Futuro político da Itália é incerto após "não" no referendo
5 de dezembro de 2016"A vida continua", diz um frequentador de um bar perto do Panteão, em Roma, enquanto bebe seu cappuccino na manhã desta segunda-feira (05/12). Como 59% dos italianos, ele votou contra o referendo constitucional. Giovanni Riposati, dono de uma mercearia na esquina, também votou contra. Ele diz que quer novas eleições porque o primeiro-ministro Matteo Renzi não chegou ao poder por meio de uma eleição. Na opinião dele, só as pessoas do Movimento Cinco Estrelas podem mudar alguma coisa, porque "elas são diferentes". "Não precisamos de uma nova Constituição, mas de novos políticos", diz. Ele considera a renúncia de Renzi apenas uma consequência lógica.
Alma Maestrucci tem outra opinião. Ela afirma que Renzi cometeu um grande erro ao vincular o referendo a um voto de confiança em sua política reformista. "Agora haverá instabilidade. O Cinco Estrelas e a direita de Matteo Salvini me assustam", afirma a secretária. Ela diz ser impossível saber o que querem os populistas, tanto de direita como de esquerda. Por isso avalia que novas eleições sejam a opção errada.
Em Roma começa agora a grande arrumação na política. Cabe ao presidente Sergio Mattarella decidir se um governo interino completará a atual legislatura ou se as eleições marcadas para 2018 serão antecipadas para 2017. No primeiro caso, o atual ministro das Finanças, Pier Carlo Padoan, é o mais cotado para o cargo de primeiro-ministro. Nesta segunda-feira, Mattarella pediu serenidade e respeito mútuo aos italianos. À noite, ao se encontrar com Renzi, pediu a ele que permaneça no cargo até a aprovação parlamentar do orçamento do próximo ano, o que deverá acontecer até o fim desta semana.
Indiferentes à situação de indefinição, a oposição de populistas de direita e de esquerda, assim como os conservadores burgueses, que triunfaram no referendo, já falam como se fossem assumir o poder em Roma. Beppe Grillo, o líder populista de esquerda do Movimento Cinco Estrelas, anuncia que vai até escrever um programa de partido e montar uma equipe de governo. "O povo vai governar, não haverá mais autocracia", dizem líderes do Cinco Estrelas.
Os grillini, que formam o maior bloco de oposição no Parlamento, nunca haviam demonstrado a intenção de querer governar. Agora, porém, Grillo e também o líder populista de direita da Lega Nord, Matteo Salvini, querem novas eleições o quanto antes. Salvini, que é fã declarado do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, do presidente russo, Vladimir Putin, e da líder de extrema direita francesa Marine Le Pen, considera sua separatista Lega Nord, após a inesperada vitória folgada sobre Renzi, uma "alternativa digna de credibilidade".
Situação econômica incerta
Mas a crise de governo e a incerteza que vão dominar o clima político na Itália pelas próximas semanas não parecem tirar a tranquilidade da maioria dos italianos, já acostumados com esse tipo de situação. Todos querem que a economia melhore – só não sabem como. Desde a crise financeira, a Itália passou por um governo conservador, um governo interino tecnocrático e duas coalizões lideradas por social-democratas, sem grande sucesso.
Renzi já está desocupando sua residência oficial no Palazzo Chigi. No início da manhã desta segunda-feira, as janelas do lugar estavam abertas, como se o interior precisasse de ar fresco. Na praça em frente ao edifício, um pequeno grupo de "nacionalistas" estava reunido, agitando a bandeira italiana e mandando a União Europeia (UE) para o inferno.
Comentaristas e convidados de programas de debates da TV italiana discutem fervorosamente sobre as consequências da queda de Renzi e do fim do seu programa de reformas para a economia e a União Europeia. Claro está, na manhã desta segunda-feira, que as bolsas europeias não vão cair tão fortemente como se temia. Apenas algumas ações de bancos perderam valor. O Monte dei Paschi di Siena, em crise, suspendeu por precaução a negociação de suas ações. O banco logo pode se tornar alvo de uma reestruturação caso os investidores, devido à situação incerta, decidam não elevar o capital da instituição, que passa por dificuldades.
Os ministros das Finanças da zona do euro se reúnem em Bruxelas nesta segunda-feira, como já era programado, e observam a situação com preocupação. Sobretudo os juros que a Itália precisa pagar para refinanciar sua enorme dívida orçamentária (equivalente a 132% do PIB) não podem subir demais. Caso a economia entre novamente em estagnação e o orçamento estatal, em colapso, a UE provavelmente terá que agir, colocando em ação um programa de resgate. Mas até agora diplomatas da UE acreditavam que a Itália, a terceira maior economia da zona do euro, é grande demais para poder ser socorrida por Alemanha, França e alguns outros. Sem um governo em Roma, decisões são difíceis de serem tomadas na UE.
Bruxelas perde um parceiro
Se um partido populista de fato assumir o poder na Itália vai tudo por água abaixo. Beppe Grillo quer deixar a zona do euro. A Lega Nord quer sair da UE e, de preferência, também se livrar do empobrecido sul da Itália. O ministro alemão do Exterior, Frank-Walter Steinmeier, resume a situação da seguinte forma: "O resultado do referendo não é uma contribuição positiva no meio da crise da UE". Mas ele acrescenta que também não é o fim do Ocidente.
Até agora, Bruxelas via Renzi como uma esperança, como alguém que mantinha um curso claro pró-europeu. A Comissão Europeia tinha até permitido à Itália, como recompensa, uma maior "flexibilidade" na definição do seu orçamento estatal, o que na prática significa mais dívidas. Mas isso pode acabar agora. Horrorizados, diplomatas da UE testemunham, após o ex-primeiro-ministro britânico David Cameron, um segundo chefe de governo fracassar diante da ira da oposição populista. Quem será o próximo? Marc Rutte, da Holanda, onde haverá eleições no começo do próximo ano?
Para o comerciante Riposti, tanto faz. Ele acha que a UE se tornou supérflua e quer regular até o diâmetro das pizzas. "Eles querem me dizer quanto leite as vacas na minha aldeia devem dar. Isso é ridículo. Tantos países diferentes simplesmente não combinam." Já a secretária Maestrucci tem opinião diferente. "Precisamos da UE e do euro porque, caso contrário, teremos grandes problemas. A União Europeia tem que nos ajudar agora. Principalmente depois desse terremoto".