Governo holandês renuncia após escândalo de benefício social
15 de janeiro de 2021O primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, anunciou nesta sexta-feira (15/01) a renúncia de seu governo, assumindo assim a responsabilidade por um escândalo que abalou o país, onde milhares de famílias foram injustamente acusadas de fraude relacionada a benefícios sociais.
"O Estado de direito deve proteger seus cidadãos de um governo todo-poderoso, e isso deu terrivelmente errado", afirmou o premiê em coletiva de imprensa, após uma reunião de crise de seu gabinete, formado por uma coalizão de quatro partidos. "Todos concordamos: quando todo o sistema fracassa, apenas uma responsabilidade conjunta pode ser assumida."
No poder desde 2010, o que o faz um dos líderes mais antigos da Europa, Rutte disse que apresentou sua renúncia e a de todos os seus ministros ao rei Willem-Alexander.
O gabinete, contudo, permanecerá exercendo suas funções de forma interina, a fim de supervisionar a resposta à crise da covid-19 até as próximas eleições parlamentares, marcadas para 17 de março, quando acaba o terceiro mandato de Rutte.
"Nossa luta contra o coronavírus continua", afirmou o primeiro-ministro, acrescentando que o governo provisório "fará o que for necessário para os interesses do país".
O líder holandês de extrema direita Geert Wilders, conhecido por suas fortes declarações contra a imigração e o Islã, disse que o governo fez "certo" em renunciar. "Pessoas inocentes foram criminalizadas, e suas vidas, destruídas", escreveu Wilders no Twitter.
O líder do partido Esquerda Verde, Jesse Klaver, outra voz importante na pressão pela renúncia de Rutte, disse que a decisão pode ser um "novo começo, um ponto de virada" para a Holanda.
Mas pesquisas eleitorais mostram que a sigla de Rutte, o Partido Popular para a Liberdade e Democracia, pode acabar em primeiro lugar nas eleições de março, elevando as chances de o premiê garantir um quarto mandato à frente do país europeu.
O escândalo
Em dezembro, um inquérito parlamentar apontou que autoridades fiscais holandesas cortaram benefícios sociais relacionados a cuidados de crianças de cerca de 10 mil famílias, injustamente acusadas de fraude entre 2013 e 2019.
Os atingidos foram obrigados a devolver os valores recebidos, que chegaram a milhares de euros cada. Relatos afirmam que vários casais acabaram se separando em meio à tensão, algumas famílias foram à falência, e muitos perderam seus empregos.
O caso tomou proporções ainda mais problemáticas quando se revelou que muitas das famílias falsamente acusadas de fraude foram escolhidas com base em sua origem étnica, sobrenomes estrangeiros ou dupla nacionalidade.
O advogado Orlando Kadir, que representa cerca de 600 famílias em um processo contra governantes, afirmou que cidadãos foram afetados "como resultado de perfis étnicos [realizados] por burocratas que escolheram seus nomes de aparência estrangeira".
"Nunca é aceitável que alguém se sinta discriminado com base na nacionalidade, raça, gênero ou orientação sexual", afirmou o primeiro-ministro Rutte. "É absolutamente inaceitável em um Estado baseado na lei."
O governo holandês chegou a anunciar um mínimo de 30 mil euros de indenização a cada cidadão injustiçado, mas isso não foi suficiente para silenciar o crescente clamor pelo escândalo. A pressão sobre o premiê aumentou, e o governo foi ameaçado de um possível voto de confiança no Parlamento.
Os pedidos pela renúncia de Rutte cresceram ainda mais depois que o chefe do Partido Trabalhista, Lodewijk Asscher, que foi ministro de Assuntos Sociais no antigo gabinete do premiê, renunciou na quinta-feira. Ele e outros dois ex-ministros, além de três atuais ministros, são alvo de uma ação apresentada na última terça-feira por vítimas do escândalo.
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