havia ovacionado o filme. O drama documental que mostra um grupo de prisioneiros encenando Júlio César dentro de uma prisão de Roma fez justiça aos lendários irmãos italianos.
Captive, de Brillante Mendonza, era um dos meus favoritos ao prêmio, mas acabou não sendo lembrado. O drama estrelado por Isabelle Huppert é um dos mais poderosos filmes dos últimos anos, apesar do estilo ousado do filipino parecer às vezes gratuito.
Por fim, justiça foi feita com os dois prêmios para Tabu. O filme do português Mario Gomes é de um primor e uma criatividade inacreditáveis. Gomes constrói uma história de amor como uma teia, onde o passado e a história portuguesa se misturam com um amor quase amaldiçoado. Com ironia e firmeza, ele brinca com o cinema mudo de forma inovadora, sem nenhuma pretensão. Um grande filme, que eu espero que encontre seu público e reconhecimento.
Panorama brasileiro
Os dois longas-metragens brasileiros participantes da Berlinale deste ano estavam na mostra Panorama, que tende a trazer filmes de cineastas consagrados, filmes políticos e tem um forte programa de documentários.
Cao Hamburger voltou a Berlim com seu novo filme, Xingu, que conta a história dos irmãos Villas-Bôas, criadores do Parque Nacional do Xingu. Apesar das belas imagens, o filme de Hamburger é previsível e correto. Por se tratar de uma história real, muito acontece e pouco se desenvolve. O filme ganha força quando foca no drama familiar dos Villas-Bôas e na grande atuação de João Miguel.
Xingu terminou em terceiro lugar na votação do público da Panorama. O mais votado foi Parada, do sérvio Srdjan Dragojevic. Apesar de ser uma comédia simples e quase boba, o filme é um marco para a luta dos direitos gays no país, onde a violência contra homossexuais é um problema grave.
Entre os documentários da Panorama, o brasileiro Olhe para mim agora, dos cineastas Claudia Priscilla e Kiko Goifman, é imperdível. O filme, que se transformou como seu personagem principal, mostra a viagem do transexual Syllvio Luccio pela sua história, através do sertão nordestino. Um filme tocante e instigante, dentro de suas imperfeições.
Também na Panorama, o vencedor do Teddy Awards Keep the lights on, do americano Ira Sacha, mostra o desenvolvimento de uma história de amor marcada pelo uso de drogas. Com algumas boas ideias e trilha sonora do genial Arthur Russell, o filme não empolga, e o grande amor do filme realmente não convence.
Acertos na Forum
A mostra Forum traz à Berlinale filmes de cineastas menos conhecidos ou iniciantes e tem uma abertura maior ao cinema experimental. Esse talvez seja o programa mais difícil para se escolher o que ver. Entre alguns erros e acertos, fui surpreendido por dois filmes de diretores estreantes.
Marlon Rivera fez um divertido retrato da cena cinematográfica em ascensão nas Filipinas no despretensioso The woman in the spetic tank. O filme confirma a boa safra, não só do país, mas do cinema asiático, com fortes títulos vindos da Coreia do Sul e Indonésia.
Minha grande surpresa foi Avalon, do sueco Axel Petersén. Janne é um inconsequente senhor que está prestes a abrir um clube noturno em uma rica e elegante área no interior da Suécia. Apesar da idade, ele vive uma vida jovem com carros, festas, dinheiro e drogas. A banalidade de seus atos acaba provocando um grave acidente, transformando o filme em um criativo e urgente suspense. Um olhar amoral sobre uma burguesia entediada e infantilizada, dando uma outra perspectiva da Europa atual.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Marcio Damasceno