Hollywood confronta sua "cultura de bullying"
20 de abril de 2021No início de abril, a revista The Hollywood Reporter revelou acusações de abuso no local de trabalho contra Scott Rudin. O poderoso produtor de cinema e teatro teria quebrado um monitor de computador na mão de um assistente e demitido um funcionário por esse ter diabetes tipo 1. Agora, surgem as consequências destas revelações.
No fim de semana, Rudin, o "superprodutor" por trás de filmes como A Rede Social e Lady Bird: A Hora de Voar, bem como sucessos da Broadway como O Sol é para Todos e O Livro de Mórmon, anunciou que "deixaria de participar ativamente" de suas produções teatrais.
Em uma declaração ao jornal The Washington Post, Rudin se desculpou pela "dor que meu comportamento causou a indivíduos, direta e indiretamente".
O pedido de desculpas de Rudin foi, no máximo, reticente. Claramente, ele não se desculpou por seu comportamento, apenas pela dor que causou, e teve o cuidado de não mencionar seus vários projetos cinematográficos (que incluem o novo filme de Jennifer Lawrence, Red White and Water e The Tragedy of Macbeth, com Denzel Washington e Frances McDormand).
Mas só o fato de um produtor do porte de Rudin se desculpar por qualquer coisa mostra o quanto Hollywood está mudando.
Segunda onda do #MeToo
Scott Rudin é um dos maiores nomes do showbiz. Ele alcançou o "status EGOT", tendo ganhado o conjunto completo dos prêmios Emmy, Grammy, Oscar e Tony – um feito conquistado por uma elite de apenas 16 pessoas até o momento.
Seus filmes foram indicados a 151 Oscars e ganharam 23, incluindo melhor filme por Onde os Fracos Não Têm Vez em 2007. Entre os produtores de Hollywood, Rudin pertence a uma classe própria. Desde 2017, quando seu contemporâneo igualmente bem-sucedido Harvey Weinstein foi derrubado por acusações de assédio sexual e agressão, ele ocupa o topo do setor praticamente sozinho.
As acusações contra Rudin são de outro teor, mas, em muitos aspectos, o produtor – apelidado de "Boss-zilla!" (mistura da palavra "chefe" em inglês com "Godzilla") em um perfil do Wall Street Journal de 2005 – é o impulsor da segunda onda do #Metoo.
O movimento que começou escancarando e condenando o comportamento sexual abusivo de alguns dos homens mais poderosos de Hollywood expandiu seu escopo para desafiar a "cultura tóxica" mais ampla do showbiz, que inclui racismo, humilhação e abuso de poder.
Uma série de casos de abuso
Depois que os atores Ray Fisher e Gal Gadot acusaram o diretor Joss Whedon (Liga da Justiça) de bullying no set e outros abusos, a HBO retirou qualquer menção a ele da campanha de promoção para The Nevers, um seriado de fantasia de alto orçamento criado, escrito e co-dirigido por Whedon.
Também foram demitidos três produtores do The Ellen DeGeneres Show, um programa de entrevistas diurno que é sucesso de audiência, após vários funcionários apresentarem queixas de maus-tratos. DeGeneres, a apresentadora, pediu desculpas no ar.
Em outro caso, a atriz e ativista Gabrielle Union, jurada do America's Got Talent, aceitou um acordo proposto pela emissora NBC após entrar com uma queixa trabalhista que falava em uma cultura tóxica de trabalho. As alegações incluíam o juiz Simon Cowell fumando cigarros no set de filmagens e um convidado – o comediante Jay Leno – fazendo uma piada racista.
Uma longa tradição de homenagear chefes valentões
O que é surpreendente e bem-vindo nisso tudo é como que tais desdobramentos vão contra uma longa tradição de glorificação do "gênio tirânico" pela indústria cinematográfica que remonta aos anos da fundação de Hollywood na década de 1920.
Entre seus notórios chefes de estúdio, estavam, por exemplo, "o monstro da MGM" Louis B. Mayer e o cofundador da Columbia Pictures, Harry Cohn – um homem que mantinha uma foto autografada de Benito Mussolini em sua mesa e que, de acordo com um documentário da BBC de 2017, fez com que mafiosos ameaçassem o ator negro Sammy Davis Jr. para forçá-lo a terminar seu relacionamento com a atriz branca Kim Novak, estrela de Um Corpo que Cai.
Na cultura do showbiz, bullying e abuso sempre foram associados ao sucesso. Mayer, por exemplo, conforme retratado em Mank – filme de David Fincher recentemente indicado ao Oscar –, é rude e abusivo com seus funcionários, mas consegue o que quer. Em sátiras de Hollywood como O Preço da Ambição (1994) e Trovão Tropical (2008), os magnatas da indústria do entretenimento são praticamente psicopatas desequilibrados. Tal comportamento audacioso nem sempre recebe a aprovação do público, mas frequentemente deixa, no mínimo, uma forte impressão.
Combatendo a desumanização de Hollywood
Assim como no caso de Weinstein, os abusos de Rudin no local de trabalho eram um segredo aberto em Hollywood, mas, anteriormente, foram minimizados ou classificados como uma evidência de sua "paixão". Em um perfil de 2010, o The Hollywood Reporter apelidou Rubin de "o homem mais temido da cidade". Era para ser um elogio.
Esse tipo de "elogio" agora é coisa do passado. Encorajado pelo sucesso de #MeToo, outro movimento vem ganhando força em Hollywood, tornando o abuso de qualquer tipo no local de trabalho algo inaceitável.
"Todo mundo merece um local de trabalho seguro", disse em comunicado no sábado o sindicato de artistas de teatro Actors 'Equity, pedindo também a Rudin que liberasse seus funcionários de acordos de sigilo para permitir que outras pessoas afetadas apresentassem suas queixas.
Talvez quem melhor tenha formulado a questão seja a atriz ganhadora do Tony Karen Olivo. Após as revelações dos abusos contra Rubin, Olivio disse que não iria mais participar de Moulin Rouge, musical da Broadway produzido por ele. "A justiça social é mais importante do que brilhar", escreveu Olivo em seu Instagram.
"Construir uma indústria melhor para meus alunos é mais importante do que colocar dinheiro no bolso [...]. O silêncio sobre Scott Rudin? Inaceitável. Inaceitável. Isso é o mais fácil, pessoal. Ele é um monstro. Isso deveria estar fora de discussão. Aqueles de vocês que dizem que têm medo, vocês têm medo de quê?", questionou a atriz.