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Profeta de Harvard

21 de setembro de 2011

Cinco anos antes do lançamento do euro, o professor de Harvard Martin Feldstein previu num artigo que a nova moeda poderia causar atritos na Europa. Agora, o economista diz que diversos países deveriam deixar o euro.

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Martin Feldstein, de Harvard, é considerado um eurocéticoFoto: AP

Deutsche Welle: Em seu artigo de novembro de 1997, você previu que a União Monetária Europeia (UME), que introduziu o euro como moeda em 2002, poderia causar sérios conflitos dentro e fora da Europa. Olhando para a crise atual, você sente que sua tese se confirmou?

Martin Feldstein: Não sei se eu usaria a palavra "confirmou", mas eu sem dúvida acho que o artigo indicou problemas econômicos e políticos que vimos acontecer, especialmente nos últimos anos.

Para aqueles que não estão familiarizados com o artigo original, você poderia descrever suas teses em poucas palavras?

Vale começar falando do lado econômico e não do político. O problema que vi então e que parece mesmo existir é que a criação de uma moeda única, uma taxa de câmbio única para países tão diversos não funcionaria.

Naquele tempo, as pessoas diziam: "veja, os Estados Unidos têm uma grande diversidade e mesmo assim operam com uma moeda única. Então por que isso não pode funcionar na Europa?". E o que eu enfatizei foi que, nos Estados Unidos, temos uma força de trabalho muito flexível do ponto de vista geográfico. Se a demanda diminui em um lugar, as pessoas mudam-se para outra parte do país facilmente. Isso é obviamente mais difícil na Europa, com suas diferentes línguas, tradições e sindicatos. Nos Estados Unidos, temos um mercado de trabalho muito mais flexível, os salários são muito mais flexíveis.

Esperava-se que na Europa isso acontecesse como resultado da criação da união monetária, mas não aconteceu. Nos EUA temos um sistema fiscal que transfere automaticamente fundos aos estados ou regiões em que o desemprego está relativamente alto. Tudo isso está faltando no cenário europeu.

Mais do que isso, como cada país tem uma competência independente para definir impostos e gastos e, portanto, deficits fiscais, mas há uma moeda única e uma só taxa de câmbio, o que vemos agora, e que era previsível, é que um país poderia fazer empréstimos em euros e, a não ser que fosse um país muito grande, isso teria um impacto bem pequeno sobre a taxa de juros e sobre a taxa de câmbio. Assim, não haveria nenhum sinal ou feedback do mercado indicando que o deficit em conta corrente ou orçamentário de um país estivesse saindo da linha. E é claro que isso foi a chave para a crise atual.

Quais foram seus problemas políticos com a união monetária?

Vi que, quando ela fosse ser posta em prática, todos aqueles problemas econômicos levariam a desentendimentos sobre qual seria a política adequada. Então, em algum momento, a [economia da] Alemanha estava relativamente fraca, precisava de uma taxa de juros baixa [para estimular investimentos e consumo], mas uma taxa de juros baixa não era apropriada para a Irlanda ou para a Espanha e levou a booms imobiliários nesses países.

O Banco Central Europeu (BCE) só pode definir uma taxa de juros para toda a região e, considerando a fraqueza na Alemanha e em alguns dos outros países normalmente mais fortes, e considerando a regra do BCE de lidar com a Europa como um todo, ele teve de dar mais peso aos países que precisavam de taxas de juros baixas. Isso acabou criando grandes problemas na Espanha e na Irlanda. E, é claro, acontece o contrário em lugares onde, para lidar com a inflação em potencial, o BCE mantém os juros elevados num momento em que alguns países estão vendo seu PIB não crescer nada ou até mesmo diminuir. Essas são situações em que haverá tensões políticas entre os países por causa dos desentendimentos entre eles.

O que causou problemas ainda maiores é o fato de Grécia, Portugal e outros países que precisam de apoio da União Europeia para evitar defaults econômicos precisarem de um apoio do BCE que é contrário ao Tratado de Maastricht. Assim, não surpreende que muitos alemães se opõem às políticas que estão tomando o dinheiro da Alemanha e emprestando-o a países mais fracos. E é claro que os países mais fracos como a Grécia estão muito irritados por terem de economizar, vender ativos nacionais e assim por diante. Na verdade, eles estão culpando aqueles que os estão ajudando, como a Alemanha.

Em seu artigo, você citou as tradições diferentes de alemães – que por razões históricas querem uma moeda forte e exigem estabilidade de preços – e de outros europeus, que não compartilham desses objetivos, como um obstáculo filosófico para uma moeda comum. Você ainda acredita que isso seja verdade e que esses problemas possam ser superados?

Eu acho que isso ainda é verdade. É por isso que ouvimos clamores para que o BCE baixe as taxas de juros, enquanto na Alemanha há um respeito e uma ânsia por manter os preços estáveis e uma disposição de aceitar taxas de juros mais altas para atingir tal objetivo. Então, acho que essas diferenças existem.

