Gaza fica sem internet em meio a ameaça de invasão
Publicado 28 de outubro de 2023Última atualização 28 de outubro de 2023Após as Forças de Defesa de Israel (FDI) anunciarem nesta sexta-feira (27/10) a expansão de suas operações por terra na Faixa de Gaza, diversos veículos de imprensa noticiam a intensificação do conflito na região, atingindo um patamar inédito desde o início da guerra que Israel trava com o grupo radical islâmico Hamas em reação aos atentados terroristas de 7 de outubro.
"Ampliamos os ataques em Gaza nas últimas horas", afirmou o porta-voz das FDI Daniel Hagari no início da noite, listando como alvos túneis e infraestrutura do grupo. "Além dos ataques conduzidos nos últimos dias, as forças terrestres estão expandindo as operações nesta noite", continuou, anunciando o que pode ser o início da invasão em larga escala do enclave palestino dominado pelo Hamas.
A região tem sido alvo de constantes bombardeios nas últimas três semanas, desde que Israel foi invadido em um ataque que deixou um saldo de 1.400 mortos e fez mais de 200 reféns, muitos deles civis.
Também Israel tem sido alvo frequente de foguetes lançados a partir de Gaza – alguns dos quais escapam ao sistema de defesa antimísseis, como num ataque que deixou três feridos nesta sexta, segundo a imprensa israelense.
No lado palestino, o Ministério da Saúde de Gaza – órgão controlado pelo Hamas – contabiliza mais de 7.000 vítimas, dentre elas 2.913 crianças. Israel contesta os números, que não podem ser verificados de forma independente.
Gaza sem acesso a telefones e internet
Organizações humanitárias relatam ter perdido o contato com equipes em Gaza. Serviços de telefonia e internet da região teriam sido interrompidos por volta das 18h, horário local. O enclave estaria "incomunicável", nas palavras de uma empresa palestina de telefonia, a Jawwal, citada pelo jornal Folha de S.Paulo.
O mesmo veículo cita fontes do Itamaraty que afirmam ter perdido contato com brasileiros que aguardam a abertura da fronteira de Gaza com o Egito para fugir do conflito.
O escritório palestino da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho diz temer que o bloqueio inviabilize o acionamento de equipes médicas na região.
Há relatos de que mesmo a comunicação por telefones via satélite não esteja funcionando, conforme relatado por um jornalista à emissora pública alemã ARD – também a equipe da emissora em Gaza estaria incomunicável.
"Perdemos contato com nosso staff em Gaza, com instalações de saúde, trabalhadores da área e o restante de nossos parceiros humanitários ali", escreveu no X, antigo Twitter, o presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, dizendo-se "gravemente preocupado" com a segurança dessas pessoas e com "pacientes vulneráveis".
Conselho-Geral da ONU pede "trégua humanitária imediata"
Pouco depois do anúncio israelense de intensificação do conflito, a Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou por 120 votos favoráveis uma resolução em que pede uma "trégua humanitária imediata"; a proteção de civis, com o cumprimento de "obrigações legais e humanitárias" por todas as partes; e a "libertação incondicional e imediata de todos os civis presos".
Apresentado por países árabes em Nova York, o texto teve 14 votos contrários – incluindo Israel e EUA – e 45 abstenções – Alemanha e Ucrânia entre eles.
A resolução, de caráter simbólico, só teria força legal caso tivesse sido aprovada no Conselho de Segurança da entidade, onde esforços semelhantes já foram torpedeados.
Secretário-Geral da entidade, Antonio Guterres fez um apelo: "Todos precisam assumir suas responsabilidades. Este é um momento da verdade. A história julgará todos nós."
Em café da manhã com jornalistas em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acusou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, de querer "acabar com a Faixa de Gaza" e esquecer que o território palestino abriga também mulheres e crianças, "que são as grandes vítimas desta guerra."
"Por que vocês não estão responsabilizando o Hamas?", reage Israel
Embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan reagiu à resolução afirmando que quem quer prevenir a violência deveria exortar o Hamas a baixar suas armas, se entregar e devolver os reféns. "A guerra acabaria imediatamente", afirmou. "Israel vai se defender e fará o que deve ser feito para erradicar as capacidades do Hamas e trazer os reféns de volta."
