Desde o começo de 2024, acumulam-se as hostilidades entre os chefes de Estado da América Latina. Não só aumentou sua frequência, mas o tom se tornou mais agressivo. Agora, diversos países estão de relações diplomáticas rompidas.
Por exemplo: o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, bateu de frente com diversos governos ao mesmo tempo, a seis semanas da eleição da qual ele não mais poderá participar, por motivos constitucionais.
AMLO, como é chamado, declarou que a eleição do presidente do Equador, Daniel Noboa, em novembro de 2023, foi "manipulada", e responsabilizou as "mídias corruptas". Em seguida, Noboa mandou invadir a embaixada mexicana em Quito, para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, que pedira asilo no México e lá se refugiava desde dezembro.
Antes, Obrador classificara o presidente da Argentina, Javier Milei, como "fascista conservador", dizendo-se admirado de que argentinos inteligentes pudessem eleger alguém assim. Gustavo Petro, da Colômbia, bateu na mesma tecla: Milei seria um destruidor de seu povo, "sua eleição é um triste momento para a América Latina".
O mandatário argentino contra-atacou, insultando AMLO de "ignorante" e Petro de "assassino comunista", por ter integrado o grupo de guerrilha urbana M-19 na época de estudante. Os ministérios do Exterior em Bogotá e Buenos Aires só por pouco conseguiram evitar o rompimento de relações diplomáticas.
Isso quase ocorrera antes entre o Brasil e a Argentina, quando Milei afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria "corrupto" e "comunista com uma tendência ao totalitarismo".
Chance perdida para o futuro latino-americano
Pela primeira vez, a esquerda criticou a exclusão da oposição das eleições da Venezuela. Até agora, Lula no Brasil, Petro na Colômbia e o ex-presidente do Uruguai José Mujica vinham sempre defendendo o regime venezuelano contra toda crítica. O Ministério do Exterior em Caracas reagiu com insultos à erosão da solidariedade. O autocrata Nicolás Maduro chamou seus críticos de "esquerda covarde".
Também o Chile convocou para consultas seu embaixador na Venezuela. Antes, fora assassinado em Santiago um militar reformado e opositor de Maduro que havia requerido asilo no Chile em 2018. A polícia local tem indícios de que o atentado foi planejado pelo governo Maduro.
Além disso, Santiago responsabiliza a máfia venezuelana Tren de Aragua por numerosos crimes graves em seu território. Por sua vez, o ministro do Exterior da Venezuela descreveu a organização criminosa, atuante sobretudo nos países andinos, como "uma invenção da mídia".
No momento, parece pouco provável que as relações vão se distender tão cedo na América Latina. Pois por um lado falta uma personalidade capaz de unir a região em torno de um projeto para o futuro, como aquele que, durante algum tempo, Lula almejava em seu primeiro mandato.
Além disso, a maior parte dos governos latino-americanos se encontra atualmente sob pressão, praticamente incapacitados de desenvolver um projeto conjunto para além das próprias fronteiras. Nenhum chefe de Estado é tão bem-sucedido em seu próprio país que possa pretender um papel de liderança regional a ser seguida pela maioria de seus colegas.
É um mau sinal para a necessária integração regional, se os Estados se concentram em si mesmos. Isso compromete o futuro da América do Sul, pois se ela conseguir se integrar mais – como a Ásia ou a Europa – crescem as suas chances de prosperidade e crescimento.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.