Greenpeace acusa Japão de "chantagem nuclear"
23 de julho de 2015Imagens na televisão mostram pilhas e pilhas de sacos de lixo cheios de terra contaminada em Fukushima. São um indício de como, quatro anos após o acidente nuclear, o governo japonês continua trabalhando para descontaminar a região. Para tornar a área habitável novamente e trazer os antigos moradores de volta, dez mil trabalhadores entraram em ação nós últimos anos. Contudo, segundo o Greenpeace, a descontaminação não aconteceu.
Especialistas da organização fizeram, nas últimas semanas, medições no distrito de Iitate, a cerca de 30 quilômetros de Fukushima. A conclusão não foi nada animadora: os níveis de radiação continuam tão altos que um retorno dos antigos moradores seria uma atitude irresponsável.
"O governo japonês sentencia milhares de pessoas a uma vida numa região com níveis arriscados de radiação", afirma Heinz Smital, especialista do Greenpeace para questões nucleares. Mycle Schneider, vencedor do Prêmio Nobel Alternativo e consultor independente de governos e organizações internacionais, concorda com o colega. "O risco para a saúde das pessoas seria enorme", afirma.
É verdade que os antigos moradores de Fukushima não são obrigados a retornar à região, porém, muitos não terão escolha, diz Smital. Nesse contexto, o especialista fala numa "chantagem nuclear", já que há pouco o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe decretou que encerrará até 2018 as indenizações às vítimas do acidente. Isso significa que indivíduos mais pobres seriam praticamente forçados a retornar aos lares contaminados – queiram ou não.
E nem todo mundo quer voltar. Nas redes sociais, vários manifestaram medo. A usuária do Twitter @microcarpa, por exemplo, escreveu que está "muito preocupada com a persistente catástrofe de Fukushima". Já a aposentada Yoko Chase reivindicou que as autoridades levem em consideração a opinião dos atingidos antes de obrigá-los a retornar.
Outros foram ainda mais impetuosos. O usuário @kemi510 acusou o governo japonês de estar usando os cidadãos como cobaias para testar os efeitos da radioatividade. E @syntax questionou a falta de dados sobre o impacto da tragédia. "Há cada vez mais pessoas com câncer. Não deveria ser elaborado um panorama sobre as doenças na região, como o feito com as crianças de Chernobyl?"
Estatísticas preocupantes
Em áreas residenciais classificadas pelas autoridades como já descontaminadas, foram encontrados níveis de radioatividade de mais de 10 microsievert – unidade usada para avaliar o impacto de radiação sobre os seres humanos.
"Esse número é dez vezes maior que o limite permitido", alerta Smital. "Cinco anos depois da catástrofe de Chernobyl, num raio de 30 quilômetros, verificava-se a metade do valor que observamos agora em Iitate", diz. E essa zona ao redor da cidade no norte da Ucrânia continua interditada, destaca o especialista.
Para Smital, no Japão, o retorno dos moradores seria uma jogada econômica, que ignora os riscos à população e, em vez disso, beneficia apenas operadoras de usinas nucleares. Assim, a partir de setembro, os mais de 7 mil antigos moradores de Naraha, na província de Fukushima, deverão retornar aos seus lares.
Em março deste ano, o governo japonês declarou que a descontaminação havia sido concluída e que Nahara estaria segura. Porém, de acordo com pesquisas de opinião recentes, a grande maioria não quer retornar à região por medo dos riscos. Além disso, faltam serviços básicos. "Não há comércio nem médicos lá. Não sei o que fazer", disse uma idosa à mídia local.
Inabitável para sempre?
Segundo os especialistas, o fracasso dos esforços das autoridades para rapidamente tornar a região outra vez habitável era evidente desde o começo. Segundo Schneider, nos morros e florestas da região, áreas que foram limpas acabam sendo contaminadas novamente. "Cada vez que chove no local, a radioatividade das montanhas é levada pela água às regiões mais baixas. É um círculo vicioso", afirma Schneider.
O especialista esteve na região entre 2012 e 2013 e viu com os próprios olhos os esforços das autoridades. Contudo, muito do que Schneider observou era, segundo ele, "inútil e ineficiente". O alemão cita, por exemplo, a limpeza de um estacionamento feita pelas autoridades com um jato de alta pressão – sem que a água fosse eliminada depois. "Assim, a contaminação é levada de um local para outro", diz.
Já Smital recorre à mitologia grega para classificar o trabalho de descontaminação em Iitate. Para ele, o processo lembra a história de Sísifo, que foi condenado a repetir sempre a mesma tarefa, empurrando uma pedra até o cume de uma montanha. Sempre que estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente para baixo, tornando inúteis seus esforços.
"Em centenas de anos, o trabalho do governo de descontaminação de Fukushima continuará incompleto", diz Smital. "A verdade é que simplesmente não há como se descontaminar a região."