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Handke condena a mídia no caso Milosevic

Simone de Mello18 de outubro de 2002

O escritor austríaco Peter Handke desencadeia na Alemanha nova polêmica de crítica à mídia.

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O polêmico escritor austríacoFoto: AP

Não é a primeira vez que Peter Handke (59) se indispõe com a opinião pública para defender a Sérvia. Desde o polêmico ensaio Gerechtigkeit für Serbien (Justiça à Sérvia), de 1996, o escritor austríaco prosseguiu – em outros ensaios e/ou relatos de viagem e na peça de teatro Die Fahrt im Einbaum oder das Stück zum Film vom Krieg (Viagem de canoa ou A peça sobre o filme da guerra, 1999) – sua denúncia à arbitrariedade do ataque militar da OTAN na Iugoslávia e à conivência da mídia com a tendenciosidade da comunidade internacional.

O "caso Handke"

– Após alguns outros pequenos escândalos esporádicos, Handke retorna ao tema com um novo ensaio, publicado no diário alemão Süddeutsche Zeitung, que o encarregou de observar o processo contra Slobodan Milosevic no Tribunal de Haia. A dimensão de escândalo moral e político atribuída quase unanimemente aos textos anteriores não se aplica a esta nova polêmica. Isso não se deve apenas ao fato de Handke ter amenizado seu tom. De duas uma: ou a opinião pública se acostumou com o "caso Handke" e passou a ignorá-lo, ou então, – passado o auge da animosidade do debate durante a guerra dos Bálcãs – começou a ouvir, por trás de tantas mensagens politicamente incorretas, o movimento sutil de sua investigação.

A mídia na mira

– A acusação contra Handke não é nova: "uma perspectiva apolítica e desinteressada em justiça e humanidade", define uma crítica no semanário Die Zeit. A estratégia de Handke é justamente assumir um ponto de vista individual, o olhar perspectivado do viajante, enfatizando sobretudo episódios cotidianos e periféricos de sua estada em Haia – como o comportamento das testemunhas do processo num hotel da cidade holandesa, os gestos dos turistas em cenas de ruas, os trejeitos dos jornalistas durante os interrogatórios e o olhar iluminado dos criminosos. Um texto indefinido, "entre reportagem e imaginação literária", constata uma outra crítica do diário Frankfurter Rundschau, sem atentar para o fato de que é justamente esta a estratégia handkeana de desmascarar a pseudo-objetividade da cobertura jornalística.

Ocidente onisciente?

– Sua crítica se dirige contra o olhar totalitário da mídia, que se considera onisciente e se nega a reconhecer a inevitável parcialidade de seu enfoque, declarando-o como "fato". Handke, por sua vez, elege como "fato" tudo aquilo que a mídia silencia, desde significativos indícios cotidianos até uma lista de escritos sobre a Sérvia, ignorados pelo chamado "Ocidente". Desta forma, ele se coloca mais uma vez na posição de porta-voz de tudo que o mainstream – a comunidade internacional, endossada pela mídia – condena ao limbo.

"O resto do resto do mundo"

– Handke lembra que tudo é inevitavelmente partidário, inclusive a chamada Justiça. "Partidos: inclusive os juízes internacionais – pagos pela 'comunidade internacional', evidentemente jamais se posicionando contra tal comunidade (União Européia, OTAN, EUA, etc.), mas somente contra o resto do resto do mundo, já praticamente sem voz – também são partidos, sim (...)." Como sinal deste partidarismo escamoteado, ele destaca o falso consenso sobre o que seja o chamado "mundo": "O que é ou quem é o mundo? E qual o mundo em questão, quando se pronuncia e se propaga publicamente 'o mundo' nestas nossas regiões. ('O mundo não pode tolerar...', '"O mundo não pode assistir de braços cruzados...'") – 'O mundo é tudo que é o caso', conforme formula Ludwig Wittgenstein no Tractatus logico-philosophicus. E agora é o caso do quê?, questiona Handke.

"E a realidade, será que ela ainda existe?"

– É com esta questão que o autor conclui este ensaio altamente indagativo. Um dos críticos de Handke reconhece neste texto, assim como em sua obra, "um gesto fundamentalmente antimoderno, um conflito com o caráter intermediado e indireto da civilização tecnológica". Apesar de criticar a falta de valor histórico das considerações de Handke, o historiador britânico Timothy Garton Ash concorda com o prosador austríaco pelo menos neste ponto: "Sim, a 'realidade' de hoje, criada pela mídia, leva a uma perda da experiência individual e da realidade pessoal". É justamente isso que Handke – inicialmente sob a influência do nouveau roman – sempre buscou em sua obra, ou seja, resgatar o máximo de imediatismo da percepção e problematizar o intermédio das mídias "palavra" e "imagem".

Do nouveau roman ao film noir

– Acompanhando o antigo argumento baudrillardiano de que a simulação da mídia se sobrepõe à realidade, antecipando-a, Handke denuncia o Tribunal de Haia como uma farsa – comparando-o aos filmes policiais. Ele assume ser um "observador fora de moda, cujo olhar se concentra sobretudo no acusado, no réu, no sentenciado, e agora, no caso de Slobodan Milosevic, na singularidade do acusado, que – embora seu processo deva durar mais de um ano e meio – já foi previamente condenado. (Ou será que estou enganado?)".

15 minutos - "Fora de moda, pois os filmes, romances e policiais de hoje, sobretudo as séries de TV, praticamente não protagonizam mais os outsiders, como Sam Spade ou Philip Marlowe, protótipos do detetive americano, que também atuavam fora dos limites da legalidade." Foi com um romance sobre um assassino em fuga – Die Angst des Tormanns beim Elfmeter (O medo do goleiro diante do pênalti, 1970) – que Handke conquistou fama internacional como romancista. E como enfant terrible que desafiou platéias de teatro, com a peça Publikumsbeschimpfung (Insulto ao público), em 1966, o mesmo ano de sua espetacular saída do "Grupo 47", no encontro deste movimento literário em Princeton. Pouco antes de completar 60 anos, o escritor não desiste de usar a mídia para criticá-la.