"Governos de Lula sempre foram amplos", diz Tabata Amaral
28 de outubro de 2022Tabata Amaral (PSB-SP) atraiu os holofotes logo no início de seu mandato como deputada federal. Com 25 anos e menos de dois meses na Câmara, chamou atenção por emparedar o ex-ministro da Educação Ricardo Vélez, em uma das primeiras crises do governo Bolsonaro.
A postura combativa rendeu elogios, sobretudo da esquerda. Meses depois, passou de aliada a desafeto no campo, quando votou a favor da reforma da Previdência.
"O problema é que a gente tem uma esquerda muito desconectada da periferia, da realidade do povo. É por isso que eu perco seguidor em rede social, sou cancelada, xingada, ameaçada. Mas todos os dias ando de cabeça erguida na minha comunidade", afirma a deputada, em entrevista à DW Brasil.
Em 2022, Tabata foi reeleita por São Paulo, com a sexta maior votação do estado. Ainda no primeiro turno, declarou apoio ao ex-presidente Lula (PT) na disputa presidencial.
"Não estou achando que vou concordar com tudo, mas estou ansiosa para que esse Brasil volte a ter diálogo, volte a conversar", diz. "Os governos de Lula sempre foram amplos. Ele sempre conversou com todo mundo, com moderação inclusive."
A deputada acredita que, se reeleito, o presidente Jair Bolsonaro seguirá uma via autoritária, com interferências no poder Judiciário. "Bolsonaro já fala em aumentar o tamanho do STF, exatamente o que líderes autoritários como Chávez fizeram", ressalta. "A gente vai ter menos mecanismos democráticos para questionar, para fiscalizar".
Na Câmara, Tabata tem sido uma das parlamentares mais ativas na denúncia do mecanismo conhecido como orçamento secreto, previsto em R$ 19 bilhões em repasses de emendas parlamentares somente em 2022. "Ouso dizer que é o maior volume de corrupção já visto desde a redemocratização", comenta.
"Bolsonaro fala que vetou o projeto, mas, logo depois de vetar, ele mandou para o Congresso um projeto que instituía o orçamento secreto. Logo, Bolsonaro, seus filhos, seus ministros, sua base, estão envolvidos até o pescoço nisso. Tenho certeza que, em algum momento, o orçamento secreto vai render muitas prisões", assinala.
DW Brasil: Se Bolsonaro for reeleito, que cenário você projeta para os próximos quatro anos?
Tabata Amaral: Eu tenho muito receio do que vai acontecer. Nesses últimos quatro anos, Bolsonaro se colocou contra tudo que é caro para mim, contra todos os projetos que a gente fez avançar no Congresso. Eu tenho muito orgulho de ter aprovado mais de dez projetos que viraram lei, de ter lutado para que nossas escolas públicas tivessem absorventes e conectividade, para que nossos professores fossem vacinados com prioridade. Em todas essas batalhas, eu tive que enfrentar o governo.
Nesse processo todo, precisei aprender a lidar com ameaças de morte, com fake news, com muita violência que toma conta da política hoje. Se a gente tiver Bolsonaro lá, eu tenho a impressão de que minha luta vai ser cada vez mais para impedir retrocessos, e cada vez menos para propor coisas, que é o que eu mais amo fazer. Tenho receio que a violência escale cada vez mais.
Bolsonaro já fala em aumentar o tamanho do STF, exatamente o que líderes autoritários como [o venezuelano Hugo] Chávez fizeram. Tenho receio que a gente perca esse instrumento valoroso da Justiça. Foi nela que a gente conseguiu garantir que o governo implementasse a lei de conectividade e denunciar a corrupção no MEC, o que levou à prisão do ex-ministro da Educação. A gente vai ter menos mecanismos democráticos para questionar, para fiscalizar.
Qual é sua expectativa para um novo governo Lula?
Espero o exato oposto. Não estou achando que vou concordar com tudo, mas estou ansiosa para que esse Brasil volte a ter diálogo, volte a conversar. O ex-ministro da Educação proibiu os servidores do MEC de me receberem, e eu sou uma das parlamentares que mais atua na pauta da educação. Os governos de Lula sempre foram amplos. Ele sempre conversou com todo mundo, com moderação inclusive.
A gente teria muito espaço para debater projetos, como o que proponho para o ensino técnico profissionalizante, muito inspirado no valor que a Alemanha dá a esse sistema. Luta vai ter sempre, a educação não é prioridade no Brasil e nunca foi. Mas, de um lado, [temos a luta] para conter retrocessos, cada vez com menos instrumentos e, do outro, a disputa que deveria ser normal, de "encher o saco", apresentar propostas.
Como você dimensiona o impacto do orçamento secreto na eleição?
O grande vencedor dessas eleições foi o Centrão, que teve acesso a cerca de R$ 20 bilhões de reais do orçamento público. É corrupção na sua pior forma. Não é só um desvio de função, não é só dinheiro que deveria estar indo para merenda escolar, para farmácia popular, que vai para uma cidade que não faz o menor sentido. É um mecanismo entre prefeituras e empresas, que colocam 50% desse valor – segundo estimativas – no bolso desses prefeitos e deputados.
