Greves devem continuar durante e após Copa, afirmam especialistas
26 de maio de 2014Nos últimos meses, milhares de trabalhadores aderiram a greves no Brasil, alterando a rotina de diversas cidades. As paralisações mobilizaram diversas categorias, como professores, garis, motoristas e policiais. A aproximação da Copa do Mundo tem sido usada como elemento de pressão pelos grevistas, avaliam especialistas. No entanto, eles são unânimes em afirmar que o Mundial pouco vai impactar as paralisações, que vieram para ficar.
Segundo Ruy Braga, professor da USP e especialista em sociologia do trabalho, as greves têm aumentado desde 2008. Somente em 2012, foram 873 paralisações, de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
"A Copa do Mundo pode estar presente no horizonte tático e estratégico desses trabalhadores e sindicatos. Entretanto, isso não é decisivo, porque os dados mostram que a cada ano a atividade grevista aumenta 35% em relação ao ano anterior", afirma Braga. Ele acredita que o número de greves em 2013 e 2014 será muito superior ao de 2012.
Os estudiosos ressaltam ainda que o primeiro semestre – principalmente o mês de maio – é um período em que tradicionalmente ocorrem muitas das campanhas salariais. "Essa é uma época de dissídios, sempre há paralisação. Só que ganhou mais intensidade esse ano por causa da Copa do Mundo", diz o professor de ciência política da Unesp e da PUC de São Paulo, Antonio Carlos Mazzeo.
Mundial como forma de pressão
O historiador e sociólogo Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, acredita que somente alguns segmentos do funcionalismo público poderão aproveitar a Copa para dar força às suas reivindicações.
Para Mazzeo, é natural usar o Mundial como forma de pressão. "É um momento em que o Brasil está em evidência no cenário internacional. Isso faz parte do jogo político-democrático."
O professor de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, concorda. "Quando está quente, o vendedor sobe o preço da cerveja. O mesmo acontece com os trabalhadores. Você pede aumento de salário no momento em que o patrão mais precisa do empregado. O jogo do mercado está muito próximo da chantagem", afirma.
Por outro lado, Ribeiro alerta que a estratégia usada na greve de ônibus em São Paulo foi "criminosa". "Manifestações são legítimas, mas certas táticas, não. Deixar os ônibus trancando as ruas às 18 horas é crime. Isso ultrapassou os limites."
Copa vai acontecer
Ainda que as greves e protestos continuem durante a Copa do Mundo, especialistas estão confiantes de que o evento se realizará. Segundo eles, os governos dispõem de planos de contingência para eventuais problemas.
"A Copa será realizada, o que pode acontecer são alguns transtornos. Mas o Estado tem todas as formas de garantir que os jogos aconteçam. O governo federal tem como acionar a Força Nacional de Segurança diante de uma situação de greve da polícia, por exemplo", explica o professor de ciência política da PUC de São Paulo, Pedro Fassoni.
Os especialistas concordam também que haverá um aumento da repressão e da força policial, o que inibirá a incidência e o impacto de greves e protestos. Além disso, defendem que a população se colocará contra manifestações durante o evento.
"A Copa é uma ótima oportunidade para protestos. Mas uma coisa é manifestação um mês antes do Mundial, outra bem diferente é durante o evento, quando a irritação da população com as manifestações vai ser muito maior", diz Ribeiro.
O cientista político afirma também que a preparação para a Copa supera a de outras festividades, que, no entanto, recebem mais visitantes. "É uma questão de algumas dezenas de milhares de turistas em cada cidade. Isso é muito pouco. E, como a Copa está preocupando as pessoas, não vai haver nenhuma atividade paralela durante o evento. Shows, congressos, seminários, tudo estará parado."
Inflação e condições de trabalho
Os especialistas afirmam que não há uma única causa para o aumento das greves. Entre os motivos, alguns deles mencionam a inflação e o aumento do custo de vida, já que muitas das paralisações reivindicam aumentos salariais.
Por outro lado, o sociólogo Ruy Braga acredita que as greves cresceram devido à precarização das condições de trabalho, aliada ao baixo índice de desemprego.
"Temos um mercado muito aquecido, o que favorece a atividade grevista. Só que esse mercado multiplica o número de ocupações com salários baixos e condições cada vez mais degradantes. Houve um aumento da taxa de exploração do trabalho, do número de acidentes, da flexibilização da jornada e da terceirização", aponta.
Paralelamente, Braga indica um incremento do ativismo nas bases sindicais, favorecido, inclusive, pelo ambiente criado pelos protestos de junho. "Por isso há greves com o apoio do sindicato, sem o sindicato – quando ele não existe – ou contra o sindicato, quando a base não concorda com os acordos da diretoria."
Protestos de junho
O aumento das greves, de acordo com os especialistas, também está diretamente ligado às chamadas "jornadas de junho", em 2013.
"Junho é um divisor de águas, muda a página da história política brasileira recente. Existe um maior apetite de mobilização coletiva, que fortalece o movimento grevista. O ânimo mudou, o cidadão de uma forma geral aprendeu o caminho das ruas", considera Braga.
Para Mazzeo, as manifestações criaram uma "cultura de protesto" e até mesmo ajudaram a melhorar a forma de organização dos movimentos.
Segundo os especialistas, os protestos demonstram uma grande insatisfação popular, que perdura até hoje. Ribeiro afirma que a sociedade brasileira atual está em estado de "ebulição". "O nível de vida das pessoas melhorou e elas passaram a reivindicar mais. É o sucesso das políticas de inclusão", diz.
Já Villa defende que o mau desempenho econômico é o motivo pelo qual as pessoas estão descontentes: "Há uma percepção de que tudo vai mal, e, por isso, pipocam greves em todo o país."
Preocupação do governo
O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse na última quarta-feira (21/05) que o governo está "muito preocupado" com as manifestações. Ele espera que haja uma diminuição das greves e protestos durante o Mundial.
"Na medida em que a Copa se aproxima e as obras ficam prontas, as pessoas passam a ter orgulho, e o clima do futebol começa a tomar conta. Com isso, as manifestações contra a Copa diminuem muito."
O ministro afirma ainda acreditar no "bom senso" dos brasileiros. Para ele, a greve que ocorreu em São Paulo foi "irresponsável".
"Num evento dessa magnitude, é natural que as categorias profissionais e as populações que querem protestar aproveitem a oportunidade de visibilidade. Isso está acontecendo muito. Mas as pessoas não podem punir a população em busca de um objetivo setorial. É perigoso, e pode se voltar contra a própria categoria."