G20 luta para manter relevância
26 de novembro de 2018A reunião de cúpula deste ano do G20, a ser iniciada nesta sexta-feira (30/11) em Buenos Aires, já é a 20ª do grupo, mas a primeira na América Latina. O presidente argentino, Mauricio Macri, que a nível doméstico luta contra uma crise financeira, quer mostrar às 20 economias mais importantes do mundo os problemas e preocupações da região.
"Temos sempre que estar conscientes de que lidamos com um mundo em que as injustiças aumentam ao invés de diminuir, e isso em todos os lugares", diz Pedro Villagra Delgado, diplomata que participou como representante argentino das negociações prévias com os outros 19 membros do grupo. Macri anunciou fazer "um G20 que traga algo para cada pessoa", ressalta. "Você pensa que isso é algo óbvio. Mas quando olhamos mais atentamente, não é assim."
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O G20 deve discutir desta vez sobre o futuro do trabalho num mundo digitalizado, desenvolvimento sustentável e segurança alimentar. Para o experiente diplomata, entretanto, é claro que uma outra questão e, especialmente, um presidente em especial, vão dominar a cena em Buenos Aires: com sua política comercial "America first", Donald Trump irritou tanto aliados, como União Europeia e Canadá, como rivais, como a China.
"Tarifas punitivas e conflitos comerciais fazem o comércio mundial encolher", alertou a chefe do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, ao se referir a um relatório da instituição sobre o impacto mundial da recente onda de restrições comerciais a ser apresentado durante o G20. "Na pior das hipóteses, o PIB global pode sofrer uma queda de cerca de 0,5% sob as atuais medidas. Essa é a nossa avaliação, que compartilhamos com qualquer um que esteja interessado em comércio", frisou Lagarde nas vésperas da cúpula.
À frente da maior economia da Europa, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, deve chamar atenção em Buenos Aires para a importância de um comércio mundial justo e livre. No momento, a situação parece indicar para uma cúpula ao estilo "todos contra um, todos contra Trump". O presidente americano, que estará presente em apenas um dos dois dias da cúpula na Argentina, dificilmente se deixará levar por tais reivindicações. Para ele, trata-se de "America first", como voltou a deixar claro semana passada, antes do feriado de Ação de Graças.
Nesse ponto, as instituições internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou o G20, servem para ele mais como um estorvo. Trump quer usar a reunião em Buenos Aires para conversar com o presidente chinês, Xi Jinping. Ele quer um "deal" bilateral e, ao mesmo tempo, usa de ameaças.
"Nós estamos lidando muito bem com a China. A China quer desesperadamente fazer negócio. Talvez eles não digam para vocês, mas eles querem muito mesmo. Eu ainda tenho mais 250 bilhões de dólares em punições tarifárias que poderia impor, se não chegarmos a um acordo. Acreditem em mim, eu as vou impor, porque a China roubou nosso país por muitos e muitos anos, e isso não vai acontecer comigo", disse Trump em Washington.
Não há notícias sobre se o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, terá chance de negociar com Donald Trump sobre tarifas punitivas sobre aço e automóveis. As negociações iniciadas pelos parceiros transatlânticos no meio deste ano fracassaram. Juncker rejeita a abordagem dos EUA. "Eu não gosto do unilateralismo que não presta atenção às necessidades dos outros, e sempre serei um multilateralista convicto", afirmou Juncker em seu discurso sobre o Estado da União em setembro.
À margem da cúpula do G20, uma reunião de Trump com o presidente russo, Vladimir Putin, também está sendo planejada, embora ainda o encontro ainda não tenha sido oficialmente confirmado. Ambas as partes não discutem tanto atualmente sobre questões comerciais, mas sobre o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês), que Donald Trump quer revogar. Os EUA acusam a Rússia de violar o pacto, algo que o Kremlin nega.
Além do "show de Trump" – como diplomatas da UE descrevem o esperado espetáculo – haverá muitas discussões em Buenos Aires sobre uma melhor formação profissional para jovens e trabalhadores. No ano passado, a Alemanha, que ocupava a presidência do G20, destinou um foco especial para a África.
O "Pacto pela África", decidido em Hamburgo, foi bem-sucedido, na opinião do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa. Ele visitou recentemente a Alemanha e participou de uma conferência preparatória do G20. "A maneira como seu sistema funciona, onde trabalhadores, empresas e o Estado cooperam, foi para nós uma janela pela qual pudemos olhar. Nós podemos dizer que aprenderemos isso. Um desafio nisso é a falta de habilidades. Há uma enorme escassez de trabalhadores qualificados em nosso país. Nisso, a Alemanha ainda pode nos ensinar muito", disse Ramaphosa à delegação alemã.
"A formação de trabalhadores qualificados deve pode ser um modelo não apenas para a África, mas para muitas partes do mundo”, diz Pedro Villagra Delgado, do G20. "Mostramos ao G20 a visão do sul, a perspectiva de um país em desenvolvimento. Pois ainda somos um país em desenvolvimento. Isto é claramente refletido em nossas prioridades". E essas prioridades são muito diferentes das do presidente dos EUA, de acordo com Villagra Delgado.
Os anfitriões argentinos esperam que, no final, os líderes dos países responsáveis por mais de 80% do PIB global voltem a ficar mais unidos, apesar de Trump. "Meu desejo é que o documento final da cúpula do G20 mostre o comprometimento dos poderosos de voltarem a cooperar para o bem de todos nós."
A declaração final da cúpula será redigida somente no segundo dia, quando Donald Trump estará voltando para casa. Diplomatas da UE disseram antes do início da cúpula que há também muitos pontos em comum com a delegação dos EUA. Por exemplo, eles querem reformar conjuntamente a OMC. Mas em pelo menos uma coisa a comunidade internacional pode se dizer grata a Trump e seu pessoal: "Eles provocaram muito e deram movimento a antigos conflitos", diz Pedro Villagra Delgado. "A única coisa certa é que as coisas estão mudando – não há inércia na comunidade internacional", resume o veterano diplomata argentino.
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