Há 50 anos, Israel sofria outro ataque surpresa
8 de outubro de 2023Osataques do grupo radical islâmico Hamas contra Israel neste sábado (07/10) ocorreram 50 anos e um dia após o início da Guerra do Yom Kippur, um evento traumático da história israelense, quando o país foi pego desprevenido pela ofensiva de uma coalizão de países árabes e chegou a ver a sua existência seriamente ameaçada.
Assim como em 6 de outubro de 1973, os ataques deste sábado ocorreram durante um feriado religioso, o Simchat Torah, e também escancarou falhas de serviços de inteligência israelenses, que não detectaram o planejamento e a movimentação altamente coordenada do Hamas para lançar a ofensiva.
Nos últimos dias, a imprensa israelense estava justamente relembrando, por meio de reportagens e testemunhos os 50 anos da Guerra do Yom Kippur, que arranhou a reputação de grandes nomes da política e da defesa israelense à época.
Já o ataque executado pelo Hamas neste sábado é o maior contra Israel desde o conflito de 1973 e marca a mais ambiciosa ofensiva já lançada por um grupo palestino. Nem mesmo a sangrenta Segunda Intifada, no início dos anos 2000, foi palco desse tipo de incursão em massa no território israelense.
No entanto, há 50 anos, o conflito envolveu estados nacionais, com exércitos regulares, apoiados pelas superpotências da época, os EUA e URSS. Os estados que atacaram Israel eram, sobretudo, movidos pelo nacionalismo árabe, sem caráter religioso, e desejavam reverter derrotas anteriores. Já o ataque deste sábado tem como um de seus protagonistas um grupo radical islâmico considerado como terrorista por quase todas as nações ocidentais e que carece de reconhecimento internacional.
Ofensiva durante feriado
Em Israel, o maior feriado religioso judeu é o Yom Kippur, um dia de completa tranquilidade e de jejum: os transportes públicos param, o rádio e a televisão não fazem transmissões, e quem tem um mínimo de fé religiosa renuncia à comida e à bebida. As sinagogas ficam mais cheias: é o dia de pedir perdão pelos grandes e pequenos pecados do ano que se encerra.
Isso era o que se esperava também em 1973: na véspera do Yom Kippur, o país iniciou o tradicional retiro religioso, e os postos de fronteira com os territórios palestinos foram fechados. Porém, fatos fora do comum ocorreram no dia 6 de outubro. Começara o quarto conflito armado do Oriente Próximo, depois denominado Guerra do Yom Kippur.
Ataques simultâneos
Israel fora inteiramente surpreendido: às 14 horas os exércitos do Egito e da Síria atacaram ao mesmo tempo: as primeiras, no Canal de Suez; as outras, nas colinas de Golã. Os sírios e egípcios foram auxiliados por forças expedicionárias marroquinas, iraquianas, jordanianas e cubanas.
Cinco divisões egípcias, com 70 mil homens, cruzaram o Canal de Suez em diversos pontos e puderam vencer facilmente os cerca de 500 soldados israelenses que guardavam a chamada Linha de Bar-Lev, na margem oriental do canal.
Até que chegasse o reforço do interior do país, os egípcios já tinham ampliado suas cabeças de ponte e reconquistado uma parte da Península de Sinai, que fora completamente perdida para Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Nas colinas de Golã, também ocupadas por Israel desde 1967, a guerra começou com um ataque maciço da força aérea e da artilharia sírias. Pouco depois, avançaram divisões blindadas com um total de 1.400 tanques de guerra, seguidas de duas outras divisões. Os israelenses foram surpreendidos também nas colinas de Golã, sofreram graves perdas e tiveram, principalmente, de evacuar os assentamentos construídos na região a partir de 1967.
Combates na Síria
Por pouco os israelenses não perderam o controle sobre as colinas de Golã. Somente no terceiro dia de guerra é que a contraofensiva começou a ter êxito. As colinas foram reconquistadas em dois dias e, a partir do terceiro dia, o palco da guerra era o território sírio.