A crise europeia provocou um racha dentro da coalizão de governo alemã. O vice-chanceler e ministro da Economia, Philipp Rösler, disse pela primeira vez que discutir um default da Grécia deveria deixar de ser tabu, no que foi repreendido pela chanceler federal Angela Merkel. Quem está certo e como você avalia a maneira como Berlim está lidando com a crise?

Acho que a questão-chave é que a Grécia enfrentará um default. O país não tem como bancar as dívidas que assumiu, especialmente com as taxas de juros exigidas pelo mercado. Então, o acordo que está sendo negociado para tentar fazer com que detentores privados de títulos gregos aceitem uma operação de swap é na verdade um default. Eles receberão 80 centavos por 1 dólar e, assim, perderão 20% em termos do valor de seus títulos. Mas acho que isso é apenas o início. Acho que haverá trocas em proporções ainda maiores porque a Grécia não está em condições de lidar com isso.

Acho que a Alemanha tem tentado se ater ao conceito original do euro, ao Tratado de Maastricht, e descobriu que, se fizer isso, países como a Grécia e talvez outros enfrentarão um default. Então a Alemanha está sendo pressionada a assumir um papel mais ativo, usando o BCE e apoiando o Fundo de Estabilidade Financeira para ajudar esses países periféricos. Mas ela não está assumindo a liderança ao fazer isso, porque acho que o mercado está arrastando a Alemanha para uma direção diferente da que o público alemão gostaria.

Então, como essa crise pode ser detida e, talvez ainda mais importante, quem pode detê-la?

Não tenho certeza de que ela realmente possa ser detida, pois acho que a Grécia está entrando num default. E, se isso acontecer, as pessoas vão dizer que é algo trágico e doloroso, mas não é verdade. Já vimos defaults em muitos países, os quais os ajudaram a sanar suas contas. Mas acredito que isso levará a um default de Portugal.

O que não sabemos é quão fraca é a situação na Itália e na Espanha. Não se consegue uma análise honesta da situação orçamentária, das perspectivas e dos bancos em nenhum desses dois países.

A Grécia deveria, então, abandonar o euro? É isso que você defende?

Eu acho que isso seria do interesse da Grécia. Porque mesmo que a situação da dívida seja resolvida temporariamente, mesmo que o país esteja em condições, seja pela ajuda que recebe dos outros, seja pela própria habilidade, de evitar default em parte da sua dívida, a questão é o que acontecerá depois. A Grécia não consegue superávits há anos e não tem um crescimento de produtividade e de mercado como o da Alemanha. Então, como ela poderá se tornar mais competitiva?

Numa economia com uma taxa de câmbio flutuante, com a capacidade de ajustá-la ao mercado ou permitir que ea responda ao mercado, a taxa de câmbio grega cairia gradualmente ao longo do tempo, e isso tornaria os seus produtos mais competitivos. Mas, com a taxa de câmbio do euro fixa, não há nada que possa ser feito nesse sentido.

Você sempre foi um eurocético. Acredita que o euro ainda estará em circulação daqui a cinco anos?

Isso é muito difícil de dizer. Provavelmente o euro sobreviverá, mas alguns países o abandonarão e retomarão suas moedas nacionais. Sugeri no passado que a Grécia tirasse uma licença temporária, de modo que entrasse em acordo com os outros membros da UME para que retornasse a uma, digamos, "nova dracma" e tentasse pôr a casa em ordem.

E, uma vez que suas perspectivas fossem boas e que a dívida e o deficit orçamentário estivessem baixos, então a Grécia poderia candidatar-se novamente para a UME. Seria possível estender esse princípio a Portugal e talvez a outros países.

Dê-nos a sua previsão: como estarão a economia e a política europeias dentro de 15 anos?

Não tenho certeza, apesar de todos os elogios que você fez à minha capacidade de previsão, de que eu possa olhar para daqui a 15 anos e dizer o que estará acontecendo na Europa. Mas acho que provavelmente veremos que nem todos os países que hoje fazem parte da união monetária continuarão a pertencer a ela. E eu ficarei surpreso se a Europa adotar o tipo de sistema fiscal que os Estados Unidos têm, com uma autoridade fiscal central que estabelece as taxas de impostos e depois redistribui o dinheiro entre os países europeus.

Martin Feldstein é um dos economistas mais destacados dos Estados Unidos. É professor de economia na Universidade Harvard e trabalhou como presidente do conselho de assessores econômicos do presidente Ronald Reagan, de 1982 a 1984. Feldstein foi presidente e CEO da National Bureau of Economic Research até 2008. Em 2006, foi nomeado para o Conselho de Inteligência Externa (Foreign Intelligence Advisory Board) pelo presidente George W. Bush e, em 2009, como membro do Conselho de Recuperação Econômica (Economic Recovery Advisory Board ) por Barack Obama.

Autor: Michael Knigge (lpf)
Revisão: Alexandre Schossler