"Por que vocês não estão responsabilizando o Hamas?", questionou Erdan.
Representante dos Estados Unidos na Assembleia, Linda Greenfield acusou países árabes de empoderar o Hamas ao propor uma resolução que não menciona o grupo como autor dos massacres de 7 de outubro – o pior da história judaica desde o Holocausto.
"Estão determinados a destruir Israel e matar judeus", disse Greenfield. "O Hamas nunca se importou com as reais necessidades ou segurança do povo que alega representar. Não respeitam o Estado de Direito ou a vida humana. Para eles, os civis palestinos são descartáveis."
Greenfield apelou à comunidade internacional para que não permita um retorno a um "status quo inaceitável", em que "o Hamas aterroriza Israel e usa civis palestinos como escudo humano" e "colonos extremistas podem atacar e aterrorizar palestinos na Cisjordânia".
EUA sinaliza apoio a "pausa temporária", e Israel diz não poder assegurar integridade de jornalistas na área
Porta-voz da Casa Branca, John Kirby afirmou que o governo americano apoia uma "pausa temporária" nas atividades das Forças Armadas israelenses em Gaza para assistir civis na região e libertar os reféns.
Na quinta, a União Europeia aprovou uma resolução em que pede "pausas" nos bombardeios para assegurar ajuda humanitária. Israel rejeita o pleito, mas diz que o envio de ajuda humanitária é possível, desde que não chegue às mãos de terroristas.
Apesar dos avisos de Israel, alguns palestinos se mantêm no norte do enclave por temerem bombardeios durante o deslocamento, enquanto outros receiam perder suas casas em caráter definitivo.
Também nesta sexta, a agência de notícias Reuters disse ter recebido das Forças Armadas israelense a informação de que eles não podem garantir a segurança de jornalistas atuando em Gaza.
O Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) já contabiliza em 29 o número de profissionais mortos ao longo das três semanas de conflito.
"Um apagão nas comunicações é um apagão de notícias", comentou a entidade, argumentando que o mundo "perde uma janela para a realidade" a partir do momento em que correspondentes tornam-se incomunicáveis, criando um vácuo informacional que pode ser preenchido com "propaganda mortal e informações falsas".
"Estamos ao lado dos jornalistas nesta hora sombria, [ao lado] daqueles que perseguem a verdade, e cujo trabalho diário nos mantém informados com fatos que lançam luz sobre a condição humana e ajuda a responsabilizar o poder."
Temores sobre agravamento de situação humanitária de civis e expansão do conflito
As FDI já realizaram antes outras incursões de poucas horas pela Faixa de Gaza – a última e mais significativa, na madrugada anterior, envolveu blindados e teve caráter "preparatório", segundo os militares israelenses.
As Nações Unidas e outras organizações humanitárias alertam para o risco de que uma invasão em larga escala possa piorar a situação da população civil na região e aumentar o saldo de mortos. Sob cerco militar, palestinos em Gaza estariam sendo severamente desprovidos de serviços básicos essenciais, como água potável, alimentos e energia.
Muitos se deslocaram para o sul do enclave, seguindo orientações de Israel para poupar civis do confronto – a FDI, porém, sustenta que o Hamas tem seguidamente sabotado esses esforços e usado inocentes como escudo humano.
Nesta sexta, as Forças Armadas israelenses anunciaram que o Hamas manteria um quartel-general no subterrâneo do maior hospital de Gaza, o Al-Shifa.
Parte da comunidade internacional teme que o conflito no Oriente Médio saia do controle – as tensões militares têm escalado nas fronteiras de Israel com Líbano e Síria.
Já o receio de parentes dos sequestrados pelo Hamas é de que uma invasão inviabilize as negociações para a libertação deles – o grupo islâmico ameaça matá-los, e alega, sem fornecer provas, que 50 já foram mortos em bombardeios israelenses.
ra (Reuters, ots)