União estável
6 de maio de 2011"Somos todos família, agora é família brasileira", comemorou Toni Reis a caminho do cartório, referindo-se ao fato de família não ser mais um termo exclusivo de casais heterossexuais.
Ele é presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (ABGLT) e conversou com a Deutsche Welle enquanto se preparava para "casar". Ele também estava presente à sessão da quinta-feira (05/05) em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, equiparar a união civil homossexual à heterossexual.
Os direitos não são, ainda, garantidos por lei, mas, a partir de agora, pessoas que se sentirem discriminadas poderão entrar com uma ação na Justiça e terão boas chances de ganhar a causa, com base na decisão do Supremo. No julgamento, os ministros da Corte decidiram que cabe ao Congresso Nacional a elaboração de leis que regulamentem os detalhes da união homoafetiva.
Com a decisão, casais homossexuais podem agora não só reconhecer em cartório a união estável, como fazer em conjunto a declaração de imposto de renda, e incluir o parceiro na lista de dependentes de plano de saúde. No âmbito familiar, será possível adotar o sobrenome do parceiro, assumir a guarda de seus filhos e adotar crianças. Também estão garantidos os direitos a visita íntima nas prisões, herança em caso de morte e pensão alimentícia em caso de separação.
Toni Reis disse que a decisão do Supremo foi uma vitória do princípio da igualdade no Brasil. "Eu acho que o Brasil é maior hoje. É um Brasil democrático, um Brasil da inclusão", disse. Para ele, o próximo passo é o Congresso Nacional aprovar o casamento civil, a exemplo do que já acontece em países como Argentina, Portugal e Espanha.
O professor de direito civil Hércules Benício explicou que, a partir de agora, cartórios serão obrigados a fornecer o documento que formaliza a união estável, caso seja este o desejo do casal. Ele lembrou que "a união estável é uma situação de fato, e tem repercussão jurídica, independentemente da escritura pública que se lavra no cartório". Assim, o casal homossexual não precisa do documento, basta comprovar que a relação tem "vínculo afetivo, duradouro, público e com intenção de constituição de família", assim como já acontecia para casais heterossexuais.
Críticas da Igreja
Mas há também posições críticas à decisão do STF. A Igreja Católica, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), defende que só pode ser considerada família a união entre um homem e uma mulher.
O advogado Hugo Cisneiros, que representa a CNBB, disse à Deutsche Welle que o posicionamento do STF foi preocupante e contraditório. "Preocupante porque o Supremo, de maneira bastante evidente, decidiu legislar, decidiu produzir um instituto jurídico novo, não previsto pela Constituição Federal, claramente negado pelos constituintes", argumentou Cisneiros, em referência à Constituição de 1988.
O julgamento
A decisão do STF foi motivada pela análise de dois casos específicos. A primeira ação buscava o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pedia, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o governo do estado do Rio de Janeiro alegou que o não-reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, todos previstos na Constituição Federal. O argumento serviria como base para que a Corte aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no Código Civil brasileiro, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.
O relator dos casos foi o ministro Carlos Ayres Britto. Em seu voto, ele deu ênfase à felicidade dos casais, independentemente da orientação sexual. Segundo o voto de Ayres Brito, "se as pessoas de preferência heterossexual só podem se realizar ou ser felizes heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes homossexualmente". Ele ainda destacou que "é tão proibido discriminar as pessoas em razão da sua espécie masculina ou feminina quanto em função da respectiva preferência sexual".
Criminalização da homofobia
Está em discussão no Congresso brasileiro o Projeto de Lei Complementar 122, que torna crime os atos de homofobia. O projeto foi elaborado em 2006 por um conjunto de mais de 200 organizações afiliadas de direitos humanos e combate ao preconceito. O projeto torna crime a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, igualando esta situação à discriminação de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexo e gênero.
O texto do Projeto de Lei 122/2006 cita as manifestações que podem ser consideradas atos de homofobia, prevendo pena específica para cada uma, no máximo de cinco anos de reclusão. No momento, o projeto aguarda votação na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.
Autora: Ericka de Sá
Revisão: Roselaine Wandscheer