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Governo barra Lei Rouanet em estados que adotaram isolamento

5 de março de 2021

Medida é encarada como retaliação a governos regionais que tentam frear a pandemia. Classe artística diz que ações culturais já não estavam ocorrendo e que suspensão só vai servir para prejudicar projetos futuros.

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Teatro Amazonas, em Manaus
Teatro Amazonas, que fica em estado que impôs restrições para conter a pandemiaFoto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana

A Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura do governo federal determinou nesta sexta-feira (05/03) a suspensão da análise de projetos culturais que buscam recursos via Lei Rouanet em cidades ou estados que adotaram medidas de restrição ao comércio e de locomoção para frear a pandemia.

A medida é encarada por membros do setor cultural como uma retaliação do presidente Jair Bolsonaro, que se opõe a medidas de isolamento e que classificou como "frescura" e "mimimimi" determinações de restrição em meio a seguidos recordes diários de mortes por covid-19.

A suspensão da análise de projetos ocorreu com a publicação de uma portaria da Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, comandada por André Porciuncula Alay Esteves, um capitão da PM da Bahia.

"Considerando as diversas medidas de restrições de locomoção e de atividades econômicas, decretadas por estados e municípios, só serão analisadas e publicadas no Diário Oficial da União as propostas culturais que envolvam interação presencial com o público, cujo local da execução não esteja em ente federativo em que haja restrição de circulação, toque de recolher, lockdown ou outras ações que impeçam a execução do projeto", diz o documento.

A medida deve valer inicialmente por 15 dias, "podendo ser prorrogada ou suspensa, a depender da manutenção ou não das medidas restritivas nos referidos entes da federação", complementa o texto, sugerindo que a portaria vai ser usada como instrumento de pressão. O documento também deixa claro que a análise de propostas vai continuar a ocorrer normalmente em estados que não adotarem medidas de restrição – isso em um momento em que a rede de saúde de quase todo o país está em colapso.

Tanto André Porciuncula quanto o secretário especial de Cultura, o ex-ator Mário Frias, são militantes bolsonaristas e recentemente têm usado suas redes sociais para atacar governos estaduais, seguindo o exemplo do presidente.

Pelo Twitter, após a publicação da portaria, Porciuncula disse: "Não posso aprovar o uso do dinheiro público em projetos culturais em local que não haja possibilidade de execução. Tão logo as restrições acabem, o fluxo de análise voltará ao normal."

Medida contestada

No entanto, representantes do setor cultural disseram ao jornal Folha de S. Paulo que a decisão não faz sentido, já que as medidas de restrição impostas já determinaram o fechamento de cinemas, teatros e casas de show e quaisquer atividades que gerem aglomeração. Não há no momento espaço para execução de projetos em cidades como São Paulo, por exemplo, um dos principais centros culturais do país.

A portaria deve atingir em cheio propostas que ainda estão na fase inicial de captação de recursos. Normalmente, a maior parte dos projetos demora meses para levantar valores via Lei Rouanet. Dessa forma, apontam artistas e representantes da classe, com a portaria, o governo federal está atingindo iniciativas que de qualquer forma só ocorreriam daqui a três ou seis meses, dependendo do projeto, e possivelmente num momento em que a situação sanitária poderá ter melhorado.

Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro (APTR), afirma que a medida deve justamente prejudicar uma eventual retomada das atividades quando o pior tiver passado. "[A suspensão] prejudica a retomada, não o agora. Mas como ele não é da área [cultural], ele não conhece a operacionalização da lei, ele é policial, né", disse Barata, em referência ao currículo do secretário Porciuncula.

jps/ek (ots)