Fórum Social Mundial quer que migração seja declarada um direito humano
9 de dezembro de 2014Um outro mundo é possível, com uma cidadania universal e com a migração vista como um direito humano: esses são alguns dos valores defendidos pelo 6º Fórum Social Mundial das Migrações (WSFM, na sigla em inglês), realizado entre os dias 5 e 8 de dezembro em Joanesburgo, na África do Sul.
Em torno de 4 mil pessoas participaram desta edição, a primeira no continente africano, que teve como tema "Migração no Coração da Nossa Humanidade: defendendo a liberdade e repensando mobilidade, desenvolvimento e globalização".
"Não há humanidade sem o respeito aos direitos humanos. E, se você fica indiferente ao respeito aos direitos humanos, sua humanidade está incompleta", resume o congolês Andre Mbata Mangu, pesquisador da Universidade da África do Sul e integrante do comitê organizador local do fórum.
As atividades ocorreram no Constitution Hill, antiga prisão da época do apartheid convertida em museu e memorial daqueles que resistiram e lutaram contra a segregação racial. A data de início do fórum, aliás, coincidiu com o primeiro aniversário da morte do ex-presidente Nelson Mandela, homenageado e evocado diversas vezes ao longo do evento.
O fórum elencou quatro temas considerados pilares, cada um debatido durante a plenária principal de cada dia, respectivamente: refúgio, solicitantes de asilo e migração forçada; migração, coesão social e integração; migração, globalização e crises: tendências e alternativas; direitos humanos e cidadania.
Respostas locais e globais
A migração tem pontos que são comuns no mundo todo, mas não deixa de guardar particularidades de acordo com a região. Com isso, os participantes do fórum concordam que respostas globais e locais precisam ser combinadas para lidar com os desafios que a mobilidade humana traz para as sociedades.
Uma das respostas apresentadas durante o fórum é a necessidade de mobilização local e global das entidades que lidam com imigrantes e o esforço de convencer tanto governos como o restante da população da importância das discussões.
"Precisamos consolidar as estruturas de participação social para garantir equidade e justiça", opina o professor Raúl Delgado Wise, representante da Unesco no México para migrações, desenvolvimento e direitos humanos.
Já o pesquisador Loren Landau, diretor do African Centre for Migration and Society, também concorda com a necessidade de mobilizar as entidades que lidam com imigração, mas lembra também que é preciso fazer o mesmo com os próprios imigrantes. "Tratamos de mobilizar os imigrantes para que eles fiquem mais visíveis e menos vulneráveis."
Landau ainda reforça que as pontes precisam ser construídas também com a sociedade, para que esta também entenda a importância da temática migratória. "Temos de promover espaços seguros para todos, não apenas para os imigrantes. Em políticas migratórias locais temos de perceber o que ajuda os outros que também nos ajuda."
Um exemplo de mobilização apontado dentro do fórum como sendo bem sucedido foi o da Bolívia, que devido às pressões de cidadãos do país que vivem no exterior concedeu a eles o direito ao voto. "Em 2009, pela primeira vez os bolivianos que vivem no exterior votaram na eleição presidencial, mas isso só foi possível pela mobilização de seus cidadãos em outros países, em especial a comunidade presente na Argentina", recorda o pesquisador boliviano Afonso Hinojosa durante workshop sobre políticas locais e regionais de integração dos imigrantes.
Desafios futuros
Para o padre italiano Paolo Parise, diretor da Missão Paz de São Paulo, as lições a serem aplicadas no Brasil englobam tanto a questão política quanto a articulação na sociedade civil. "Em nível político, podemos trazer a necessidade de maior coordenação entre âmbitos municipais, estaduais e federal. Já no âmbito da sociedade civil, o ensinamento é a tentativa de trabalhar mais junto e superar os mecanismos de competição que existem até nas instituições que lidam com migrações."
A delegada Philisiwe Dhiladha, nascida na Suazilândia e criada na África do Sul, não se via como imigrante até pouco tempo atrás, e o evento ajudou a consolidar dentro dela essa mudança de visão. "Agora entendo que também sou imigrante. Muitas perspectivas mudaram, inclusive as minhas, e também sobre os problemas que os imigrantes enfrentam – e que eu também já enfrentei, mas ainda não tinha me dado conta." Além de acompanhar os debates, Philisiwe também serve como voluntária em traduções para pessoas que não falam alguma das três línguas oficiais do fórum: inglês, francês e espanhol.
"Este é um espaço interessante para trocar iniciativas e fazer intercâmbio de informações. É importante se dar conta dos imigrantes nas políticas públicas e coordenar as cidades que têm tais iniciativas", afirma o francês Jean Rousseau, presidente da Organisation for Universal Citizenship (OUC).
Para a congolesa Aline Mugisho, porta-voz do comitê organizador do WSFM, o objetivo é que os resultados do evento não fiquem apenas na teoria, mas que as recomendações de fato sejam implementadas. "Com isso, podemos ser felizes em termos começado a criar alternativas e avançar para a ideia de que um outro mundo é possível."
WSFM supera boicote e blecaute
O 6º Fórum Social Mundial das Migrações esteve por um fio. Poucas semanas antes de seu início, a cidade de Joanesburgo alegou divergências com o comitê organizador e retirou o apoio logístico e financeiro ao evento. A medida inviabilizou que ele ocorresse em seu local original, o campus Soweto da Universidade de Joanesburgo. A saída encontrada pela organização, às pressas, foi transferir as atividades para o Constitution Hill, que inicialmente seria apenas um local de visitação durante o fórum.
Os efeitos da retirada do apoio e do improviso ainda puderam ser sentidos ao longo do fórum, em especial no primeiro dia. A estrutura que abrigou os debates principais só foi concluída no começo da tarde do dia 5. Além disso, problemas de fornecimento de energia enfrentados pela cidade de Joanesburgo causaram dois blecautes ao longo do fórum, atrapalhando o sistema audiovisual.
Apesar dos obstáculos, minimizados ao longo do evento, o fórum aconteceu e teve seu conteúdo elogiado pelos participantes. "A programação está muito boa e o fórum aconteceu. Pessoas de todo o mundo estão aqui debatendo migração, e não brigando entre si. E isso é o mais importante", opina o alemão Stefan Rothen, pesquisador da Universidade de Freiburg.