É um espetáculo surpreendente o que o Ministério da Fazenda vem realizando nos últimos dias, quase semanas. O objetivo é apresentar uma nova regra fiscal de forma que não assuste o próprio Partido dos Trabalhadores, o mercado financeiro e, acima de tudo, o presidente Lula.
Para antecipar: Fernando Haddad e sua equipe tiveram um sucesso extraordinário até agora. Mas o que está em jogo?
Com a nova regra, o governo visa encontrar um sucessor para o teto de gastos de 2016. O teto visava limitar, ao longo de 20 anos, o crescimento dos gastos da União ao nível da inflação do ano anterior. A lógica é que, se o governo nunca gasta mais do que arrecada, então em algum momento a dívida diminuiria. Mas o governo Jair Bolsonaro, sob o ministro da Economia neoliberal Paulo Guedes, rapidamente minou a regra: com despesas extras relacionadas à pandemia e à campanha eleitoral, os gastos do governo voltaram a subir acentuadamente.
O governo Lula enfrenta agora a difícil tarefa de apresentar uma nova regra fiscal que corresponda à constelação política de 2023: ao fazê-lo, está preso entre as demandas do mercado financeiro e as ideias de seu próprio partido. Em princípio, para Lula e seu PT, despesas públicas altas e crescentes são uma bênção – mesmo que para isso o Estado tenha que contrair dívidas, aumentar impostos ou ambos.
Os investidores que emprestam dinheiro ao Estado brasileiro atentam especialmente para um indicador: o saldo orçamentário menos o pagamento de juros. Se o orçamento primário for positivo, a dívida diminuirá. Se for negativo, como agora, então a dívida vai continuar crescendo.
É de acordo com essas previsões que eles ajustam seus prêmios de risco, ou seja, os juros que cobram para emprestar dinheiro ao Brasil.
Revelando o segredo em etapas
Haddad tem adotado agora uma abordagem psicológica inteligente para evitar provocar reações negativas: ele e sua equipe divulgaram a nova regra fiscal pouco a pouco. Duas semanas atrás, o ministro começou a apresentar o projeto aos aliados políticos e aos presidentes do Congresso. As reações do campo político foram favoráveis. O PT ficou satisfeito que os gastos com saúde e educação não serão restringidos.
Membros conservadores do governo, como o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, também confirmaram que está tudo sob controle.
Quando Haddad revelou um pouco mais sobre a nova regra fiscal ao mercado financeiro, em meados da semana passada, o alívio foi grande: o governo visa ter um superávit primário até 2026! Isso acalmou imensamente os mercados: o real subiu significativamente, assim como a bolsa de valores. Os comentários foram claramente positivos.
O fato de Haddad ter deixado em aberto como pretende gerar essa receita adicional, não foi um problema. Os investidores também ficaram menos incomodados com o fato de que o primeiro passo da nova regra fiscal será um aumento significativo das despesas. A hora da verdade será quando o governo apresentar todo o projeto de lei, pois então se deverá detalhar onde e como essa receita maior será gerada.
Aposto que se Haddad tivesse apresentado o projeto de lei de uma só vez, a reação do mercado financeiro, do PT e também de Lula teria sido negativa.
Mas o ministro da Fazenda aproveitou com inteligência a viagem cancelada do presidente à China e o vácuo na agenda política de Brasília. Ele preparou psicologicamente todos os afetados pela nova regra. Existem agora inúmeras outras etapas, nas quais Haddad terá que fazer o arcabouço fiscal passar pelo Congresso o mais ileso possível. Mas ele teve um começo surpreendentemente bom.
Isso dá esperanças de que Haddad prosseguirá com a reforma tributária com a mesma inteligência em termos psicológicos e estratégicos. Algo que seria uma grande vitória para o Brasil.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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