Ilustres inquilinos
17 de dezembro de 2004Um passeio pelas ruas de Berlim basta para evidenciar a função da arte e da cultura em geral no desenvolvimento urbano. Mas quem tiver dificuldades mesmo assim pode visitar a exposição Agora e dez anos atrás, que a galeria Kunstwerke está mostrando até 9 de janeiro na capital alemã.
Gentrification é o nome do processo evidenciado pela curadoria da exposição – uma espécie de revalorização econômica do espaço urbano através da arte, que traz consigo conseqüências tanto positivas quanto negativas. Se por um lado tal processo reafirma a função social da arte, por outro é quase sempre acompanhado da "expulsão" de antigos habitantes.
Tudo começa quando artistas buscam reutilizar o espaço livre para práticas experimentais. A cultura é então empregada como forma de dar uma finalidade futura a espaços abandonados, atraindo galerias de arte e um público interessado, provocando a recapitalização da região e sua reinserção no mercado imobiliário. Não se trata de uma diminuição do poder estatal, mas de uma redefinição de seu modo de agir.
(nova) Nova York
Com a queda do Muro em 1989, Berlim oferecia condições ideais para isso. A própria galeria Kunstwerke é um exemplo. Ela foi fundada em 1990 por Klaus Biesenbach e um grupo de jovens artistas nas dependências de uma antiga fábrica de margarina praticamente em ruínas. Hoje ela é uma das mais respeitadas galerias na Alemanha e no mundo. Biesenbach próprio foi nomeado recentemente um dos curadores do MoMA de Nova York.
Mas o parâmetro é mesmo Nova York, quando se fala em gentrification. Diversas regiões da metrópole norte-americana passaram por processos comparáveis: foram artistas que lideraram o trabalho de revalorização de Soho nos anos 70, East Village nos 80 e Chelsea nos 90, e que agora emprestam uma nova cara ao bairro de Williamsburg.
E foi na East Village que a curadoria se apoiou para analisar os fenômenos que mudaram a paisagem do centro de Berlim. Em poucos anos, a vila se tornou o terceiro maior pólo artístico de Nova York. De uma região de imigrantes, passou a ser habitado por hippies e beatniks nos anos 60, mais tarde por punks e gays que usavam a cidade como meio de expressão de identidade e ativismo político. Aproveitando-se desta atmosfera, cerca de 80 galerias de arte abriram suas portas apenas nos primeiros quatro anos da década de 80.
A cidade é o meio
A exposição está dividida em três partes. A primeira aborda o tema sob o enfoque histórico. São projetos e obras de arte que ilustram o processo dinâmico da gentrification, a exemplo de prédios ocupados, como o K77, no número 77 da Kastanienallee, ou de intervenções urbanas como as paredes pintadas pelo grupo nova-iorquino Art Club 2000 no clube WMF – na terceira das sete localidades pela qual passou desde que começou a funcionar nas antigas dependências da Württembergische Metal Fabrik.
Destaque também para o filme The Battle of Tuntenhaus, da britânica Juliet Bashores, que conta a batalha de uma comunidade de gays e lésbicas para evitar sua expulsão do prédio que ocuparam e batizaram de tuntenhaus (em alemão, algo como casa das bichas).
A segunda parte analisa a presença urbana de inúmeras esculturas feitas com sucata e outros restos industriais encontrados pela cidade, tão típicas em clubes, bares e jardins da capital após a queda do Muro. A exposição aborda a metamorfose de significado pela qual esses objetos passaram – antes pura negação e de pouca relevância no discurso estético da cidade, hoje verdadeiros testemunhos de um estilo de vida típico da Berlim pós-reunificação.
A terceira e última parte trata de projetos individuais e coletivos, com finalidades sociais ou culturais, e o papel que desempenham em processos mais flexíveis e descentralizados de organização urbana. Afinal, muitos deles assumiram funções tradicionalmente desempenhadas por instituições públicas.