Os israelenses avançaram até Sasa, a aproximadamente 40 quilômetros de Damasco. Na frente egípcia, forças comandadas pelo general Ariel Sharon (que anos depois se tornaria primeiro-ministro) cruzaram o Canal de Suez e conquistaram o território entre o canal e a estrada Suez-Cairo. Nesse avanço, o Terceiro Exército egípcio foi cercado e isolado do restante do país.
A guerra durou mais tempo do que as anteriores. Entre outras coisas, porque as superpotências abasteceram as partes beligerantes com grande quantidade de armas. Os EUA correram ao socorro de Israel. A União Soviética, em auxílio aos países árabes. As Nações Unidas só puderam conclamar a uma trégua em 21 e 22 de outubro.
A Guerra do Yom Kippur teve implicações de longo alcance. O mundo árabe, que tinha sofrido uma humilhação na guerra 1967, ficou satisfeito com os sucessos iniciais no conflito de 1973, apesar do fracasso tático final.
Além disso, países produtores de petróleo do Golfo, entre eles a Arábia Saudita, anunciaram um boicote à venda de combustível aos países que apoiaram Israel no conflito. A medida, que levou o preço do petróleo a disparar no mercado, teve profundas implicações econômicas na Europa Ocidental e mesmo no Brasil.
Difíceis negociações
No dia 24 de outubro de 1973, os combates terminaram. O Egito teve um total de 15 mil vítimas; a Síria, 3.000 e Israel, 2.500. A situação territorial estava mais confusa que antes. No final de 1973, foi convocada uma conferência de paz da ONU em Genebra, cujos dois encontros em nada resultaram.
Em difíceis negociações no quilômetro 101 da estrada Suez-Cairo, foi feito então um acordo de desentrelaçamento das tropas. No início de 1974, Israel retirava-se da margem ocidental do Canal de Suez.
Também o Egito recuava para a posição anterior ao início da guerra. Com a Síria, as negociações foram feitas através da mediação dos Estados Unidos, representados pelo secretário de Estado Henry Kissinger. Também neste caso, chegou-se a um acordo de desentrelaçamento mútuo das tropas. No Sinai, foram novamente estacionadas tropas da ONU. Às colinas de Golã, foi enviada a tropa Undof, das Nações Unidas, com observadores para o cumprimento do acordo.
Busca dos responsáveis
Depois da guerra, começou em Israel uma busca sistemática dos responsáveis. Para isso, foi instituída uma comissão de inquérito, a Comissão Agranat. Constatou-se logo que o serviço de inteligência militar e também os políticos fracassaram: os preparativos de guerra dos egípcios e dos sírios tinham sido observados desde 1972, mas sempre interpretados como manobras militares ou simulação.
Israel estava seguro demais de sua própria força, tanto da superioridade das próprias tropas como das instalações de defesa no Canal de Suez.
O chefe do Estado Maior das Forças Armadas israelenses, David Elazar, quis mobilizar as tropas antes do início da guerra, mas os políticos vetaram. Eles não acreditavam numa guerra e não queriam, com a mobilização, aumentar a tensão reinante.
A primeira-ministra Golda Meir e o seu ministro da Defesa, Moshe Dayan, renunciaram. A reputação de Dayan, um dos heróis da Guerra de 1967, foi duramente arranhada pela falta de prontidão no conflito de 1973. Também Elazar passou para a reserva. Eles jamais se recuperaram do fracasso inicial na Guerra do Yom Kippur.
Implicações
Mas essa guerra abriu também as portas para os esforços políticos: ambos os lados viam-se como vencedores e assim em igualdade de direitos. Os israelenses também reconheceram que, apesar das vitórias nos campos de batalha, não havia garantia de que suas forças seriam sempre capazes de derrotar militarmente os estados árabes, como havia sido o caso em conflitos anteriores.
Com isso, pelo menos o Egito e Israel finalmente se dispuseram a fazer um acordo de paz, os chamados Acordos de Camp David, que contaram com mediação dos EUA e incluíram a devolução do Sinai para os egípcios e o reconhecimento por parte do Cairo da legitimidade da existência de Israel. Desde então, as relações entre Egito e Israel se normalizaram. E o conflito aberto com a Síria pelo menos não teve nenhuma escalada semelhante, apesar das tensões permanentes.
jps (DW)