É muito grave o que está acontecendo. Bolsonaro fala que vetou o projeto, mas, logo depois de vetar, ele mandou para o Congresso um projeto que instituía o orçamento secreto. Logo, Bolsonaro, seus filhos, seus ministros, sua base, estão envolvidos até o pescoço nisso. Tenho certeza que, em algum momento, o orçamento secreto vai render muitas prisões.
Agora, se a gente continua com Bolsonaro no poder, é certo que serão mais quatro anos sem investigação. Toda vez que um delegado, um diretor da PF se aproxima de um interesse seu, essa pessoa é transferida para outro lugar, ou perseguida. A organização Transparência Internacional já mostrou como o Brasil andou para trás em relação aos órgãos de controle. Ouso dizer que é o maior volume de corrupção já visto desde a redemocratização.
O Congresso se tornou ainda mais conservador, com fortalecimento do bolsonarismo. Como isso pode impactar as políticas públicas?
Se a gente conta o Centrão junto, a extrema direita parece muito maior no Congresso do que ela é de fato. Se Bolsonaro vencer, terá um número mais do que necessário, na Câmara e no Senado, para aumentar o tamanho do STF, por exemplo. Com Lula, a extrema direita não vai ter tamanho para apoiar seus projetos.
Os projetos que essa ala traz para a educação são absolutamente ridículos, mas muito perniciosos. Estão falando em aprovar o Escola Sem Partido, ou seja, proibir professores de trazer discussões sobre direitos humanos, sobre racismo? É isso que vai acontecer. Assusta, é uma coisa muito ruim para a nossa sociedade. Mas vale a provocação de que nenhuma criança vai aprender mais ou menos português, ou matemática, com esse projeto que eles defendem. É um projeto que não tem nada a ver com aprendizagem.
Foram quatro anos em que todos os anos a educação perdeu dinheiro, foram quatro anos de grande incompetência. Sou relatora da Comissão Externa que fiscaliza o MEC, e fica mais do que comprovado que não executaram a verba prevista. Estamos vivendo o pior investimento em educação desde 2015. Todos os programas que importam – alfabetização, educação inclusiva – foram paralisados. O Brasil, pela primeira vez na história, voltou para trás em português e matemática. Quanto mais para trás a gente consegue andar?
Como você lida com as críticas vindas da esquerda por suas posições econômicas?
A gente tem, no Brasil, um Estado que é inchado para a elite e reduzido na periferia. Eu luto contra isso e por um Estado mais presente na periferia, por mais dinheiro para a saúde, para a educação, para saneamento básico. E menos presente nos privilégios para a elite do serviço público. Essa visão faz muito sentido para mim. Estou disposta a lutar uma vida inteira por ela, e está tudo bem que as pessoas discordem, o debate político é sobre isso.
O que não acho certo é que as pessoas digam que eu não sou progressista por causa disso ou que elas mintam, ataquem, ameacem, como elas fazem. Isso eu vou questionar na Justiça. O meu voto, meu posicionamento, não tem nada a ver com o que essa esquerda "tuiteira" pensa ou deixa de pensar sobre mim. Tem a ver com o que eu acho certo para o Brasil. Eles vão continuar me atacando, e eu vou seguir trabalhando.
A gente teve uma eleição de extremos. A centro-esquerda, o centro e a centro-direita perderam espaço para quem estava mais à esquerda e quem estava muito mais à direita. Como alguém que fala muito de diálogo, de moderação, acho que vou ter um papel cada vez maior de ser a pessoa que dialoga, que tenta construir essas pontes.
Você se arrepende de ter apoiado a reforma da Previdência do Paulo Guedes?
Esse liberalismo que é contra os direitos LGBT pode parecer liberalismo, mas não é. Com toda certeza, eu não me alio a essa visão liberal de um Estado mínimo. Como eu falei, o Estado é mínimo na periferia, e dá muito errado. Quem manda na comunidade onde minha família mora é o crime. Isso é consequência de um Estado ausente, que só chega com uma polícia muitas vezes mal treinada, truculenta, sem nenhum suporte.
Sobre a reforma da Previdência, não se trata de uma visão liberal de Estado mínimo. O Lula fez uma reforma na Previdência. A Dilma tentou fazer também, mas não teve força no Congresso. O Ciro defendeu a reforma da Previdência. Eu aposto o que você quiser que nenhum governo do PT vai revogar a reforma. Trata-se de entender que a população está envelhecendo e que, no modelo brasileiro, são os mais jovens que pagam a aposentadoria dos mais velhos.
O mundo todo está fazendo a reforma da Previdência. A minha luta foi garantir que as pessoas na base não sofressem nenhuma alteração. Com seis meses de mandato, fui a deputada que mais aprovou melhorias no texto do Bolsonaro. Foi uma reforma dura para a classe média e as classes mais altas, para uma elite do serviço público. Tinha deputado que se aposentava com R$40 mil por mês.
A postura da esquerda durante a votação da reforma da Previdência só expõe as incoerências de uma parcela que é corporativista. Defender um sistema único de Previdência, com igualdade de condições para ricos e pobres, é uma defesa progressista. O problema é que a gente tem uma esquerda muito desconectada da periferia, da realidade do povo. É por isso que eu perco seguidor em rede social, sou cancelada, xingada, ameaçada. Mas todos os dias ando de cabeça erguida na minha comunidade.